Três passos fundamentais para o trabalho do Watchdog
De um lado a estrutura enxuta de instituições financeiras, gestores, fundos de pensão e outros credores ou investidores, impossibilitava um acompanhamento constante e regular da devedora ou investida.
quinta-feira, 31 de março de 2022
Atualizado às 14:57
Quando iniciei a atividade de monitoramento financeiro, popularmente conhecida como watchdog, não imaginava que se tornaria o meu principal e, atualmente, único negócio. Afinal, era o primeiro caso de utilização de um watchdog que eu tinha conhecimento no Brasil. Porém, estava claro para mim quais eram as premissas para garantir a efetividade do trabalho.
De um lado a estrutura enxuta de instituições financeiras, gestores, fundos de pensão e outros credores ou investidores, impossibilitava um acompanhamento constante e regular da devedora ou investida. Quando os problemas surgiam, o tempo era muito exíguo para se desenhar uma solução, ou até mesmo administrar uma inadimplência já constatada do Devedor.
Mais de dez anos depois, e com a experiência de ter conduzido diversos monitoramentos, é possível dizer que existem três pilares que pautam a atuação da CCC desde o primeiro monitoramento.
Conheça o negócio
Primeiro, independentemente do que se deseja monitorar, é necessário entender a fundo o modelo de negócio e a lógica operacional do devedor ou investida. O trabalho do watchdog começa com uma imersão nas operações do monitorado, o que batizei de "Due Dilligence Negocial". Sem os rigores de um due diligence tradicional, é nesta fase inicial que se busca conhecer o monitorado e sua lógica de controle e funcionamento. Isso é fundamental, pois os monitoramentos são realizados por períodos, geralmente, superior a dois anos. Em suma, ou se entende a lógica operacional e do fluxo financeiro desde o início, ou o watchdog não conseguirá detectar e antecipar movimentos ou eventos adversos futuros dos monitorados.
Acompanhe detalhadamente o caixa
Acompanhar cada movimentação de caixa é mandatório. O monitoramento precisa conseguir atingir 100% das transações de caixa da monitorada: transação a transação, conta corrente a conta corrente, agência a agência, banco a banco. Somente assim é possível acompanhar o cumprimento de todas as condições pré-acordadas entre credores e monitorados ou recuperandas, sejam elas caixa ou não caixa, contábeis ou não. Enfatizando esses procedimentos, posteriormente investigações criminais trouxeram à tona o termo "Follow the Money".
Tecnologia, tecnologia e tecnologia
Como monitorar transação a transação e produzir, com o menor intervalo de tempo possível, relatórios de monitoramento objetivos e concisos e que também possam ser suficientemente detalhados quando necessário? Um de nossos monitoramentos envolvia um grupo com mais de 800 empresas, com uma média de três contas correntes em cada uma, aproximadamente 2.400 contas correntes, e uma média de cerca de 30.000 transações por mês.
Existem casos complexos assim? Sim, no nosso caso teve nome e sobrenome: a recuperação judicial da PDG Realty em 2017. O foco excessivo em automatização de rotinas e processos, e o desenvolvimento de ferramentas próprias específicas para a atividade de monitoramento foi o que viabilizou e capacitou a CCC a implementar monitoramentos com essa complexidade.
Ao combinar os três pontos acima, o watchdog pode atuar de maneira eficiente para os credores ou investidores, alertando desde desvios de recursos pela devedora, até casos nos quais, por engano ou erro operacional, a instituição financeira amortize uma dívida indevida fazendo com que esses recursos deixem de compor o caixa da monitorada. Ou seja, não cabe ao agente de monitoramento defender a interpretação de um ou de outro lado. Cabe a ele acompanhar e reportar o cumprimento ou descumprimento das condições pactuadas entre credores e devedores por ocasião de uma restruturação financeira, seja ela uma recuperação judicial ou não.
Dada essa realidade, fica evidente a necessidade de que o watchdog seja independente, que não pertença ao mesmo grupo dos assessores financeiros que negociaram a restruturação junto aos credores. Em suma, quem negocia não monitora e quem monitora não negociou a restruturação. Independência e ausência de conflitos ou potenciais conflitos de interesses é fundamental para o exercício da função de watchdog.
Quanto a eventual e inexistente sobreposição de funções entre o administrador judicial e o watchdog, isso fica para um próximo artigo.