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Tributação e rentismo imobiliário: como o IPTU e o ISSQN podem ajudar a conter a disparada dos aluguéis no mundo

Medidas tributárias fiscais e extrafiscais parecem importantes para evitar a concorrência desleal no segmento de hospedagens e, também, para o adequado direcionamento do mercado imobiliário para incentivar a construção de residências, e não acumulação de propriedades com fins especulativos ou rentistas.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Atualizado às 09:34

(Imagem: Arte Migalhas)

O governo do Presidente da Espanha Pedro Sánchez prometeu distribuir um bônus de 250 euros para "jovens' entre 20 e 35 anos pagarem aluguéis e deixarem as casas dos pais1. Na Espanha, a idade média para a "independência habitacional" está em 30 anos, contra 26,4 da Europa.

A medida, prevista no "Presupuesto General de España de 2022" com uma reserva de 200 milhões de Euros, provocou um alvoroço inicial - apesar de muitas restrições ao usufruto do benefício, como o limite do valor máximo de aluguel (900 euros e 600 euros, dependendo do porte da cidade).

O governo alega que, nos últimos dez anos, os salários cresceram em um percentual muito abaixo do aumento médio dos aluguéis, o que deveria ser corrigido por meio desse subsídio estatal. O bônus serviria, ainda, para incentivar a demanda por habitações e, indiretamente, mais investimentos (privados) na construção de novos empreendimentos imobiliários residenciais.

O problema se repete em diversos países do mundo, valendo citar o crescimento vertiginoso dos preços em Nova Iorque, onde o aluguel médio chegou a 3.400 dólares em janeiro de 20222, e em Londres, com o maior crescimento nos últimos treze anos3.

Entretanto, além dos evidentes problemas operacionais, a iniciativa suscita também outras indagações. As primeiras dúvidas são de ordem econômica: 1) Será que aumentar a demanda de modo episódico não provocará um aumento ainda maior dos aluguéis? 2) Não seria melhor o governo favorecer a construção de novos empreendimentos residenciais, atuando na vertente da oferta? 3) qual o real fator que levou à disparada dos aluguéis na última década?

Não pretendo responder às duas primeiras perguntas, cujas respostas parecem mais fáceis ou, pelo menos, seus debates são mais conhecidos. Porém, parece importante refletir sobre a terceira questão.

Com efeito, os dados da "especulação imobiliária" na Espanha mostram que os investimentos em novos imóveis caíram após a crise de 2008, mas foram retomados nos últimos 8 anos e vêm crescendo, empurrados pelo mercado das plataformas de aluguéis de curtíssima temporada, como os famosos AirBnB, HomeAway, TripAdvisorRentals, Wimdu, OneFineStay, BeMate entre muitos outros. A disrupção provocada por esses aplicativos e sítios eletrônicos deslocou muitos imóveis residenciais para o mercado de hospedagem, supervalorizando os seus "aluguéis". Cidades turísticas como Barcelona, Madrid, San Sebastian, Bilbao, Girona, Vitoria-Gastez, Canária, Málaga e Cádiz são exemplos eloquentes, ostentando preços muito acima de quaisquer outras cidades espanholas - sendo que algumas quedas recentes para apartamentos pequenos decorrem apenas do contexto da pandemia do covid-19.

Mas a pressão sobre os aluguéis não vem só dessa "nova economia". Ela tem origem anterior, no aumento de investimentos em fundos e em portfólios dedicados à locação de imóveis. Com efeito, o mercado espanhol se insere num cenário de concentração de propriedades em uma parcela pequena de titulares, nacionais ou estrangeiros, que veem no segmento de "locação imobiliária" um negócio seguro e com boa rentabilidade.

Um dos indicadores desse cenário: 80% dos imóveis para locação residencial estão nas mãos de "agentes da propriedade imobiliária" - enquanto somente 20% são alugados por particulares (cf. Business Insider - 7/6/21).

O somatório desses fatores econômicos tem pressionado por rentabilidade ao longo dos anos e estimulado melhorias nas instalações dos imóveis, sem direcionar investimentos privados suficientes para a construções de novas residências, melhorando a oferta de novas habitações.

Essa realidade desmente a tese adotada pela maioria dos governos de que "o próprio mercado é capaz de se autorregular" sob a equação: maior lucratividade = maior o interesse na ampliação da quantidade de unidades imobiliárias.

Todo este cenário reforça a perspectiva de que é preciso alguma intervenção estatal em relação à ausência de regulação e tributação dos imóveis destinados a hospedagem (concorrente com hotéis e similares) e no que tange à acumulação de propriedades nas mãos de poucos titulares (rentistas).

