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Assimetria regulatória no mercado financeiro - Novas regras do banco central equalizam as diferenças regulatórias entre bancos e fintechs que atuam como instituições de pagamento

Ainda é necessário evitar que o consumidor pratique a "arbitragem de serviços", valendo-se de serviços de pagamento artificialmente subsidiados por meio da "sub-regulação", de modo a se enfraquecer perigosamente as IFs que dedicam esforços e recursos para atender as regras prudenciais.

terça-feira, 15 de março de 2022

Atualizado às 10:53

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

Publicamos, no dia 10/03/22, neste Portal Migalhas, texto em que discutimos as possibilidades de equalização da assimetria regulatória entre bancos, fintechs e big techs, quando essas diferenças afetam os objetivos primários da regulação financeir1. Tendo, naquela oportunidade, nos referido aos racionais da assimetria regulatória e, segundo nossa opinião, sobre como a regulação poderia alcançar um campo justo para a competição, terminamos por propor algumas soluções objetivando como lidar da a assimetria regulatória no Brasil.

Como foi referido no primeiro texto, havíamos apontado que as mencionadas diferenças regulatórias geram ora vantagens competitivas para bancos, ora vantagens competitivas para fintechs, considerando que exigências regulatórias geram custos de conformidade (custos legais e custos regulatórios), e, portanto, ônus financeiro em regra significativos para quem as suporta.

Havíamos citado, com apoio em texto publicado por Fernando Restoy2, que potenciais causas de assimetria regulatória são normalmente de duas espécies: obrigações assimétricas para diferentes entidades quando a regulação por atividade deveria ser aplicada para bem atender aos objetivos primários da regulação; ausência de exigências próprias da Regulação por Entidade para instituições não-bancárias quando essa espécie de regulação seria necessária para alcançar os objetivos primários da regulação. Como exemplo do primeiro caso, citamos a hipótese de deficiência de regras prudenciais adequadas para meios de pagamento em geral. Como exemplo do segundo caso, a hipótese de ausência de regras adequadas de capital regulatório para grandes Fintechs que competem com os bancos incumbentes do varejo.

Naquela linha de considerações, havíamos apontado, como exemplos, diferenças regulatórias que desfavorecem os Bancos incumbentes, comparativamente com as Fintechs, dentre elas:

  • extensas e pesadas regras prudenciais aplicáveis a bancos, com vistas a controlar risco sistêmico, riscos operacionais e riscos cibernéticos;
  • onerosas regras de capital regulatório, estipulando Patrimônio de Referência e elevados índices financeiros para Bancos.

Por fim, havíamos sustentado que o equilíbrio regulatório poderia ser alcançado, ao lidar com a assimetria regulatória, com soluções desta natureza, para os dois pontos supracitados:

  • com vistas a controlar risco sistêmico, estender a regulação financeira e prudencial, assim como as exigências de capital regulatório, segundo o conceito de Regulação por Entidade, para todas as instituições, inclusive Big Techs, que apresentem relevância sistêmica para o mercado financeiro, inclusive no caso de conglomerados dos quais façam parte instituições financeiras sob controle ou influência significativa de instituições não-financeiras.

Eis que, no dia seguinte à publicação do nosso texto, em 11/03/22, o banco central publicou as resoluções 197, 198, 199, 200, 201 e 202, com novas regras que têm o propósito de reduzir a assimetria regulatória entre Bancos e Fintechs estruturadas como IPs - Instituições de Pagamento, sendo que essas novas regram lidam precisamente com as duas diferenças regulatórias supracitadas (risco sistêmico e capital regulatório mínimo). Todas elas entrarão em vigor em 1º/1/23 e preveem regras de transição para os atuais participantes do mercado e para os futuros entrantes.

Dessa maneira, vejamos como o banco central cuidou dessa questão, verificando se algumas das nossas proposições eventualmente reveladas proféticas foram objeto da regulamentação em vista, a par das proposições de que eventualmente não havíamos cogitado. A ênfase da nossa análise estará na verificação do tratamento da assimetria regulatória que lida com os objetivos primários da regulação (preservação da estabilidade financeira das instituições, preservação da integridade do mercado financeiro e proteção do consumidor), partindo do texto das seis resoluções já publicadas e da exposição pública que o BACEN fez a respeito3. Note-se que nossas proposições nada têm de absolutamente novo. Não temos a pretensão de havermos reinventado a roda. Elas refletem uma preocupação generalizada de todos os reguladores financeiros.

