Paradoxo funcional das cláusulas pétreas
Especificamente no Brasil, a petrificação de normas constitucionais foi iniciada na Constituição de 1891, na qual preestabelecia a intangibilidade da forma federativa brasileira.
quinta-feira, 14 de abril de 2022
Atualizado às 10:40
É fato que a Constituição promulgada de um determinado Estado representa os anseios da sociedade, com especificação dos direitos, deveres e os mecanismos de manutenção da estabilidade normativa. Nesse diapasão, o poder constituinte tem um papel fundamental de interpretação axiológica ao concretizar na Carta Magna contextos sociais, culturais e econômicos, sem perder a segurança jurídica. Por conseguinte, em 1787, foi elaborada na Constituição americana a 1ª cláusula pétrea, com o intuito de impossibilitar a alteração paritária dos Estados membros. Especificamente no Brasil, a petrificação de normas constitucionais foi iniciada na Constituição de 1891, na qual preestabelecia a intangibilidade da forma federativa brasileira. Nessa senda, a grande questão a ser abordada neste texto está pautada na dicotomia entre a proteção da estabilidade constitucional e o possível engessamento de normas, fato que poderia perpetuar injustiças sociais.
Segundo o ministro do STF Luís Roberto Barroso, "A execução tendente a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando o status quo". Nesse prisma, a priori, é importante contextualizar as vantagens inerentes ao preestabelecimento de cláusulas pétreas como: estabilidade social, garantia da identidade constitucional e proteção dos princípios fundamentais. Ademais, a Carta Magna brasileira de 1988 ampliou o rol de cláusulas intangíveis para a forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação de poderes e direitos e garantias fundamentais. Destarte, grande parte dos doutrinadores acredita que os benefícios da imutabilidade transcendem a petrificação de normas constitucionais.
Entretanto, as normas constitucionais estão em constante interação e adaptabilidade às mudanças sociais paradigmáticas de sua sociedade e devem acompanhar, dinamicamente, as necessidades legislativas. Ou seja, para muitos, enclausurar determinado tipo de direito poderia impedir a evolução e aumentar desigualdades sociais. Explicando melhor, a necessidade de estabilidade constitucional poderia instigar a priorização de uma mudança radical com elaboração de um novo texto. De acordo com o jurista Karl Lowenstein "A Constituição é um organismo vivo. Cada Constituição integra tão somente o status quo existente no momento do nascimento, não podendo prever o futuro". Por conseguinte, foi imprescindível a relativização da imutabilidade das cláusulas pétreas, cuja prioridade se manifestava na proteção do núcleo essencial do direito, quando ocorrer restrição. Explicando melhor, quando houver necessidade de arrefecer um direito fundamental por exemplo, deve-se respeitar prioritariamente a dignidade da pessoa humana, núcleo essencial, sem exceções.
Desse modo, percebe-se que a discussão a respeito da imutabilidade das cláusulas pétreas revela o caráter controvertido da evolução da sociedade. Destarte, é cediço que a proteção de normas constitucionais deve encontrar resguardo nos mecanismos explícitos pelo poder Legislativo, todavia deverá haver uma noção de adaptabilidade às evoluções históricas da população, com prioridade na equidade e segurança social. Finalmente, se houver ampliação do rol de cláusulas pétreas, aumenta-se a segurança jurídica, contudo pode-se perder a harmonização com progresso social. Nessa perspectiva, não há modelo perfeito de Constituição, elaborado para determinado país, por isso, a sociedade e o Estado têm poder de adaptá-la, democraticamente, com cooperação intrínseca e efetiva.