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A arbitragem e o ministro Dias Toffoli - Cogitações pertinentes

As informações estatísticas sobre a arbitragem nas principais câmaras brasileiras são relativamente pobres e não guardam critérios comuns a todas elas.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Atualizado às 08:21

(Imagem: Arte Migalhas)

Ausente qualquer ligação direta com o caso então em julgamento, em recente sessão plenária do STF o ministro Dias Toffoli afirmou que grandes empresas estariam fugindo da arbitragem, uma vez que o Judiciário seria mais correto e muito mais decente que alguns tribunais arbitrais1. Trata-se de afirmação sumamente grave que, para ser devidamente considerada, dependeria de provas que tivessem sido demonstradas por aquele ministro, o que não ocorreu. Pelo menos ele não generalizou: não são todos os tribunais arbitrais nessa situação, só alguns, por ele não identificados. Ah, menos ruim!

Os conceitos de correção e de decência não têm acepção jurídica, não tendo sido possível aquilatar o que precisamente teriam significado na afirmação considerada, podendo se entender que diriam respeito ao acerto das decisões e à corrupção. Em tempos de fake news que o STF, aliás tem combatido, não se pode tolerar generalizações dessa natureza.

Tanto com relação à arbitragem como ao Judiciário, a alegação da prolação de sentenças inadequadas segundo o bom direito tem sido corriqueira. No que diz respeito aos juízes, por exemplo, diz-se que eles não dominam o direito empresarial e que frequentemente erram nas suas decisões. Do lado dos tribunais arbitrais alega-se que os seus componentes algumas vezes não são versados na matéria específica sob o seu escrutínio, o seria culpa das partes que os indicaram, se verdadeiro. Daí a existência possível de sentenças incorretas dos dois lados, situação natural, digamos assim, tendo em vista que muitas vezes o direito se apresenta fugidio na identificação das normas aplicáveis e sua relação aos fatos em jogo, a par da valoração que a esses elementos atribui o julgador.

Lembrando a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, temos que o direito pode ser visto pelos critérios do fato, do valor e da norma e sua interpretação muitas vezes decorre da subjetividade a eles inerente, sob o critério de avaliação de quem decide. A não ser que decisões afrontem claramente uma norma jurídica cogente, é possível a existência de divergência entre as sentenças. Esse conhecimento é notório. No caso do Judiciário eventuais falhas são supridas pelo sistema dos recursos. No tocante à arbitragem, isso não acontece, como se sabe. Risco do negócio, poderia se dizer.

A acusação da existência de decisões arbitrais indecentes é muito mais séria, tendo sido atacado o sistema arbitral como um todo e, como já se disse, sem que qualquer prova tivesse sido mencionada, sequer com a indicação de qualquer caso concreto que eventualmente tenha chegado ao Judiciário.

A corrupção é inerente à natureza humana, como se percebe em uma análise feita ao longo de toda a história da nossa presença neste planeta. Basta ver os códigos mais antigos, como o de Hamurabi e o texto bíblico do Antigo Testamento, que estão plenos de normas que buscam punir a desonestidade. De lá para cá não se tem notado qualquer mudança para melhor nesse aspecto, parecendo ao observador que a honestidade se tem tornado um valor cada vez menos presente nas relações sociais, com o império da corrupção. Basta ler os jornais.

No plano do Judiciário, eventuais sentenças nascidas no berço da corrupção podem ser corrigidas ao longo da vida de cada processo. No tocante à arbitragem a aludida indecência é controlada por alguns fatores internos e externos, antecedentes, inerentes ou sucedâneos ao término de uma lide arbitral. Internamente os árbitros estão permanentemente sujeitos ao escrutínio de suas vidas pessoais e profissionais, sujeitos, como todas as pessoas nos tempos atuais, a uma perda cada vez mais profunda dos elementos de sua vida privada. Dessa forma, mais do que os juízes, cuja atuação é exercida dentro de um ambiente mais fechado, os árbitros - que no mais das vezes são advogados - transitam em diversos segmentos em sua vida profissional, tornando-se bem conhecidos dos seus eleitores.

