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Reflexões sobre o voto plural

Caberá ao tempo demonstrar se a mudança legislativa trará bons frutos, aptos a compensar a aparente injustiça da superação da tradicional e simples ideia de um voto por ação.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Atualizado em 18 de março de 2022 08:37

(Imagem: Arte Migalhas)

A recente inovação legislativa havida com a lei 14.195/21, revogou dispositivo da lei das S/A (parágrafo 2º do art. 110 da lei 6.404) que expressamente proibia a instituição do chamado voto plural. Com isso, a lei das S/A passou a admitir expressamente (art. 110-A) a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural, desde que não superior a dez votos por ação ordinária.

Dentre outras justificativas, a mudança legislativa teve por fundamento melhorar o ambiente de negócios no Brasil, bem como impactar positivamente a posição do país na classificação geral do relatório Doing Business do Banco Mundial.

A finalidade do voto plural, ao permitir que uma ação tenha seu poder de influência (voto) multiplicado por até dez vezes, é fazer com que não haja desinteresse do controlador em aumentar o capital social da companhia. Com isso, pode o controlador ter sua participação no capital social diluída com o ingresso de novos acionistas, mas sem perder, ainda assim, capacidade de controle (ao menos enquanto perdurar o seu direito ao voto plural).

Há duas hipóteses de atribuição de voto plural para as sociedades anônimas: (i) nas companhias fechadas e (ii) nas companhias abertas, sendo que nestes casos, desde que a criação da classe ocorra previamente à negociação de quaisquer ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de sua emissão em mercados organizados de valores mobiliários.

Ou seja, do texto legal não decorre nenhum impedimento à adoção do voto plural desde já em companhias fechadas que assim desejarem; todavia, para as companhias abertas, a regra é mais restritiva, em nítida intenção de resguardar interesses de minoritárias de companhias abertas. Após a abertura de capital, somente é admitida a redução (ou extinção) dos direitos atinentes ao voto plural, mas não a sua adoção.

Para a criação de classe de ações com atribuição do voto plural deve haver voto favorável de acionistas que representem (i) pelo menos a metade do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto e (ii) pelo menos metade das ações preferenciais (ressalvada a possibilidade de o estatuto social exigir quórum maior).

Perceba-se que um acionista que seja titular de apenas 10% das ações ordinárias poderia exercer controle absoluto, considerando que suas ações tenham direito ao voto plural no limite legal (10x) e que os outros 90% de ações ordinárias não o tenham. Todavia, primando pela boa governança, a inovação legal tratou de estipular que não será adotado o voto plural nas votações pela assembleia de acionistas que deliberarem sobre: (i) a remuneração dos administradores e (ii) a celebração de transações com partes relacionadas.

A nosso ver, a adoção do voto plural pode, de fato, contribuir para o aumento do interesse pela abertura de capital, haja vista a possibilidade de manutenção de controle a despeito da inevitável diluição.

Trata-se, ademais, de uma forma mais transparente de concessão de maior direito ao controlador, sendo muito mais adequada do que a utilização de units, instrumento pelo qual os minoritários ficam amarrados a duas classes distintas de ações (geralmente algumas preferenciais e uma única ordinária), como forma de manter sob titularidade do controlador apenas ações ordinárias e a liquidez do free float sob a forma de units.

Caberá ao tempo demonstrar se a mudança legislativa trará bons frutos, aptos a compensar a aparente injustiça da superação da tradicional e simples ideia de um voto por ação.

Matheus Teixeira da Silva

Matheus Teixeira da Silva

Advogado, Mestre em Filosofia, Mestre e Doutorando em Direito (Universidade Autônoma de Lisboa), Especialista em Direito do Estado, Processo Civl e Direito Empresarial. www.matheusteixeira.com

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