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Internação prolongada de recém-nascido não inscrito no plano de saúde: quem deve pagar a conta?

Uma análise sistêmica do recurso especial nº 1941.917/SP, da 3ª Turma do STJ, julgado em 29/3/22.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Atualizado em 19 de abril de 2022 14:43

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

Os últimos dias foram marcados por verdadeira enxurrada de artigos jornalísticos, alusivos ao Resp. 1.941.917/SP da 3ª Turma do STJ, publicado em 29/3/2022. Cite-se, exemplificativamente:

"STJ reconhece recém-nascida neta de titular de plano de saúde omo beneficiária.''

"Recém-nascido pode ser equiparado a usuário de plano de saúde, mesmo sem a inscrição como dependente, após 30 dias de vida.'' 

Embora não haja nenhuma inverdade nessas publicações (ao contrário), parece-nos, s.m.j., que parcela da imprensa não captou a genuína pedra de toque, a ser extraída do referido julgado!

Isso porque, com o advento da resolução normativa nº 465 da ANS, o direito à inscrição de neta em plano de saúde do avô-titular, desde fevereiro de 2021, já era expressamente assegurado ao consumidor, se não vejamos:

Art. 21. O Plano Hospitalar com Obstetrícia compreende toda a cobertura definida no art. 20, acrescida dos procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e puerpério, devendo garantir cobertura para:

III - opção de inscrição do recém-nascido, filho natural ou adotivo do beneficiário titular, ou de seu dependente, isento do cumprimento dos períodos de carência já cumpridos pelo titular, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento ou adoção.

Da mesma forma, a equiparação de direitos do recém-nascido não incluso no plano de saúde aos de um beneficiário-dependente inscrito também não é uma inovação trazida pelo REsp. 1.941.917/SP, já que, subespécie do gênero "consumidor por equiparação" (bystander), previsto no art. 17 do CDC, a figura do "beneficiário/usuário por equiparação" tem aplicação recorrente em nossos Tribunais1, como se mostra, aliás, no brilhante voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, proferido no recurso especial de nº 1.953.191/SP2:

"Como se extrai dos autos, embora a operadora do plano de saúde tenha negado a inscrição do recém-nascido no plano de titularidade do avô, mesmo a genitora sendo dependente/beneficiária do plano coletivo - conduta considerada, no mínimo, controvertida - o pedido formulado na inicial se ateve ao custeio da internação hospitalar até a alta médica. [...]

Assim, independentemente da inscrição do recém-nascido no plano de saúde do beneficiário-consumidor, da segmentação hospitalar com obstetrícia, possui o neonato proteção assistencial nos primeiros 30 dias do parto [...], sendo considerado, nesse período, um USUÁRIO POR EQUIPARAÇÃO, ao lado, portanto, do seu genitor titular ou genitor dependente.

Logo, o esgotamento desse prazo não pode provocar a descontinuidade do tratamento médico-hospitalar, devendo haver a extensão do trintídio até a alta médica do recém-nascido. [...]

Em outras palavras, o USUÁRIO POR EQUIPARAÇÃO (RECÉM-NASCIDO) não pode ficar ao desamparo enquanto perdurar sua terapia, sendo sua situação análoga ao do beneficiário sob tratamento médico, cujo plano coletivo foi extinto.

Em ambas as hipóteses deve haver o custeio temporário, pela operadora, das despesas assistenciais, até a alta médica, em observância aos princípios da boa-fé, da função social do contato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana."

Mas, então, o que trouxe de tão relevante, o recurso especial nº 1.941.917/SP, de 29/3/22?

Temos, s.m.j., o que esse julgado traz de mais relevante é  a consolidação de um novo e (agora) uniforme entendimento jurisprudencial na 3ª Turma do STJ, especialmente relacionao à fixação do responsável financeiro pelas despesas médico-hospitalares do neonato não inscrito no plano de saúde, em contraposição à interpretação literaç do art. 12, II, "b", da lei nº 9.656/98, até aqui adotada por alguns planos de saúde. 

Ainda em 2/2022, no julgamento do REsp. 1.953.191/SP, a sua ministra-relatora Nancy Andrighi, em situação análoga ao apresentado no REsp. 1.941.917/SP, em seu pronunciamento, votou pela manutenção do tratamento médico do recém-nascido até a alta hospitalar, porém, garantindo à operadora, o direito ao ressarcimento das despesas assumidas após o 30º dia do nascimento do neonato, nos limites da tabela prevista no contrato, ...". 

Consigne aqui, aliás, trecho da fundamentação do seu voto, in verbis:

"[...] se, de um lado, a lei exime a operadora da obrigação de custear o tratamento médico prescrito para o neonato, após o 30º dia do parto, se ele não foi inscrito como beneficiário do plano de saúde, impede, de outro lado, que se interrompa o tratamento ainda em curso, assegurando, pois, a cobertura assistencial até a sua alta hospitalar.

Desse modo, conclui-se que a solução que atende a ambos os comandos, no particular, é a que impõe à operadora a obrigação de manter o tratamento do recém-nascido até a sua alta hospitalar, garantindo à recorrente, todavia, o direito de ressarcimento das despesas assumidas após o 30º dia do nascimento do recorrido, segundo a tabela prevista no contrato de plano de saúde coletivo."

