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Impossibilidade de realização de ANPP antes das vigência da lei 13964/19 e em processos em andamento: um olhar crítico sobre os efeitos colaterais

A grande discussão sobre o tema é: até que momento é possível realizar o referido acordo com o MP? pois, o ANPP é taxativamente visto como instrumento pré-processual.

sábado, 9 de abril de 2022

Atualizado em 8 de abril de 2022 14:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O surgimento do instituto do Acordo de Não Persecução Penal trouxe inúmeros benefícios para a rotina forense criminal, por criar uma nova modalidade de justiça consensuada no processo penal brasileiro. 

O ANPP, sumamente, consiste num acordo realizado entre o órgão responsável pela acusação, o MP, e o investigado que, acompanhado de advogado, voluntariamente assume a obrigação de cumprir determinadas condições plasmadas em lei, sendo estas: a prestação pecuniária, serviços comunitários, indenização à vítima e entrega dos bens auferidos pelo crime, isolada ou cumulativamente negociadas entre as partes.

Em contraprestação, o MP compromete-se a não promover a ação penal, e, quando integralmente cumprido todo o ajuste, requerer a declaração de extinção da punibilidade do agente, sem originar registros em antecedentes ou perda da primariedade, sendo, por fim, o acordo homologado pelo poder Judiciário.

A grande discussão sobre o tema é: até que momento é possível realizar o referido acordo com o MP? pois, o ANPP é taxativamente visto como instrumento pré-processual. E, portanto, atualmente se entende que o recebimento da denúncia obsta a sua celebração.

Em processos que foram originados antes da vigência da lei 13.964/19, atualmente se entende que até o recebimento da exordial acusatória estarão aptos para o instituto.

O que, particularmente, entendo por se tratar de uma análise circunscrita, tendo em vista que limitar a incidência de um instituto tão benéfico, pra todas as searas, quando o próprio nome transmite amplitude de aplicação, é um desaproveitamento de uma importante evolução processual. Isto porque, o acordo é de "não persecução penal", ou seja, a persecução não se exaure com o início do processo, não podendo ser visto apenas como instrumento pré-processual, ela envolve toda a atuação estatal, desde a fase investigatória até o trânsito em julgado. Ou seja, teve início bem antes do recebimento da denuncia. Não se pode abortar sua incidência de forma tão imatura, em plena persecução! Seria pura ignorância aos institutos processuais, bem como às próprias terminologias.

Discute-se também a questão do desrespeito ao primado constitucional, quando se ignora a natureza mista da discutida lei, tendo em vista que apesar de ser instituto processual, reveste-se de conteúdo material, uma vez que impede a imposição da pena ao investigado e assegura a extinção da sua punibilidade, cumpridas as condições assumidas em acordo. E, portanto, predomina o conteúdo normativo do instituto mais benigno ao status libertatis pelo princípio da retroatividade da lei. E a inobservância disto coloca em risco os direitos e garantias fundamentais.

Em seguida, é necessário fazermos uma análise da situação fática antes do surgimento do instituto e todas as mudanças que este causou  ao Judiciário do nosso país. 

Lamentavelmente, boa parte da realidade atual do poder Judiciário não aplica os recursos públicos de forma efetiva, deixando de investir no que de fato convalesceria as dificuldades atuais, e acaba gerando uma prestação ineficaz e insuficiente, causando impunidade e descrédito social, tendo em vista a falta de celeridade processual, o que, muitas das vezes, implica a prescrição sem qualquer intervenção estatal. 

De acordo com dados publicados pelo MP, milhares de acordos de não persecução penal já foram celebrados desde a sua criação, ou seja, milhares de pessoas que cometeram infrações penais com pena mínima inferior a quatro anos, sem violência ou grave ameaça e tendo confessado formal e circunstancialmente, receberam uma resposta do Estado, acarretando confiança solidificada no sistema de justiça criminal brasileiro, tendo em vista que, a lei penal passou a ter uma incidência ágil, concreta e eficaz viabilizada pelos acordos, reconfortando não só a ordem jurídica, como também, as pessoas atingidas pelo delito, a sociedade e o próprio Estado.

E, além disso, a celebração do referido instituto traz vantagens econômicas, diminuindo as despesas e tornando o sistema operacionalmente mais eficiente. Portanto, eventuais tumultos processuais, com elevada carga de trabalho revisional dos autos,  designação de audiências e homologações, elaboração dos documentos necessários e de fundamentação de recusa para a celebração dos ANPPs, a longo prazo, valeria a pena tendo em vista os reflexos da retroatividade. Seria como uma nova era, principalmente de credibilidade, para o sistema criminal brasileiro.

Conclusivamente, não se vê justificativa para o recebimento da denúncia obstar a incidência do referido instituto, tendo em vista as melhorias que este produz, não só para o sistema de justiça criminal, como também para a sociedade, às vítimas e, principalmente, para evitar que processos onde existia uma falha na prestação punitiva do Estado, possam ter suas efetivas consequências. Devendo ser o trânsito em julgado o momento limite para o ANPP, pois aí finda a persecução e inicia-se a fase de execução penal, respeitando o princípio da retroatividade da norma despenalizadora e investindo numa nova realidade de justiça consensuada.

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1 Instituído pela Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, depois consolidado pela Lei 13.964/10 - Pacote Anticrime.

2 Informação disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2020/novembro_dois/Anticrime_Vol_I_WEB.pdf acesso em 27 de março de 2022.

3 Informação disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/apresentacoes/apresentacao-sobre-acordos-de-nao-persecucao-penal-anpp-e-30-012020_.pdf acesso em 27 de março de 2022.

Míriam Priscila de Moraes Melo

Míriam Priscila de Moraes Melo

OAB/PE nº 48.392 Advogada Criminalista, pós-graduada em Direito Público, membro da Comissão de Direito Penal e da CEANA da OAB/PE

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