Veja-se que o mercado como um todo e as instituições alcançadas pelas normas em questão foram imediatamente afetados, tendo havido repercussão na cotação dos valores mobiliários dessas, em vista de investimentos que as Fintechs deverão realizar para o seu atendimento, com a afetação dos projetos que até então elas desenvolviam.

2. Visão geral da nova regulamentação 

Estes são, sinteticamente, os temas abordados pelas resoluções BACEN: 

Resolução BCB 197 de 11/3/22. Classifica o conglomerado prudencial integrado por ao menos uma instituição que realize serviço de pagamento e estabelece a segmentação para os conglomerados prudenciais classificados como Tipo 3 para fins de aplicação proporcional da regulação prudencial.

Apresenta a classificação de Conglomerados Prudenciais em Tipo 1 (CPs liderados por IFs), Tipo 2 (CPs não integrados por IFs) e Tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs), além de segmentar os Conglomerados Prudenciais de Tipo 3 em S2 a S5.

Resolução BCB 198 de 11/3/22. Dispõe sobre o requerimento mínimo de Patrimônio de Referência de Instituição de Pagamento (PRIP) de conglomerado do Tipo 2, nos termos da Resolução BCB 197, de 11/3/22, e de instituição de pagamento não integrante de conglomerado prudencial, e sobre a metodologia de apuração desses requerimentos e a respectiva estrutura de gerenciamento contínuo de riscos.

Regulação prudencial completa dos Conglomerados Prudenciais do Tipo 2 (CPs não integrados por IFs), dispondo, para esse tipo de Conglomerados, sobre Patrimônio de Referência, requerimento mínimo e estrutura de gerenciamento de riscos.

 

Resolução BCB 199 de 11/3/22. Dispõe sobre a metodologia para apuração do Patrimônio de Referência (PR) para conglomerado prudencial classificado como Tipo 3.

Definição do que é Patrimônio de Referência para Conglomerados Prudenciais do Tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs).

Resolução BCB 200 de 11/3/22. Dispõe sobre os requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência (PR), de Nível I e de Capital Principal e sobre o Adicional de Capital Principal de conglomerado prudencial classificado como Tipo 3.

Requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência para Conglomerados Prudenciais do Tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs).

 

Resolução BCB 201 de 11/3/22. Dispõe sobre a metodologia facultativa simplificada para apuração do requerimento mínimo de Patrimônio de Referência Simplificado (PRS5) para os conglomerados prudenciais classificados como do tipo 3, sobre os requisitos para opção por essa metodologia e sobre a estrutura simplificada de gerenciamento contínuo de riscos.

Regras de Patrimônio de Referência Simplificado (PRS5) para Conglomerados Prudenciais do Tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs).

 

Resolução BCB 202 de 11/3/22. Estabelece o cálculo da parcela dos ativos ponderados pelo risco (RWA) relativa ao cálculo do capital requerido para os riscos associados a serviços de pagamento (RWASP) estabelecida nas Resoluções BCB ns. 200 e 201, ambas de 11/3/22.

Metodologia de cálculo da parcela dos ativos ponderados pelo risco (RWA) de serviços de pagamento para Conglomerados Prudenciais do tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs).

Como uma primeira aproximação do tema, temos que CP (Conglomerado Prudencial) consiste em um grupo de empresas integrado por instituições reguladas pelo Banco Central (não necessariamente Instituições Financeiras, a exemplo das IPs), para fins de aplicação da regulação prudencial. As novas normas lidam com CPs integrados ou não por IFs (Instituições Financeiras) reguladas pelo Banco Central, alinhando a regulação dos CPs integrados por IFs à regulação das demais IFs.

Em primeiro lugar, a atenção a Conglomerados diz respeito à necessidade diferenciada de supervisão de riscos dispersos em várias atividades praticadas por entidades reguladas - o que justifica a subdivisão em CPs de tipos 1, 2 e 3, para melhor Regulação por Atividade. Por outro lado, Conglomerados são capazes de alcançar maior escala de atuação, o que demanda a regulação segundo o seu porte por meio do conceito de Regulação por Entidade - e daí as novas regras subdividirem os Seguimentos de CPs do Tipo 3 em S2 a S5.

