Depósito judicial e a não aplicação do art. 166 do CTN na controvérsia sobre o DIFAL
A controvérsia envolvendo a possibilidade de depositar judicialmente o ICMS-DIFAL tem gerado dúvidas e receio de autuação entre os contribuintes que buscam a judicialização da discussão.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
Atualizado em 13 de abril de 2022 14:12
Após decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade do DIFAL ICMS por ausência de lei complementar instituidora (Tema 1.093), contribuintes que haviam ajuizado ações judiciais questionando a validade da cobrança passaram a buscar o ressarcimento do imposto indevidamente pago.
Os fiscos estaduais, que foram vencidos na discussão, passaram a condicionar a restituição dos valores pagos à demonstração de que o contribuinte não havia repassado o encargo financeiro do recolhimento do ICMS-DIFAL a terceiro. A exigência fiscal se fundamenta no artigo 166, do CTN, que estabelece o seguinte:
"A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la".
Ocorre que a aplicação do artigo 166, na maioria das vezes, inviabiliza a possibilidade de restituição, porquanto (i) as operações sujeitas ao DIFAL destinam-se a não contribuinte do imposto e que efetivamente arcaram com o valor do tributo "embutido" no preço do produto e (ii) demandaria a obtenção de "autorizações de recebimento" individuais de cada um dos clientes adquirentes - o que, além de trabalhoso, pode ser vinculado a pedidos de abatimento do valor do produto.
Nesse contexto, e considerando a nova discussão travada no Judiciário sobre o DIFAL ICMS sobre a impossibilidade de sua cobrança no ano de 2022, em razão da observância do princípio da anterioridade tributária, uma solução parece emergir para afastar a aplicação do art. 166 do CTN: o depósito judicial.
O depósito em juízo, além de suspender a exigibilidade do tributo, tem o condão de afastar a incidência do artigo 166, do CTN, pois a sua aplicação está atrelada aos casos de restituição de tributo indevidamente pago. Em outras palavras, para o fim de aplicação do dispositivo, depósito judicial não equivale ao pagamento.
Isso se deve ao fato de que, se depositado judicialmente o valor devido a título de ICMS-DIFAL ao invés de recolhido, não haverá como se falar em valor indevidamente recolhido ao fisco. Com efeito, caso a cobrança do ICMS-DIFAL seja considerada inconstitucional, o montante não pertencerá ao fisco, que não poderá vincular o levantamento do depósito ao cumprimento dos requisitos do art. 166 do CTN.
Esse é o entendimento adotado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu ser inaplicável o art. 166 do CTN nas hipóteses de depósito judicial para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a exemplo do acórdão proferido no julgamento do REsp nº 547.706/DF, relatado pelo Min. LUIZ FUX:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. ART. 166 DO CTN. APLICABILIDADE. ICMS. DESLOCAMENTO DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE. SÚMULA 166/STJ.
1. Depósito preparatório para discussão do crédito tributário. Medida que não se revela contenciosa a ponto de permitir a cognição da questão de fundo.
2. Não se conhece do recurso em cujas razões não houve ataque aos fundamentos da decisão recorrida.
3. Inexistindo pleito de repetição de indébito, afigura-se impertinente a alegação de vulneração ao disposto no art. 166 do Código Tributário Nacional, que respeita a legitimidade para a restituição do indébito em se tratando de tributos que, por sua natureza, comportem repercussão do respectivo encargo financeiro.
4. Questão central atinente ao feito principal sobre ser o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte fato gerador do ICMS. Súmula 166/STJ.
5. Recurso interposto pela Empresa não conhecido. Recurso interposto pelo Distrito Federal conhecido em parte, em nesta parte, desprovido." (g.n.)
No mesmo sentido, confira-se as decisões proferidas no julgamento do REsp nº 1.377.781 e no AgRg nos EAg 1.300.823/DF:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ICMS INCIDENTE SOBRE SERVIÇOS PREPARATÓRIOS AO DE COMUNICAÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA A FAVOR DA RECORRIDA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AOS ARTS. 162, § 2O., 471 E 473 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. ACÓRDÃO A QUO QUE DETERMINOU O LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO ADMINISTRATIVO REALIZADO PELA EMPRESA DE TELEFONIA COM SUPEDÂNEO EM LEI ESTADUAL PARA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (LEI MINEIRA 6.763/75, ART. 212). NEGATIVA DO FISCO ESTADUAL EM DEVOLVER O VALOR DEPOSITADO CALCADA NA NECESSIDADE DE PROVA DO NÃO REPASSE DO TRIBUTO AO CONTRIBUINTE DE FATO. INAPLICABILIDADE DO ART. 166 DO CTN. HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFUNDE COM A DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEPÓSITO VINCULADO AO TEOR DA DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO, QUE, NO CASO, FOI FAVORÁVEL À RECORRIDA. DISCUSSÃO SOBRE A TITULARIDADE DO DINHEIRO DEPOSITADO A SER TRAVADA EM OUTRA SEDE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS CASOS CONFRONTADOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. (...).
