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Ficha limpa

Vamos a LC 135/10, chamada Lei da Ficha Limpa, no afastamento dos corruptos, nos crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, lavagem ou ocultação de bens, e abuso do poder econômico.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Atualizado às 08:07

(Imagem: Arte Migalhas)

A música exprime conteúdo social e político, nas mais diversas ocasiões, como vemos no cancioneiro brasileiro, assim - Apesar de você (Chico), um protesto aos militares; Para não dizer que não falei das flores (Vandré), O bêbado e o equilibrista (Aldir Blanc), a crítica urbana, então, falta d'água no Rio de Janeiro (de dia falta água, de noite falta luz), lata d'água na cabeça, crítica social.

Certamente essa exteriorização veio ao mundo do direito, e por certo, a polícia está envolvida.

O primeiro samba, assim reconhecido pela crítica musical, foi Pelo Telefone (1916), certo deboche a atuação policial contra o jogo no Rio de Janeiro. Em 1913 a polícia fazia intensa campanha contra a jogatina. Um jornal (A Noite) instalou em frente a sua sede (Largo do Carioca) uma roleta. O Chefe da Polícia mandou destruir essa roleta. Mais tarde, outro Chefe (Aurelino Leal) foi mais duro, comunicou, por telefone, a todos os delegados, a proibição da jogatina, então surgiu em 1916 o samba - Pelo Telefone - "O Chefe da Polícia pelo telefone mandou-me avisar que na Carioca tem uma roleta para se jogar." (Almirante - No Tempo de Noel Rosa, 3ª ed., pg. 43;  Lira Neto - História do Samba, vol. I). Hoje esse samba tem adaptação com letra e interpretação de Gilberto Gil. Pela internet, que termina - Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular. Que lá na Praça Onze tem um videopoquer para se jogar.

O máximo dessa exposição do quotidiano ocorreu com Noel Rosa (1910/1937), com seus 26 anos de vida, compôs 250 músicas, com a inauguração do samba urbano, reflexo de condutas, visões sociais, comportamentos da sociedade.

Noel Rosa preparou-se para a Medicina, e cursava dois anos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, logo foi atraído pela boemia e pela música, a boa malandragem do velho Rio de Janeiro - samba, cerveja e mulher. Noel afastou-se dos pacientes, e proclamara - Como médico, eu jamais serei um Miguel Couto. Mas quem sabe, poderei ser o Miguel Couto do samba? Assim ocorreu, inaugurou a música popular brasileira em alto estilo, até hoje com o clássico Feitiço da Vila (1934) - "Quem acha vive se perdendo ..." (Nelson Motta - 101 Canções que tocaram o Brasil, pg. 17); Palpite Infeliz ("Quem é você que não sabe o que diz ...); Com que roupa ("Com que roupa eu vou ...") esta, hoje cantada por Gilberto Gil; Conversa de botequim (1935) ("Seu garçom faça um favor"), esta analisada pelo antropólogo Roberto da Matta - a falsa cortesia brasileira, é a mais tocada no Spotify e Youtube; O orvalho vem caindo (reflete a boemia).

E por paixão, amor - Último desejo ("Nosso amor que eu não esqueço ..." hoje na voz de Maria Bethania). Em Fita Amarela ("Quando eu morrer não quero choro nem vela ..."). Tudo isso, voltou nas vozes de Beth Carvalho, Ivan Lins e Martinho da Vila.

De sobra, Noel Rosa aparece como exaltação de Chico Buarque em Rita ("levou um bom disco de Noel) ou Paratodos ("Noel). (João Máximo e Carlos Didier - Noel Rosa uma biografia, 1990).

Quando aluno do Colégio Pedro II, na Avenida Marechal Floriano, meu professor de Canto era Homero Dornelas. Certo dia alguém lembrou que Dornelas tinha o nome musical de Candoca da Anunciação, e autor do famoso samba - Na Pavuna. Tomei coragem, porque Dornelas era muito simpático e gentil com os alunos, e perguntei se confirmava o pseudônimo e a autoria. Ele resvalou e levou a conversa para Noel Rosa, em outras palavras, ele era insignificante, importante era Noel, e esse assunto rendeu o ano letivo todo, daí a paixão deste subscritor pela obra de Noel Rosa.

No meio dessa vasta obra musical, destacado em 1933 - Onde está a honestidade? Era uma crítica, aqueles (aquelas) deslumbrantes na riqueza, especialmente do dinheiro público, dos políticos, tudo subliminar. Mais tarde, Beth Carvalho foi a restauradora de Onde está a honestidade? E Paula Toller (2019), apenas substituiu automóvel por Mercedes e Ferrari. Em 2011 a prova do Enem trouxe o tema, após 78 anos da sua aparição, e dizia essa prova - texto atualizável, na medida em que, utilizando-se de ironia, refere-se ao enriquecimento de origem duvidosa de algumas pessoas.

Com isso, qual a mensagem jurídica dessa música (87 anos depois - 2020)? Vamos a lei complementar 135/10, chamada Lei da Ficha Limpa, no afastamento dos corruptos, nos crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, lavagem ou ocultação de bens, e abuso do poder econômico.

Enfim, olhem as entrelinhas, o subliminar, e vejam os presentes personagens (carne e osso):

"Você tem palacete reluzente

Tem joias e criados à vontade

Sem ter nenhuma herança nem parente

Só anda de automóvel na cidade

E o povo já pergunta com maldade

Onde está a honestidade?

Onde está a honestidade?

O seu dinheiro nasce de repente

E embora não se sabe se é verdade

Você acha nas ruas diariamente

Anéis, dinheiro e até a felicidade

Onde está a honestidade?"

Procura-se por ela, até hoje.

Roberto Rosas

VIP Roberto Rosas

Sócio advogado do escritório Rosas Advogados.

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