Os CPs visados pelas novas regras são aqueles integrados por ao menos uma instituição que realize serviço de pagamento, de modo que são, eles, classificados em: 

  • Tipo 1 (CPs liderados por IFs): conglomerado prudencial cuja instituição líder seja instituição financeira ou outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil sujeita à lei 4.595/64, sendo que aqui também se classifica a instituição financeira ou outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil sujeita à Lei nº 4.595/1964 ou à Lei nº 10.194/2001, que realize serviço de pagamento e não seja integrante de conglomerado prudencial;
  • Tipo 2 (CPs não integrados por IFs): conglomerado prudencial cuja instituição líder seja instituição de pagamento e que não seja integrado por instituição financeira ou por outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil sujeita à Lei nº 4.595/64 ou sujeita à Lei nº 10.194/2001; ou
  • Tipo 3 (CPs liderados por IPs e integrados por IFs): conglomerado prudencial cuja instituição líder seja instituição de pagamento e que seja integrado por instituição financeira ou por outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil sujeita à Lei nº 4.595, de 1964, ou sujeita à Lei nº 10.194, de 2001. 

Do mesmo modo praticado com IFs, os CPs de Tipo 3 passam a ser enquadrados em seguimentos S2 a S5 para fins de cumprimento das regras prudenciais considerando o porte (valor do Ativo Total) e a complexidade da instituição, como iremos mais adiante definir.

De se ressaltar que a regulação das IPs é de competência do Banco Central, tal como disposto pelos arts. 9 e 15 da lei 12.865/13, enquanto que a regulação das IFs é de competência do CMN (Conselho Monetário Nacional), por força do art. 4º, inciso VIII, da lei 4.595/64. Por essa razão, as resoluções BACEN que ora comentamos contêm novas regras para CPs do Tipo 2 (CPs não integrados por IFs), reguladas exclusivamente pelo Banco Central, enquanto que as regras aplicáveis aos CPS do tipo 1 (CPs liderados por IFs) e aos CPs do tipo 3 (CPs liderados por IPs e que integrados por IFs) estão alinhadas às regras atualmente existentes para IFs, que foram estipuladas pelo CMN.

Passaremos a discutir esses pontos da nova regulação, no contexto da equalização da assimetria regulatória.

3. Requerimentos prudenciais consolidados por conglomerados 

As exigências prudenciais (gerenciamento de riscos, requerimento de capital) para CPs liderados por IPs serão aplicadas de forma agregada a todo o conglomerado prudencial, e não de forma individual, alinhado essa abordagem regulatória integrada ao que já se pratica para as IFs.

Esse ponto era amplamente criticado pelos Bancos de varejo incumbentes, em relação às IPs de grande porte que hoje enquadram-se no conceito de Conglomerados Prudenciais do tipo 3. Esses Conglomerados atuam no mercado de crédito por meio de subsidiárias classificadas como IFs (Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento, por exemplo), mas que não seguiam o conceito de Conglomerado Prudencial a que estavam sujeitas as IFs controladoras de IPs ou que praticavam serviços de pagamento - o que, para além de ser um fator de desigualdade concorrencial, deixava riscos sistêmicos sem supervisão adequada.

Assim tendo sido feito, estipula, a Resolução BACEN 197/22, que, até 31/12/24, os Conglomerados Prudenciais do tipo 3 sejam enquadrados no Seguimento S4, independentemente do seu porte, ou, imediatamente, no Seguimento S5, no caso supracitado de Patrimônio de Referência Simplificado. Com isso, atenua-se o impacto inicial da aplicação das novas regras prudenciais dos CPs de Tipo 3.

Lidam, com esse tema, as resoluções BACEN 197, 199, 200, 201 e 202. Os desdobramentos ajustados aos seguimentos S2 a S5 virão em normas a serem futuramente publicadas.

4. Aprimoramento da qualidade do capital regulatório requerido 

Em termos de exigência de capital regulatório de IPs, o novo regramento evolui do conceito atual de PLA (Patrimônio Líquido Ajustado pelas contas de resultado) disposto no artigo 10 da Circular BACEN nº 3.681/2013 para o conceito de PRIP (Patrimônio de Referência de Instituição de Pagamento), que é alinhado às exigências regulatórias de IFs por força dos acordos da Basileia.

Na regra anterior, as IPs deviam "manter, permanentemente, patrimônio líquido ajustado pelas contas de resultado correspondente a, no mínimo, o maior valor entre 2% (dois por cento) da média mensal das transações de pagamento executadas pela instituição nos últimos 12 (doze) meses ou do saldo das moedas eletrônicas por elas emitidas, apurado diariamente".

Pela regra atual, o capital regulatório passou a ser calculado mediante a dedução do valor de ativos da instituição que, em situações de estresse financeiro, possuem pouco ou nenhum valor para manutenção do seu funcionamento. Com isso, o capital regulatório passa a ser formado, essencialmente, pelo PL ajustado pelas contas de resultado, mas deduzido de ativos de difícil realização, a exemplo dos ativos intangíveis, créditos tributários, ágio, assim como do excesso dos recursos aplicados no Ativo Permanente (excesso de imobilização).

Esse tema (PRIP) é versado nas resoluções 198, 199 e 201.

5. Prevalência da regulação de requerimento de capital por atividade e riscos incorridos 

Pelo regramento anterior, o requerimento mínimo de Patrimônio de IPs somente continha exigências de capital para atividades de meios de pagamento, de forma que não havia exigências de capital mínimo para os demais riscos a que a instituição esteja exposta.

A nova regra aperfeiçoa a exigência de capital para riscos de meios de pagamento, assim como aplica às IPs o conceito de capital mínimo para outros riscos - riscos operacionais, riscos de liquidez, riscos de crédito e riscos de mercado, na linha do que as recomendações da Basileia induziram o Banco Central a aplicar às IFs.

Também dissocia, o novo regramento, os CPs entre aqueles que são integrados por IFs e aqueles que não o são, em vista do mais alto nível de risco sistêmico dos primeiros, o que demanda o alinhamento da regulação dos CPs de Tipo 3 aos CPs de Tipo 1.

Tratam do tema as resoluções 198, 199, 200, 201 e 202.

6. Requerimento de capital mínimo conforme os riscos intrínsecos de cada tipo de atividade (atividade de pagamento ou financeira)

As novas regram criaram parcela dos ativos ponderados pelo risco de serviços de pagamento (RWASP), englobando as atividades de credenciamento, emissão de moeda eletrônica e iniciação de transação de pagamento.

Os "serviços de pagamento" a que se referem o novo regramento correspondem:

  • à emissão de moeda eletrônica, praticada por instituição de pagamento que gerencia conta de pagamento de usuário final, do tipo pré-paga, disponibiliza transação de pagamento que envolva o ato de pagar ou transferir, com base em moeda eletrônica previamente aportada nessa conta, converte tais recursos em moeda física ou escritural, ou vice-versa, podendo habilitar a aceitação da moeda eletrônica com a liquidação em conta de pagamento por ela gerenciada (artigo 3º, inciso I, da Resolução BCB nº 80/2021);
  • ao credenciamento de instrumento de pagamento, praticado por instituição de pagamento que, sem gerenciar conta de pagamento, habilita recebedores para a aceitação de instrumento de pagamento emitido por instituição de pagamento ou por instituição financeira participante de um mesmo arranjo de pagamento e participa do processo de liquidação das transações de pagamento como credor perante o emissor, de acordo com as regras do arranjo de pagamento (art. 3º, inciso III, da resolução BCB 80/21); e
  • à iniciação de transação de pagamentos, praticado por instituição de pagamento que presta serviço de iniciação de transação de pagamento que, sem gerenciar conta de pagamento, também não detém, em momento algum, os fundos transferidos na prestação do serviço (art. 3º, inciso IV, da resolução BCB 80/21).

Cada uma dessas 3 (três) atividades está sujeita à apuração do RWASP (risco de serviços de pagamento) por meio de índices financeiros que consideram os riscos de cada tipo de atividade, conforme se trata de riscos associados ao serviço de emissão de moeda eletrônica (MOE), riscos relativos à exposição associada aos serviços de credenciamento de instrumentos de pagamento (ADQ) e riscos associados ao serviço de iniciação de transação de pagamento (PISP).

O tema é versado nas resoluções 198, 200, 201 e 202. 

7. Extensão da proporcionalidade regulatória para conglomerados liderados por IPs

Similarmente ao que já se pratica com IFs, os CPs liderados por IPs e integrados por IFs (CPs de Tipo 3) passam a ser enquadrados em seguimentos S2 a S5 para fins de cumprimento das regras prudenciais, a permitir que a regulação seja ajustada pelo porte (valor do Ativo Total) e a complexidade da instituição. 

Assim, os CPs do Tipo 3 serão enquadrados nestes seguimentos:

  •  Segmento 2 (S2): Porte igual ou superior a 1% (um por cento) do PIB (Produto Interno Bruto);
  • Segmento 3 (S3): Porte inferior a 1% (um por cento) e igual ou superior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB;
  • Segmento 4 (S4): Porte inferior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB; e
  • Segmento 5 (S5): Porte inferior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB, que não sejam bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio, caixas econômicas ou agências de fomento, e que utilizem metodologia facultativa simplificada para apuração do requerimento mínimo de Patrimônio de Referência Simplificado (PRS5).

O banco central justificou começar a regulação a partir do seguimento S2 por não haver nenhum Conglomerado Prudencial do tipo 3 que chegue perto do que seria o seguimento S1 da regulação prudencial de IFs - que representa porte, determinado pela Exposição Total, igual ou superior a 10% do PIB, nos termos da Resolução BACEN 4.553/17.

O tema é abordado na resolução 197, e deverá ser desdobrado em futura regulação.

8. Facilitação da entrada de novos concorrentes e implementação gradual para o novo modelo

Para estimular a entrada de novos participantes, as novas regras facilitam o cumprimento do requerimento de capital para os novos entrantes.

A resolução 197/22, por exemplo, concede o prazo de 3 (três) meses para adequação ao arcabouço prudencial aplicável ao tipo 3 quando:

  • a IP adquire controle de IF ou de outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central sujeita à Lei nº 4.595/64 ou à lei 10.194/01; e
  • o CP do Tipo 2 passa a ser integrado por IF ou por outra instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central sujeita à lei 4.595/64 ou à lei 10.194/01. 

Outro importante item da nova regulação diz respeito à possibilidade de opção, por CPs do Tipo 3, pela utilização de metodologia simplificada para apuração do requerimento mínimo de PRS5 trazida pela resolução 201/22. A simplificação diz respeito não apenas ao cálculo do patrimônio de referência, mas também aos índices financeiras requeridos para atendimento das regras prudenciais.

Esse regramento simplificado é destinado aos participantes do mercado de menor porte e que apresentem baixo risco em suas exposições, operações, aplicações, títulos, instrumentos e demais ativos financeiros - a norma diz de "porte compatível com o enquadramento no segmento 5 (S5)" e de "perfil de risco simplificado". A opção em questão é reservada, assim, para CPs do Tipo 3 que sejam integrados por IFs que tenham uma dessas 2 (duas) naturezas:

  • instituições não bancárias de atuação em concessão de crédito; e
  • instituições não bancárias de atuação nos mercados de ouro, de moeda estrangeira, ou como agente fiduciário.

São consideradas como "instituições não bancárias" aquelas que não sejam autorizadas a captar depósitos à vista e que não adotem a expressão "banco" em sua denominação.

Essa resolução 201 também facilita a verificação inicial de atendimento dos requisitos para opção pela utilização de metodologia simplificada para CPs constituídos após a entrada em vigor das novas regras.

A resolução BACEN 197/22, como anteriormente mencionado, também estipula que, até 31/12/24, os Conglomerados Prudenciais do tipo 3 sejam enquadrados no Seguimento S4, independentemente do seu porte, ou, imediatamente, no Seguimento S5, no caso supracitado de Patrimônio de Referência Simplificado. Nesse caso, atenua-se o impacto inicial da aplicação das novas regras prudenciais dos CPs de tipo 3.

O que se quer, com essas medidas, é favorecer a inovação e a concorrência, atenuando as barreiras regulatórias de entrada que um novo operador venha a enfrentar quando do seu ingresso no mercado.

As novas regras, enfim, entram em vigor em janeiro de 2023 e sua implementação completa ocorrerá em janeiro de 2025. Nesse sentido, há regras de transição para os atuais CPs nas resoluções 198, 199, 200, 201 e 202.