3. A tese suscitada pelo Estado de Minas Gerais é de que o dinheiro depositado pela recorrida não lhe pertence, já que há o repasse do tributo recolhido pelo consumidor de direito aos consumidores de fato; assim, o levantamento pretendido acabaria por beneficiar indevidamente quem não sofreu o encargo, importando em enriquecimento ilícito, razão pela qual teria incidência, no caso, o disposto no art. 166 do CTN. 4. O ICMS é destacado nas contas telefônicas e repassado aos tomadores dos serviços de telefonia (contribuintes de fato), que são aqueles que efetivamente suportam o encargo financeiro do tributo. 5. Todavia, é inadmissivel subsumir o caso concreto à norma do art. 166 do CTN, expressamente endereçada à situação de restituição ou repetição do indébito tributário, isto é, quando há pagamento indevido de tributo. 6. Na hipótese, ocorreu o depósito administrativo, fundado em Lei Estadual e autorizado pela Fazenda Estadual como forma de suspensão da cobrança do crédito tributário, enquanto discutia-se judicialmente a legalidade da incidência do tributo. Há uma decisão transitada em julgado afirmando exatamente a ilegalidade dessa cobrança, e a mesma Legislação Estadual, como frisou o acórdão impugnado, impõe a devolução do dinheiro depositado nestes casos. 7. A discussão sobre a titularidade do dinheiro depositado deve ser travada entre contribuintes de direito e de fato, se for o caso, em outra sede, porquanto assentado, definitivamente, ser indevida a cobrança do tributo, não pertencendo o montante, portanto, ao ente Estatal Estadual, que não pode sujeitar a devolução à prova do não repasse, uma vez que essa condicionante não constava da Legislação Estadual e não foi objeto de prévio acerto entre as partes, surgindo como empecilho apenas na hora do levantamento pretendido. 8. A decisão proferida no mandamus, entendendo indevidos os valores relativos ao ICMS sobre a instalação de linhas telefônicas e serviços similares, possui eficácia plena, independente, portanto, de qualquer outra providência, impondo a Fazenda Pública, mormente em razão do teor da Legislação Estadual e do princípio da boa-fé objetiva, devolver o depósito efetuado apenas para a suspensão da cobrança do crédito tributário durante a discussão judicial. 9. A função do depósito é instrumental, de garantia do pagamento do tributo; ele está vinculado, portanto, à decisão que vier a transitar em julgado e, no caso, essa decisão foi favorável ao contribuinte (RESP 547.706/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 22.03.2004). (STJ, Primeira Turma, Resp REsp 1377781 / MG, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 10.12.2013 - g.n.)
"PROCESSUAL CIVIL. DEPÓSITO JUDICIAL. LEVANTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO. 1. Hipótese em que o acórdão embargado aplicou jurisprudência conhecida e pacífica do STJ, no sentido de que depósito judicial realizado por sujeito passivo tributário somente poderá ser por ele levantado se vencedor no mérito da demanda. Em caso de extinção sem julgamento de mérito, o valor é convertido em renda do Fisco, exceto na hipótese de o ente político não ser sujeito ativo da exação. 2. Não há dissídio com os precedentes confrontados. No julgamento dos EREsp 227.835/SP, a Seção apenas reconheceu o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, em caso de depósito integral. Em relação ao REsp 809.786/RS, a Segunda Turma não adentrou o mérito da demanda, por não conhecer do Recurso Especial. 3. Agravo Regimental não provido." (STJ, Primeira Seção, AgRg nos EAg 1300823/DF, Min. Rel. Herman Benjamin, julgado em 10.10.2012 - g.n.)
Diante do exposto, entendemos que o depósito pode ser uma ferramenta de grande importância para os contribuintes que discutem judicialmente a incidência do ICMS-DIFAL durante o ano de 2022, mas que demanda atenção.
José Mauro Motta
Sócio do escritório Alves e De Paula Advogados. Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP.