Julgamento da revisão da vida toda: O pedido de destaque pode ser feito a qualquer tempo?
Após votação de todos os ministros, Nunes Marques pede destaque, reiniciando o julgamento e arrastando a conclusão do julgado.
quinta-feira, 24 de março de 2022
Atualizado às 14:14
A resolução 642/19, que dispõe sobre o julgamento de processos em sessões virtuais e presenciais do STF, prevê em seu artigo 4°, a possibilidade do pedido de destaque pelos próprios ministros e pelas partes, quando o julgamento for iniciado em plenário virtual.
A consequência processual do pedido de destaque é o reinício do julgamento em plenário físico, com nova votação de cada um dos ministros presentes na Corte.
No caso da revisão da vida toda, de relatoria do ministro Marco Aurélio, após o pedido de destaque do ministro Nunes Marques, além do reinício da votação, perde-se o voto favorável do Marco Aurélio, pois aposentado em julho de 2021.
Em seu lugar irá votar o ministro André Mendonça, ex-AGU, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro.
No que se refere ao pedido de destaque, deve-se observar que esta ferramenta constitui medida processual e por essa razão deve possuir momento próprio para a sua realização, qualquer que seja o sujeito do processo que venha a invocá-la
O pedido formulado pelo ministro Nunes Marques, após ter sido proferido o seu próprio voto e após todos os ministros do STF terem votado, fere o instituto da preclusão e os princípios basilares da atividade jurisdicional, notadamente, da imparcialidade do juízo.
Para as partes do processo há previsão expressa de prazo para requerimento do destaque, qual seja, 48 horas antes do início da sessão. Por óbvio, as partes precisam requerer antes de iniciado o julgamento para que não se favoreçam indevidamente do pedido, ao antecipar os votos de cada julgador.
Ao proferir o seu voto, o ministro Nunes Marques abriu divergência ao relator, sendo que, em tal oportunidade, não manifestou qualquer interesse em formular pedido de destaque. Após votação de todos os ministros, Nunes Marques formula o requerimento, sendo evidente a consumação da preclusão lógica do pedido.
Isso porque, no momento em que fora requerido, todos os ministros do STF já haviam proferido os seus votos, sendo possível, portanto, antever o resultado do julgamento.
Permitir o pedido de destaque quando todos os ministros, inclusive o solicitante, já havia proferido o voto, permite a manipulação do julgamento, maculando fortemente o princípio da imparcialidade do juízo, visto que, claramente, ao permitir o pedido de destaque em tal momento da sessão, possibilita-se ao julgador mecanismo capaz de conduzir o resultado no sentido que reputa correto.
Saliente-se, desde já, que o intuito do pedido de destaque formulado pelo ministro Nunes Marques, não foi alterar o próprio voto, pois, se pretendia rever o seu julgamento, poderia ter alterado enquanto durou a sessão virtual, entretanto, é evidente a sua intenção de modificar o julgamento da Corte, de modo a favorecer a vitória do seu voto divergente, valendo-se da mudança na composição do STF, após a saída do ministro Marco Aurélio, relator da ação.
Ademais, além da preclusão lógica do pedido de destaque no termo final do julgamento virtual, assim como, da ofensa à imparcialidade, há verdadeiro agravo ao princípio da segurança jurídica.
Tal princípio traduz a estabilidade das relações jurídicas, garantindo a previsibilidade e coerência na aplicação das leis e das decisões. Reiniciar um julgamento após colhidos todos os votos dos ministros da Corte, causa na população em geral insegurança quanto a aplicabilidade das decisões do STF e descrédito das Instituições do Poder Judiciário.
O pedido de destaque é instrumento que merece acurada atenção da Corte Suprema, uma vez que, flagrantemente, tem sido utilizado a serviço do governo, como ferramenta política, o que não pode ser tolerado pelo STF e, menos ainda, pela sociedade.