9. Conclusão

Como temas que havíamos tratado no primeiro artigo, vimos que: (i) não foi estabelecida a extensão da cobertura do FGC para contas de pagamento geridas por IPs; (ii) não se tratou da regulação financeira sobre contas de depósitos à vista de bancos que também incluíssem as IPs, quanto a suas contas de pagamento; (iii) não se cuidou da questão da lavagem de dinheiro, a alcançar todos os prestadores de serviços financeiros (mantendo-se uma brecha nesse campo); (iv) não foram eliminadas as regras de direcionamentos obrigatórios de créditos aplicáveis aos bancos,  nem da obrigatoriedade de serviços financeiros impostos aos bancos; e (v) nada se tratou sobre tributos sobre os lucros e sobre a folha de pagamentos.

Parte dessas matérias, como destacado, é de competência do conselho monetário nacional. No tocante a não ter havido equiparação das regras trabalhistas aplicáveis a bancários e o seu alargamento para os operadores de IPs e de Big Techs, observa-se que essa matéria não seria de competência do banco central, demandando edição de leis pelo Congresso Nacional. Logo, nessas matérias, o banco central nada poderia fazer solitariamente a respeito, neste momento, de forma que ainda resta pendente o tratamento das relevantes diferenças regulatórias que expusemos.

Na verdade, o que banco central procurou, com a nova regulação, foi buscar igualdade de tratamento, seja no plano das instituições envolvidas, seja no plano das operações financeiras praticadas, seguindo o princípio do "same activity, same regulation". Para isso, utilizou-se do ferramental que expusemos no texto anterior, de Regulação por Atividade, de Regulação por Entidade e de Regulação Mista. Mas isso restringiu-se fundamentalmente ao plano da tipificação e tratamento dos conglomerados prudenciais e dos requerimentos mínimos dos patrimônios de referência - o que não é pouca coisa.

Não se trata primordialmente, como anteriormente dissemos, de apenas equalizar desequilíbrios concorrenciais, mas, sim, de se dar o devido tratamento para riscos sistêmicos (preservação da estabilidade financeira das instituições, preservação da integridade do mercado financeiro e proteção do consumidor). E, isso, não apenas em vista dos serviços de pagamento em si, mas, também, das IPs que atuam em Conglomerados Prudenciais integrados por IFs que praticam operações de crédito e operações relevantes para o sistema financeiro.

Ainda é necessário evitar que o consumidor pratique a "arbitragem de serviços", valendo-se de serviços de pagamento artificialmente subsidiados por meio da "sub-regulação", de modo a se enfraquecer perigosamente as IFs que dedicam esforços e recursos para atender as regras prudenciais. Em termos de "enforcement" da regulação, tal arbitragem não apenas desmoraliza, mas também neutraliza os esforços de controle do risco sistêmico.

Um passo importante para lidar com a assimetria regulatória, portanto, foi dado pelo banco central com as resoluções 197, 198, 199, 200, 201 e 202, representando os primeiros bons passos de uma extensa regulação que está por vir. A novela está só começando. Novos capítulos estão por vir, e nem todos os atores ficarão inteiramente satisfeitos, o que é verdadeiramente impossível, tal como Ascarelli nos demonstrou na citação feita no primeiro artigo. A mesma coisa já havia acontecido muito tempo atrás na fábula do Menino, do Velho e do Burro, como nos contou o velho Esopo.

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1 Assimetria Regulatória no mercado financeiro - como equalizar as diferenças regulatórias entre bancos, Fintechs e Big Techs. Portal Migalhas. Publicado em 10/03/2022. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/361126/assimetria-regulatoria-no-mercado-financeiro.

2 Fintech regulation: how to achieve a level playing field. Financial Stability Institute, Occasional Paper No 17. February 2021. Disponível em: https://www.bis.org/fsi/fsipapers17.htm.

3 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Coletiva - Consulta Pública nº 78. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1X2TK-t8z9Q.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

VIP Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

Alexandre Sansone Pacheco

Alexandre Sansone Pacheco

Sócio de Ayres Ribeiro Advogados. Professor de Direito da Escola de Administração da FGV/SP. Doutor em Direito pela PUC/SP. Membro do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP.

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