Do ponto de vista externo, a formação de um tribunal arbitral composto por três árbitros torna a corrupção mais problemática, pois o agente corruptor precisará comprar no mínimo dos deles, uma tarefa ingrata, como podemos perceber. E como cada tribunal arbitral tem membros novos, o processo de corromper precisaria ser amplo e contínuo. E os árbitros ao longo do seu trabalho em um processo arbitral, se fosse o caso, precisariam embasar a decisão vendida segundo critérios minimamente aceitáveis, para que sua posição não ficasse muito evidente diante do árbitro não participante do conluio o qual, no seu voto divergente faria manifesto o seu pensamento a respeito. Claro, se não tivesse sido o caso da compra do trio arbitral, missão mesmo impossível. Diante de alguma suspeita de corrupção a parte prejudicada certamente procuraria o Judiciário buscando a anulação da sentença contaminada. Mesmo que esse objetivo não pudesse ser alcançado, teria desaparecido o sigilo da arbitragem e o nome dos árbitros envolvidos e de sua possível atuação desonesta chegaria ao conhecimento do mercado arbitral, fechando-se para eles a porta correspondente. Seriam esses limites absolutos, impossibilitando sentenças nascidas na escuridão de algum conluio? Certamente que não, mas revela-se uma dificuldade estatisticamente muito elevada na configuração de tais situações. E do lado do Judiciário não tem sido poucas as referências a juízes corruptos, muitos deles afastados de suas funções. Ou seja, lá e cá, estaria presente um enorme telhado de vidro.

Portanto, seja no campo da dita correção, seja no da decência, ausentes quaisquer provas, mais teria valido àquele ministro manter-se calado, tendo exposto uma visão completamente equivocada da arbitragem.

A respeito da menção ao abandono da arbitragem por muitas empresas, teria sido necessário apontar a sua veracidade, segundo dados estatísticos. Reconheço que está presente certo nível de desencanto com a arbitragem (talvez crescente), conforme apurado em conversas com muitos agentes que, têm sido os seus usuários ao longo do tempo da afirmação de sua constitucionalidade como instituto alternativo ao Judiciário na busca da solução de conflitos de natureza patrimonial disponível. Sei pessoalmente que grandes grupos empresariais a retiraram do seu portfólio, tendo preferido o Judiciário. As causas seriam diversas e uma delas têm despontado, inerente ao alegado processualismo exacerbado que tem revestido os processos arbitrais, especialmente de alguns anos para cá. Mas isso é tema para outra abordagem, já tendo esse autor falado sobre isso em algumas oportunidades.

Sem poder fazer uma comparação com o Judiciário, precisamente pela falta de informações sobre esse assunto, o que se verifica é que o recurso à arbitragem tem crescido sistematicamente, não sendo possível saber quantos casos que foram dirigidos ao Judiciário teriam sido o resultado de desistência da utilização daquela.

As informações estatísticas sobre a arbitragem nas principais câmaras brasileiras são relativamente pobres e não guardam critérios comuns a todas elas, o que torna difícil chegar-se a alguma conclusão objetiva. Seria o caso das diversas câmaras concertarem entre si, a bem do instituto, o levantamento e a publicização de informações estatísticas pormenorizadas.

Por exemplo, na Câmara de Arbitragem e Mediação da Fiesp-CIESP, o número de processos novos iniciados em cada um dos últimos anos indica uma situação de estabilidade em torno de cinquenta deles, com uma relativa queda em 2020 e 2021, fator que pode ser atribuído à pandemia do covid-19. O tempo médio de duração dos processos arbitrais nos quais não tem sido necessária perícia tem sido de 19 meses após termo de arbitragem e 25 meses a partir da distribuição, o que é bastante aceitável quando se compara com o Judiciário, considerado o início de uma ação até decisão de segunda instância. Observe-se que todas as câmaras adotaram a chamada arbitragem expedita que procura tornar mais ágil e de menor duração os processos arbitrais.

No site da Câmara de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá está disponível o último relatório (de 2019), o qual mostra um crescimento anual constante de novos processos (97 em 2019). Houve um pico de 141 casos em 2017, com uma queda para 101 e 97, respectivamente, nos anos de 2018 e 2019. O tempo médio de duração daqueles iniciados em 2017-2019 e já encerrados ao tempo do fechamento desse relatório foi de 13,2 meses, média excelente.

Por sua vez, na Câmara de Arbitragem do Mercado - B3, nota-se um progresso contínuo de novos processos durante todos os últimos anos até 2020 (último acessível), sendo o tempo médio de duração de 36 meses do requerimento até a sentença ou pedido de esclarecimentos e de 25 meses a partir do termo de arbitragem.

Nos Centro de Arbitragem e Mediação da AMCHAM, CAMARB e da FGV não foram encontrados dados estatísticos, talvez por deficiência pessoal deste pesquisador.

Em conclusão dessa breve análise, mais uma vez, apresenta-se aqui o repúdio à manifestação do Ministro Dias Toffoli e um repto à comunidade arbitral na defesa desse valioso instituto, imperfeito, claro, como qualquer realização humana.

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1 A notícia sobre essas declarações circulou por diversos agentes da imprensa, como no jornal Valor Econômico de 24.03.2022.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

VIP Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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