Veja, portanto, que até esse momento, era nítida a divergência de entendimento (ao menos) da ministra Nancy Andrighi, que como demonstrado, via como juridicamente próprio, a obrigação do consumidor em reembolsar a operadora de planos de saúde, pelas despesas médico-hospitalares do período posterior ao 30º dia de internação, nos limites da tabela fixada no contrato.

Ocorre que, apresentado o seu voto pela Ministra, o ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, após pedido de vista, registrou a sua divergência parcial do voto da relatora, especificamente relacionada à responsabilidade financeira do recém-nascido, que para ele, deveria ficar restrita ao pagamento das mensalidades do período de internação; tudo, aos seguintes fundamentos:

 "(...) o usuário por equiparação (recém-nascido) não pode ficar ao desamparo enquanto perdurar sua terapia, sendo sua situação análoga ao do beneficiário sob tratamento médico, cujo plano coletivo foi extinto. Em ambas as hipóteses deve haver o custeio temporário, pela operadora, das despesas assistenciais até a alta médica, em observância aos princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. (...) após o prazo de 30 (trinta) dias do nascimento, o neonato submetido a tratamento terapêutico e não inscrito no plano de saúde deve ser considerado usuário por equiparação, sobretudo devido à conduta duvidosa da operadora que lhe negou eventual direito. É dizer, deve ser considerado como se inscrito fosse, ainda que provisoriamente, o que lhe acarreta não o ressarcimento de despesas conforme valores de tabela da operadora, mas o recolhimento de quantias correspondentes a mensalidades de sua categoria, a exemplo também do que acontece aos beneficiários sob tratamento assistencial em planos extintos.

Ante o exposto, com a devida vênia, divirjo em parte da ilustre Relatora para dar parcial provimento ao recurso especial em menor extensão, a fim de apenas determinar o reconhecimento de valores equivalentes às mensalidades pelo autor, como se inscrito fosse no plano de saúde, no período posterior a 30º (trigésimo) dia do nascimento até a conclusão do tratamento assistencial, com a respectiva alta médica."

Destaque-se que, ponto importante em comum entre os julgados relaciona-se ao fato de que os responsáveis legais dos recém-nascidos, em ambas as situações, tentaram, em vão, efetuar a sua inscrição no plano de saúde, obstados pela Operadora, entretanto, ao fundamento de inelegibilidade contratual para a inclusão de "dependente de dependente"; conduta, como demonstrado, em absoluto desacordo com o que preconiza o art. 21, III, da RN-465/ANS.

Fato é que, diante dos argumentos trazidos pelo voto divergente, a min. relatora reformulou o seu voto, concluindo, em companhia dos demais ministros da 3ª Turma, pela limitação de responsabilidade do consumidor ao pagamento das mensalidades do período3, eximindo-o, portanto, do pagamento de quaisquer despesas hospitalares4.

Certo é que, em que pese o brilhantismo jurídico, extraído do novel pronunciamento sentencial de fevereiro/22, somente com a prolação do REsp. 1.941.917/SP estancou de vez quaisquer dúvidas e inseguranças sobre o entendimento uniforme da 3ª Turma do STJ, que novamente à unanimidade, decretou, em síntese:

I) que o recém-nascido, inscrito ou não no plano de saúde, cuja sua genitora pertença a um plano hospitalar com obstétrica, tem o direito à cobertura contratual e à permanência na unidade hospitalar, até que ocorra a sua alta médica, ainda que por período superior aos 30 primeiros dias do seu nascimento, restringindo sua responsabilidade financeira ao mero pagamento das mensalidades do período excedente;

II) que não pode a Operadora de Planos de Saúde suspender o atendimento do recém-nascido ("beneficiário equiparado") e nem deixar de efetuar o repasse dos valores das despesas médico-hospitalares, oriundas da internação prolongada do neonato, responsabilizando-se, portanto, pelo integral pagamento ao hospital.

Relevante lembrar que a jurisprudência que se forma na 3ª Turma do STJ possui, s.m.j., base jurídica sólida, já que, passando ao largo da interpretação meramente literal do art. 12, III, "b", da lei 9.656/98, valeram os seus ministros dos métodos teleológico e sistemático de interpretação, onde, então, atentando para real finalidade da norma junto ao meio social5  e confrontando-a com outros dispositivos normativos6 e principiológicos7, concluíram, à unanimidade, pela coerente conclusão sentencial, firmada nos REsps. 1.953.191 e 1.941.917!

Um alento aos advogados e doutrinadores consumeristas, que de longa data sustentam esse entendimento, aos Tribunais Estaduais, que majoritariamente com eles também convergem8,9,10, mas, sobretudo, uma vitória do consumidor, que passa a contar, ao menos na 3ª Turma do STJ, com a segurança jurídica de que, em eventual infortúnio, não se verá irremediavelmente endividado perante o convênio médico e/ou entidade hospitalar.

