A recente jurisprudência da consolidação processual na recuperação judicial
A organização societária das empresas assume inquestionável relevância para que, em um momento de crise empresarial, as sociedades possam recorrer a um único processo de RJ.
quinta-feira, 7 de abril de 2022
Atualizado em 8 de abril de 2022 08:41
A recuperação judicial ("RJ"), disciplinada pela lei 11.101/05 ("lei de Falência e Recuperação Judicial - LFR"), rege-se, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil (CPC) (art. 189, LFR).
Até a entrada em vigor da lei 14.112/20, que introduziu alterações à LFR ("Reforma"), inexistia tratamento específico, na LFR, para as RJs ajuizadas por mais de uma devedora. Tais pedidos eram amparados pelos incisos II e III do art. 113 do CPC.
No direito das empresas em crise, o litisconsórcio ativo em processos de RJ é conhecido como consolidação processual, em contraposição à consolidação substancial, que trata dos possíveis efeitos materiais decorrentes do processamento conjunto da RJ.1
Como regra geral, as sociedades litisconsortes devem ser tratadas como veículos independentes, respeitando-se a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial de cada uma.
Isso significa que, quando não houver também a consolidação substancial, determinadas sociedades litisconsortes poderão ter o seu plano aprovado e a recuperação judicial concedida, enquanto outras poderão ter a falência decretada.
Até a Reforma, o deferimento do processamento da RJ em litisconsórcio ativo era, muitas vezes, fundamentado em conceitos não típicos do direito societário e em liames extremamente amplos, tais como a existência de sócios em comum, mesma administração e até identidade de endereços das sociedades litisconsortes.2
Com a Reforma, o legislador positivou a consolidação processual (art. 69-G, LFR) e passou a admiti-la para empresas integrantes de "grupo sob controle societário comum".
O dispositivo parece ter sido editado para restringir a aplicação do instituto aos casos em que as sociedades litisconsortes integram grupo societário de fato, caracterizado pela existência de poder de controle e influência entre as sociedades que o integram.3
Embora ainda seja cedo para afirmar se a jurisprudência seguirá a literalidade das novas regras, recentes julgados do TJSP4 indicam que sim.
Isso porque as recentes decisões a respeito da possibilidade de consolidação processual tiveram como elemento central a existência (ou não) do liame societário entre as empresas litisconsortes.
Segundo o Des. Maurício Pessoa, o processamento da RJ em consolidação processual exige "que fique claro o controle societário comum de todas os que pretendem o pedido de recuperação judicial em consolidação processual".
De igual modo, o Des. Sergio Shimura destaca que a mera alegação de que as empresas litisconsortes "formam um grupo econômico de fato (...) não é suficiente para o deferimento do processamento da recuperação judicial".
A prevalecer tal entendimento, a organização societária das empresas assume inquestionável relevância para que, em um momento de crise empresarial, as sociedades possam recorrer a um único processo de RJ.
1 Inicialmente desenvolvida pela jurisprudência estadunidense, a consolidação substancial consiste no agrupamento total ou parcial dos ativos e passivos de todas as empresas que figuram como litisconsortes no pedido de RJ. Nos casos de consolidação substancial, todas as sociedades litisconsortes responderão pelo endividamento e pela reorganização do grupo como um todo.
2 CEREZETTI, Sheila Christina Neder; SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. "A silenciosa 'consolidação' da consolidação substancial". In: Revista do Advogado, São Paulo, v. 36, n. 131, p. 216-223, 2016.
3 PRADO, Viviane Muller. "Noção de grupo de empresas para o direito societário e para o direito concorrencial". In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 1, p. 140-156, 1998.
4 TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2062604-31.2021.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Des. Maurício Pessoa, j. 19.8.21; Agravo de Instrumento nº 2055901-84.2021.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Des. Sergio Shimura, j. 19.7.21
Luciana Celidonio
Sócia das áreas de Reestruturação e Insolvência e Solução de Conflitos do BMA Advogados. Ela possui mais de 20 anos de experiência lidando com controvérsias complexas (arbitragem e contencioso), envolvendo falência e contencioso bancário, societário e comercial.
Natalia Yazbek
Advogada sênior e líder de equipe de Reestruturação e Insolvência no BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.