Há os que defendem o aumento do financiamento público da construção e aquisição de novos imóveis, com taxas de juros reduzidas - o que parece ser uma política clássica e importante. Mas parece que é chegada a hora de se pensar também em medidas de ordem tributária.

A primeira proposição que se afigura adequada é tributar os serviços de hospedagem das plataformas, garantindo que os proprietários dos imóveis concorram em igualdade de condições com os serviços hoteleiros e similares. Somente assim se evitará que continuem surfando nesta economia como "tax-free-riders". E, no final do dia, espera-se que esta medida diminua a destinação de imóveis para tal finalidade, fazendo com que muitos deles retornem para o mercado de aluguéis efetivos, de média ou longa duração, reduzindo os seus preços médios.

A segunda medida promissora seria tributar os proprietários de imóveis que possuem mais de uma unidade, por meio de um adicional ou progressão de alíquotas do imposto imobiliário. Isso poderá se dar também no aumento do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos com o aluguel de propriedades residenciais.

Desde 2020 o Chile vem aplicando uma sobretaxa anual para todos os contribuintes que possuem um ou mais imóveis, cujo valor somado exceda a 670 "Unidades Tributárias Anuales" (UTA - equivalente a USD$840). A regra é aplicável a "pessoas singulares, pessoas coletivas ou entidades não-constituídas como sociedade"4.

Uma primeira vista desta medida poderia levar à conclusão de que o imposto imobiliário - em geral transferido ou pago diretamente pelo locatário - iria encarecer os aluguéis. Mas parece que há razões para acreditar que, no médio prazo, o efeito será benéfico, ao diminuir o interesse dos rentistas imobiliários nesta modalidade de investimento e, por consequência, pressão especulativa sobre a rentabilidade desses ativos.

Além dessas medidas, parece recomendável ainda que as receitas provenientes da cobrança de um adicional ou de alíquotas progressivos possam financiar a construção de novas unidades, dando maior efetividade a esse instrumento tributário-financeiro.

Infelizmente, no Brasil, apesar de expressamente autorizada desde a EC 20/98, somente duas capitais (São Paulo e Porto Velho) e pouquíssimos municípios de grande e médio porte introduziram o IPTU progressivo até a data de hoje. E mesmo assim, considerando apenas o valor isolado dos imóveis ou aspectos extrafiscais.

A vinculação direta por Lei de parcela da arrecadação de impostos a fundo, programa ou ação é vedada pela Constituição brasileira, salvo nos casos expressamente autorizados por ela. Mas nada que a destinação da Lei Orçamentária Anual não possa resolver.

Inobstante, caso se mantenha a destinação das referidas receitas ao custeio de despesas correntes do ente público, seria adequada a redução proporcional do IPTU de unidades imobiliárias destinadas à residência dos proprietários, sinalizando, em contraponto, um estímulo ao mercado de construções para a venda futura de unidades residenciais.

Por fim, mas não menos importante, importa assinalar que a tributação majorada dos proprietários de mais de um imóvel é regra que otimiza e efetiva o princípio da capacidade contributiva, assim enunciado na Constituição de 1988:

Artigo 145. (...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O tema oferece muitas perspectivas. Mas medidas tributárias fiscais e extrafiscais parecem importantes para evitar a concorrência desleal no segmento de hospedagens e, também, para o adequado direcionamento do mercado imobiliário para incentivar a construção de residências, e não acumulação de propriedades com fins especulativos ou rentistas. E isso se torna premente na medida em que, tão logo superada a pandemia, a pressão sobre os aluguéis e preços dos imóveis deverá crescer com força.

_________

1 Real Decreto 42/2022, de 18 de Janeiro, que regula o "Bono Alquiler Joven y el Plan Estatal para el acceso a la vivienda 2022-2025".

2 https://www.nytimes.com/2022/01/13/realestate/new-york-city-rental-market.html

3 https://www.theguardian.com/money/2021/nov/16/uk-rents-rising-zoopla#:~:text=Excluding%20London%2C%20rents%20across%20the,the%20third%20quarter%20of%202021.

4 Ley 21.210/2020 (Moderniza la Legislación Tributaria): "Artículo 7° bis. Sobretasa de impuesto territorial. Establécese una sobretasa anual del impuesto territorial a beneficio fiscal calculada sobre el avalúo fiscal total en la parte que exceda de 670 unidades tributarias anuales, sujeta a las siguientes disposiciones." e seguintes disposições.

Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

Procurador do Município do Rio de Janeiro, Assessor Jurídico da ABRASF, Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário da UERJ/CEPED e do PJT/ABDF, Advogado.

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