Aguardemos agora, o douto pronunciamento da 4ª Turma do STJ, que ao menos parte dos seus membros, aparenta comungar do mesmo entendimento (será?); dedução que se tira, por exemplo, do voto do eminente ministro Luís Felipe Salomão, proferido no REsp. 1.269.757/MG11, onde o mesmo, em caso similar, cita na sua fundamentação, trechos da magnífica obra literária, Saúde e Responsabilidade: Seguros e Planos de Assistência Privada à Saúde12, coordenada pela erudita doutrinadora consumerista, prof. Cláudia Lima Marquesque assim estabelecem:

"Sílvio Luís Ferreira Rocha, analisando a Lei de Seguros e Planos de Saúde, na obra Saúde e Reponsabilidade, sob a coordenação da professora Cláudia Lima Marques, no que respeita à disciplina do atendimento obstétrico, salientou, inclusive, a necessidade de se compreender a cobertura ao recém-nascido em maior extensão e, nesta linha, defende que a lei merece reparos, apontando-os:

Primeiro, dificilmente a adoção do recém-nascido pelo beneficiário acontecerá no prazo de 30 (trinta) dias. A norma, portanto, disse menos do que queria dizer.

Segundo, pode ocorrer que o recém-nascido permaneça em tratamento por mais de trinta dias após o parto. Nos termos em que foi redigida, a norma permite que as operadoras transfiram a responsabilidade pelo custo do tratamento do recém-nascido para os pais ou responsável ultrapassado o prazo de trinta dias, quando não deve ser assim. Portanto, deve-se entender que a cobertura assistencial estende-se ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto ou enquanto durar o tratamento, se iniciado durante os primeiros trinta dias."    

Ponto relevante, para terminar, relaciona-se ao fato de que, caso o consumidor, em situação análoga, opte exclusivamente pelo acionamento administrativo da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o desfecho da sua reclamação tende a ser de improcedência e arquivamento da demanda, já que, até o momento, a agência, ao que tudo indica, filia-se à literalidade do art. 12, II, letras "a" e "b" da lei 9.656/9813; daí porque, denota-se de crucial importância ao beneficiário, buscar uma prévia e abalizada orientação jurídica, frente as suas reais necessidades!

___________

1 Cite-se: STJ, Recurso Especial 1.370.139/SP, de 2012.

STJ - REsp. 1.953.191/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. em 15.02.2022.

3 STJ. REsp. 1.953.191-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, republicado no D.O.U. de 23.03.2022 (pág. 9267).

4 Acórdão republicado no D.O.U. de 23.03.2022 - pag. 9267.

5 Estabelece o artigo 5º da LINDB que "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

6 Como o artigo 17, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que: "Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento" e o artigo 12, da Lei 9.656/98, que preconiza que "II - quando incluir internação hospitalar: a) cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade,...";

7 Como os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da segurança jurídica.  

8 A gravidade do quadro de saúde de internado proíbe a seguradora de interromper a cobertura, mesmo se requisitos legais e contratuais não tiverem sido seguidos à risca. Com esse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu tratamento médico e a inclusão de um recém-nascido no plano de saúde de sua mãe, sem cumprimento de carência, mesmo depois de um mês do nascimento da criança, em caso de internação por grave doença.

9 A 5ª Turma Cível do TJDFT confirmou sentença da 2ª Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de Santa Maria, que condenou a Amil Assistência Médica Internacional a pagar indenização, por danos morais, a segurada, cujo filho recém-nascido não foi incluído como beneficiário do plano de saúde, no tempo devido. (TJDF - www.tjdf.jus.br - Notícia/2019: "Inclusão tardia de recém-nascido em plano de saúde gera indenização."

10 O juiz da 2ª Vara Cível de Belo Horizonte, Sebastião Pereira dos Santos Neto, concedeu liminar que beneficia um casal de gêmeos recém-nascidos e determina que a cooperativa de trabalho médico Unimed, prorrogue o prazo de trinta dias para inclusão dos autores no plano de saúde de sua genitora. A medida garante que os bebês continuem recebendo tratamento fornecido pela cooperativa, até que possam ser incluídos no plano de saúde da mãe. (TJMG - www.tjmg.jus.br - Notícia de 04.09.2018: "Mãe consegue prorrogar prazo de inclusão de gêmeos recém-nascidos em plano de saúde.").

11 STJ - Recurso Especial nº 1.269.757/MG, ReL. Ministro Luís Felipe Salomão, j. 03.05.2016.

12 Cláudia Lima Marques e outros, in Saúde e Responsabilidade: Seguros e Planos de Assistência Privada à Saúde, Edit. RT, v. 13, p. 70, 1999.

13 "Cobertura Hospitalar com Obstetrícia - [...] É garantida, ainda, a cobertura assistencial ao recém-nascido filho natural ou adotivo do contratante, ou de seu dependente, durante os primeiros 30 dias após o parto. (Portal da ANS - www.ans.gov.br - Espaço do Consumidor - Segmentação Assistencial - 2022).

Carlos Muzzi de Oliveira

Carlos Muzzi de Oliveira

Advogado na cidade de Uberlândia/MG, especialista em Direito Empresarial, atuando no mercado de Direito da Saúde e Direito Médico há mais de 24 anos.

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