Pagamento de tributo com criptomoeda
Não obstante a indefinição concernente à sua natureza jurídica, as criptomoedas tornaram-se uma realidade no mercado financeiro.
quarta-feira, 6 de abril de 2022
Atualizado às 13:27
Segundo dados do Ministério da Fazenda, as operações envolvendo criptomoedas movimentaram bilhões de reais nos últimos anos, fazendo com que a Receita Federal criasse instruções normativas com o fito obter as informações de compra e venda e, consequentemente, aplicar a incidência do imposto.
Considerando o valor pecuniário das criptomoedas, o que se dá principalmente em razão da importância e utilidade que essas moedas virtuais possuem para seus usuários, alguns entes públicos, como prefeituras e estados, iniciaram o estudo de viabilidade com relação ao recebimento/pagamento de seus respectivos tributos com a utilização de criptomoedas.
Logo de início, a questão em tela enfrenta questionamentos com relação ao sistema tributário, pois o art. 3º do Código Tributário Nacional determina que tributo seja prestação pecuniária em moeda corrente, ou legal, sendo que em seus incisos I e II não prevê a possibilidade do pagamento de tributo com criptomoeda.
No entanto, o CTN, em seu art. 156, prevê as hipóteses de extinção do crédito tributário por intermédio de: I. pagamento; II. compensação; III. transação; IV. remissão; V. prescrição e decadência; VI. conversão de depósito em renda; VII. pagamento antecipado do lançamento nos termos do art. 150 e seus parágrafos 1º e 4º; VIII. consignação em pagamento; IX. dação em pagamento de bens imóveis.
Embora o CTN seja taxativo no sentido de somente aceitar a dação em pagamento para a hipótese de bens imóveis, a jurisprudência do STF tem dado passos firmes no sentido de aceitar a dação em pagamento para bens móveis.
Ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.405, medida cautelar, em que foi apreciada a lei estadual 11.475/2000, editada pelo Estado do Rio Grande do Sul, que prevê a dação em pagamento de bens móveis para extinção do crédito tributário, o STF manifestou entendimento no sentido de permitir que o estado membro estabeleça regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários.
A linha de raciocínio principal do Supremo foi na direção de que se o estado tem competência para conceder benefícios fiscais quanto aos seus créditos tributários, não haveria razão lógica, nem muito menos jurídica, para não se permitir que ele crie regras de seu interesse para o recebimento de créditos tributários.
No caso em tela, convém transcrever a lição do saudoso ministro Moreira Alves, citado pelo ministro Alexandre de Moraes em seu voto: "Se o Estado pode mais, até mesmo anistiar, e, portanto, abrir mão de seu crédito, ele pode menos, admitir uma forma de pagamento, que, no caso, sequer compele a Fazenda a recebe-lo, porque exige aceitação por parte do orçamento".
No tocante à hipótese das criptomoedas, como já dito, não obstante a indefinição concernente à sua natureza jurídica, é imperioso registrar que dúvidas não pairam no sentido de que a criptomoeda é um bem móvel, motivo pelo qual não vemos qualquer empecilho para a operação de recebimento de débito tributário, desde que a União, Estado ou Município, crie lei específica.
Mais uma vez, deve ser utilizada a teoria dos poderes implícitos, ou seja, "quem pode mais, pode menos", deixando claro, portanto, que os Estados e Municípios, dentro do seu âmbito de atuação legislativa concorrente, podem regulamentar e estabelecer formas de extinção de seus créditos tributários.
Por outro lado, é indiscutível o risco decorrente da volatilidade e falta de segurança do campo estreito das criptomoedas, razão pela qual não é recomendável que o administrador estadual ou municipal continue com a carteira de criptoativos após o pagamento do débito tributário.
A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, em excelente trabalho desenvolvido pela CRIPTO RIO, manifestou-se da seguinte forma para evitar os riscos:
"O projeto de pagamento do IPTU com criptoativos, elaborado pela prefeitura do Rio de Janeiro, não incorre em impedimentos jurídicos ou tecnológicos, pois as operações serão realizadas por empresas especializadas na "conversão" de criptoativos para reais. Portanto, a Prefeitura receberia o imposto em moeda corrente, evitando problemas jurídicos de arrecadação de tributos.
Dessa forma, a proposta de pagamento do IPTU com criptomoedas fornece diversos benefícios para a cidade, pois insere o Rio de Janeiro na fronteira da tecnologia e das discussões globais e representa uma adicional de pagamento para o contribuinte, o que naturalmente implica em ganhos ao proprietário do imóvel".
A realidade é que, diante os princípios de direito administrativo e das próprias características da responsabilidade do administrador estadual ou municipal, a prudência nos leva na direção de que as criptomoedas devem ser convertidas e moeda local no prazo mais exíguo possível, de modo que não se caracterize um investimento de alto risco.
Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão, não encontramos óbice por intermédio de criptomoedas, competindo, apenas, ao estado ou município, criar lei específica com a regulamentação para tal fim.
Márcio Vinícius Costa Pereira
Advogado com 30 anos de experiência. Procurador da ANP durante a gestão de David Zilberstein. Advogado Sênior do Escritório Tozzinifreire durante 7 anos. Sócio do Escritório Villemor Amaral por 11 anos. Durante os últimos 20 anos, foi responsável pela conta de grandes clientes, com destaque no setor aéreo, consumidor e energia. Atualmente, é sócio do escritório PFA - Pereira França Arantes Advogados.