STJ suspende ações de busca e apreensão para decisão acerca da legalidade da recepção da notificação extrajudicial por terceiros
Tomadores de crédito e bancos podem ter prejuízo com a fixação de entendimento em desfavor do que atualmente é fixado pelo referido dispositivo legal, de modo a prestigiar o inadimplemento e seus protagonistas.
terça-feira, 19 de abril de 2022
Atualizado em 20 de abril de 2022 08:29
A 2ª Seção do STJ fixara que haverá julgamento, em caráter repetitivo, no tocante a regularidade da assinatura por terceiros de notificações extrajudiciais enviadas pelos bancos aos seus devedores, na hipótese de contratos garantidos por alienação fiduciária, como o que ocorre com o financiamento de veículos. Tal modalidade contratual atribui ao próprio bem financiado a garantia pelo adimplemento, de modo que, em havendo descumprimento pelo devedor, é concedida à instituição financeira a prerrogativa de excuti-lo.
Entretanto, é parte essencial da viabilidade do pedido inicial objeto da ação de busca e apreensão, dentre outros requisitos, a constituição em mora do devedor, como forma de levar ao seu conhecimento tanto o cenário de inadimplemento, quanto a principal consequência na hipótese de permanência de descumprimento do saldo devedor: a perda do bem.
Ressalta-se a necessidade dos dois elementos que perfectibilizam a mora: o elemento objetivo, ou seja, o descumprimento do pagamento no tempo, lugar e modo convencionados, e o elemento subjetivo, que se caracteriza pelo deliberado e voluntário inadimplemento pelo devedor.
Desse modo, o protesto ou a notificação extrajudicial são os principais mecanismos para que a mora do devedor permita a tomada do objeto da garantia por meio da busca e apreensão. Destes dois, a notificação extrajudicial é a ferramenta mais utilizada, em especial pelos bancos, muito pois, nesse caso, o art. 2º, § 2º do Decreto-Lei 911/69 permite a fixação da mora mediante vencimento do prazo para pagamento, cuja comprovação depende de carta registrada com aviso de recebimento, restando afastada, inclusive, a exigência de que a assinatura seja do próprio devedor.1
Nesse sentido, haverá apreciação do tema pela 2ª Seção através de dois recursos do Rio Grande do Sul: REsp 19518882 e REsp 19516623, sob a relatoria do ministro Marco Buzzi. O impacto inicial do julgamento é a suspensão de todas as ações de busca e apreensão em trâmite em território nacional, com exceção dos processos em que o aviso de recebimento fora assinado pelo devedor, e daqueles cujo protesto da dívida se dera em momento anterior à distribuição da ação persecutória em comento.
Assim, o ministro Marco Buzzi ordenou que fosse levado a conhecimento para efeito de afetação dos recursos e instituições que possuam interesse para atuação na qualidade de "amicus curiae", tais como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Banco Central e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Como consequência inicial de maior relevância, tem-se a suspensão das ações de busca e apreensão com fundamento em garantia de alienação fiduciária, até julgamento dos dois mencionados recursos, que até o momento não se verifica data de previsão.
As outros consequências podem decorrer do resultado decisório. De ordem processual, em havendo entendimento pela necessidade de assinatura do aviso de recebimento pelo devedor, o principal prejuízo será a inviabilidade da constituição em mora da maioria destes, em especial pessoas físicas, pois o aviso de recebimento de cartas em geral, na maioria dos condomínios, é recebido pelo porteiro, haja vista que os carteiros as entregam em horário comercial.
Na esfera econômica, a hipótese já trazida importaria em um aumento circunstancial da dificuldade de recuperação de crédito por meio da excussão da garantia que tenha a necessidade de constituição em mora do devedor, e a reação das instituições financeiras para dirimir os riscos e prejuízos decorrentes desse cenário pode ir de aumento de juros, até a diminuição da projeção de crédito, o que gera natural prejuízo aos seus tomadores solventes e adimplementes, cuja implicação macroeconômica pode comprometer ainda mais a viabilidade de manutenção e crescimento destes.
Portanto, tomadores de crédito e bancos podem ter prejuízo com a fixação de entendimento em desfavor do que atualmente é fixado pelo referido dispositivo legal, de modo a prestigiar o inadimplemento e seus protagonistas, e dificultar o acesso a crédito dos que dele necessitam, e possuem genuína intenção de manutenção e crescimento de sua atividade, e consequente cumprimento das suas obrigações contratuais.
1 Brasil. Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sôbre alienação fiduciária e dá outras providências.
3 STJ, REsp nº 1951662 / RS (2021/0238511-3), Rel. Min. MARCO BUZZI, 2ª Seção.
Caio César Alvares Loro Netto
Advogado. Doutorando em Direito das Relações Econômicas Internacionais (PUC-SP). Mestre em Direito Econômico Internacional (UNISANTOS). Pós-Graduado em Direito Empresarial (FGV-SP). Professor de Graduação e Pós-Graduação (UNINOVE e outras). Associado do escritório Carmona Maya Martins e Medeiros Advogados. Membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB/Santos.