Organização sindical em tempos de uberização
O marketing das companhias tenta vender a ideia de que o trabalhador é livre, consegue trabalhar quando quiser, sem exigências, sendo detentor do instrumento de trabalho, em geral o veículo com que trabalha.
quinta-feira, 14 de abril de 2022
Atualizado às 09:11
A organização sindical de trabalhadores pressupõe a sua reunião e a tomada de decisões coletivas. Como então imaginar a existência e funcionamento de uma organização sindical representativa de motoristas ou entregadores de aplicativos?
Como sabemos, esses profissionais operam isoladamente, a serviço de um ou vários empreendedores que se utilizam da tecnologia de aplicativos, e que por sua vez atendem uma gama de pessoas ou empresas, que são os consumidores finais dos serviços.
Tais profissionais não possuem respaldo regulamentar de sua atividade. Trabalham segundo a métrica traçada pela empresa ou empresas de aplicativos a que estão vinculados, através de uma espécie de termo de adesão, e que constitui a sua subordinação jurídica.
Não conhecem o seu empregador, nem o seu gerente, e apenas possuem comunicação com uma "central", responsável por seu cadastro e acompanhamento de sua situação, encarregada também de resolver pequenos problemas e de elencar a avaliação aos usuários, da qual depende em última instância a continuidade ou não do contrato.
A central, através de seus sistemas, também decide o número de corridas que passará a cada profissional, o valor da corrida a cada momento, poderá perfilar as regras e alterá-las de acordo com sua conveniência.
Os trabalhadores não têm um sindicato para negociar com a empresa, nem tem um representante de classe para propor ações coletivas, ou seja, estão a "Deus dará".
A verdade é que as novas formas de trabalho não estão sendo alcançadas pela legislação. O setor carece de normatização específica que ampare a saúde e as boas condições de trabalho, confira condições de uma boa alimentação, tempo para descanso e folgas, seguros de vida, de acidentes, e coberturas para danos nos veículos utilizados para o trabalho.
Talvez a solução, no mundo atual, seja a reunião dos trabalhadores através de ferramentas tecnológicas, por exemplo um aplicativo; mas isso exigiria recursos para sua implantação e manutenção, e logicamente que não seria universal, atendendo apenas aos que se cadastrassem.
O marketing das companhias tenta vender a ideia de que o trabalhador é livre, consegue trabalhar quando quiser, sem exigências, sendo detentor do instrumento de trabalho, em geral o veículo com que trabalha. Tratam o profissional como colaborador, nome que caiu no linguajar de empresas em geral, mas que juridicamente não diz nada.
A visão é falsa, pois a manutenção do instrumento de trabalho é muito cara, e sabe-se que caso o trabalhador não mantenha uma rotina de muitas horas diárias, não haverá paga suficiente para o sustento da família. E daí vem o risco aos profissionais e aos usuários. Muitas horas de trabalho em condições árduas e sem descanso geram acidentes. A violência urbana é outro sério risco.
Passou da hora das novas formas de trabalho merecerem atenção do poder público. Não adianta tudo continuar como está por anos, com condições cada vez piores.
Vários casos estão sendo levados à justiça, mas este movimento demorará muitos anos, com decisões contraditórias, e o indicativo é de que caso a expetativa de passivo se agigante, as companhias deixem o mercado, deixem mesmo o país, e é claro que não tem patrimônio visível suficiente para cobrir suas dívidas.
O correto a se fazer é encarar a questão com seriedade e urgência, planejar a regulamentação de uma forma de trabalho mais protegida, com mais direitos e menos riscos, e com a possibilidade de união e fortalecimento dos profissionais.
Não deixemos, como sempre, para correr atrás dos prejuízos, que certamente serão muitos e que tendem a ir muito longe.
Mauro Tavares Cerdeira
Advogado graduado pela PUC - Campinas e economista graduado pela UNICAMP. Sócio do escritório Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.