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Caso Daniel Silveira e o cabimento de medidas cautelares cíveis

Apesar de todo o imbróglio noticiado pela mídia até então, o qual subjuga-se de fatores mais ideológicos do que práticos, pode-se notar três inconvenientes principais na situação ilustrada, analisados por vieses estritamente técnicos.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Atualizado em 4 de abril de 2022 13:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

As medidas cautelares colocadas à disposição do Estado são um importante instrumento para fazer valer o poder punitivo estatal sem que seja necessário, num primeiro momento, a decretação da medida mais gravosa ao indivíduo submetido aos flagelos do processo penal.

Nesta linha, de acordo com o CPP - Código de Processo Penal - as medidas cautelares serão aplicadas sempre que houver o preenchimento dos requisitos e fundamentos que autorizariam a determinação da prisão preventiva, mas, pelas circunstâncias fáticas, é possível, e até recomendável, a substituição da segregação por medidas alternativas, menos invasivas.

E disto se extrai o requisito essencial para cabimento das medidas cautelares alternativas à prisão: elas só cabem quando for possível a prisão preventiva, hipótese em que, sendo desautorizada a custódia cautelar, também o é a imposição de qualquer medida cautelar.

Além disto, as cautelares alternativas devem ser, por força do disposto no art.282/CPP, adequadas à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, de forma que se deve observar, sempre, a utilidade que determinada cautelar terá no caso analisado.

Por exemplo, um agente acusado de se envolver em brigas em boates e demais ambientes festivos pode ser proibido de frequentar tais lugares, com a finalidade de evitar a reiteração dos delitos em apreço e a decretação de prisão preventiva.

Neste contexto, destacam-se os recentes acontecimentos relacionados ao deputado Federal Daniel Silveira que, após determinação do STF para instalação de tornozeleira eletrônica, teria passado a noite na Câmara dos Deputados para furtar-se da efetivação da medida cautelar de monitoramento, a qual pretendia restringir a sua liberdade ao âmbito de seu município de residência, Petrópolis/RJ, e às instalações da Câmara dos Deputados.

Todavia, no mesmo contexto apresentado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a imposição de multas diárias e bloqueio de bens do deputado Daniel Silveira em virtude do descumprimento das medidas cautelares determinadas.

Desta forma, apesar de todo o imbróglio noticiado pela mídia até então, o qual subjuga-se de fatores mais ideológicos do que práticos, pode-se notar três inconvenientes principais na situação ilustrada, analisados por vieses estritamente técnicos.

De início, é importante que se pontue que a aplicação de qualquer medida cautelar substitutiva da prisão no caso em tela é de difícil efetividade, tendo em vista que, apesar de objetivar a não decretação de prisão preventiva, a qual seria muito mais gravosa, encontra alguns entraves relacionados ao exercício do mandato parlamentar, o qual exige uma certa flexibilidade geográfica.

Isto é, o exercício do mandato de deputado exige que este compareça a diversos compromissos em diferentes locais, os quais nem sempre limitar-se-ão à arquitetura da Câmara dos Deputados e, tão menos, ao seu distrito eleitoral.

Inclusive, importante pontuar que, levando-se em conta o período eleitoral, as atividades intensificam-se, sendo necessário que se lembre que o mal, ou limitado, exercício do mandato parlamentar prejudica à parcela de cidadãos representados pelo indivíduo diplomado, e não apenas e diretamente o congressista.

De outro lado, causa estranheza a determinação de multas para forçar a cumprimento de medida de monitoramento eletrônico pois, conforme dispõe o art.282, §4º do Código de Processo Penal, em caso de descumprimento de medidas cautelares, o juiz poderá substitui-las, impor outra em cumulação ou, em último caso, determinar a prisão preventiva.

É bem verdade, contudo, que a imposição de multa diária foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes com fundamento em dispositivos do Código de Processo Civil, o qual aplica-se de forma subsidiária às disposições processuais penais, quando não houver providências específicas neste sentido, o que não ocorre no caso em apreço, tendo em vista que toda a disciplina atinente às medidas cautelares penais está disposta na lei processual penal.

Seguindo nesta lógica, e ainda que se admita o cabimento de arranjos processuais cíveis em matéria criminal satisfatoriamente regulamentada, continua causando estranheza, ao passo que foi determinado, em cumulação com as multas diárias descontadas diretamente dos vencimentos do parlamentar, o bloqueio de bens para garantir o adimplemento de tais imposições pecuniárias.

Em outras palavras, determinar o bloqueio de bens com a finalidade de assegurar o pagamento de multas, que já seriam descontadas diretamente dos vencimentos do investigado, é, no mínimo, uso indevido de providências cautelares invasivas para forçar o cumprimento de medidas que ainda não foram descumpridas, e nem teriam como ser.

Em conclusão, é importante que se pontue que normalmente os acusados ou investigados que tentam furtar-se à instalação de tornozeleira de monitoramento eletrônico tem a prisão preventiva decretada, por consequência lógica das disposições regulamentares do art.282/CPP, fator este que causa ainda mais estranheza, ao passo que cria um perigoso precedente na Corte Suprema.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: [email protected]

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