Revisão da Vida Toda - saiba o que é e quem tem direito
Muitos segurados vão acabar sendo prejudicados pelo desconhecimento legal. Isso se deve ao fato da aplicação da decadência para as revisões de benefícios previdenciários.
terça-feira, 15 de março de 2022
Atualizado às 11:12
No dia 04 de junho de 2021, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário 1.276.977 que trata justamente do direito dos segurados do INSS que se filiaram antes de 1991 de considerar no cálculo de seus benefícios previdenciários os valores recolhidos antes de julho de 1994.
O mencionado Recurso Extraordinário chegou ao STF após recurso do INSS no processo que já tinha sido sacramentado no STJ, que, inclusive, reconheceu a matéria como sendo de repercussão geral e, assim, decidindo de forma vinculada a todos os tribunais do país de forma favorável aos segurados.
Antes de analisarmos os votos dos Ministros do Supremo, é fundamental tecer algumas considerações sobre essa tese, que tende a preservar os recolhimentos gerais efetuados pelos segurados e que vinham sendo desconsiderados pelo INSS ao longo de mais quase 30 anos.
Do Direito ao Melhor Benefício ou Melhor Regra
No Direito Previdenciário existe a máxima que o segurado do INSS possui o direito, sempre, ao melhor benefício possível. Isso se deve em razão da falta de conhecimento dos segurados às melhores regras e práticas a serem exercidas, sendo que, em diversos casos, por falta de conhecimento ou por omissão do ente previdenciário público, o segurado acaba sendo prejudicado.
Por tal motivo, os tribunais superiores já decidiram de forma constante e iterativa que o INSS possui a obrigação de conceder o melhor benefício possível aos segurados.
E justamente nesses casos é que se aplica a revisão da vida toda. Em razão das alterações legais que ocorreram com a implantação do Plano Real e a valorização da moeda nacional, o governo e o congresso iniciaram uma série de reformas que culminaram com a publicação da lei 9.876/99.
Mas o que realmente mudou com a mencionada lei 9.876/99 que pode gerar tanto impacto aos segurados?
Com base nessa lei iniciou-se o cálculo dos benefícios apurando-se apenas os salários de contribuição posteriores a julho de 1994 e aplicando o mínimo divisor.
Ocorre que essa metodologia de cálculo não é adequada em muitos casos, pois a regra prevista no art. 3º, caput e §2º, da lei 9.876/99 é de TRANSIÇÃO, motivo pelo qual deve ser oportunizado ao segurado optar pela forma de cálculo permanente se esta for mais favorável.
A lei 8.213/91, que continua em vigor, previa, em sua redação original, que o valor do benefício a ser recebido pelos segurados deveria ser calculado através da média aritmética dos valores contribuídos nos períodos imediatamente anteriores a concessão do benefício, até o máximo de 36 salários-de-contribuição encontrados nos 48 meses anteriores.
Assim, o segurado poderia verter contribuições sobre valor inferior durante toda a vida profissional, e elevar o valor destas nos últimos 36 meses anteriores à aposentadoria, garantindo um benefício de valor elevado.
Buscando maior equilíbrio financeiro e atuarial, foi editada a lei 9.876/99 que alterou drasticamente a forma de cálculo do benefício, determinando que o salário-de-benefício fosse calculado através da média aritmética simples dos oitenta por cento maiores salários-de-contribuição existentes durante toda a vida laboral do segurado.
Dessa forma, considerando a necessidade de evitar prejuízos aos segurados que já eram filiados a Previdência Social pelo alargamento do período básico de cálculo para todo o período contributivo, tornou-se necessário introduzir uma regra transitória para ser aplicada àqueles trabalhadores que já estavam próximos da aposentadoria e poderiam ter seu benefício reduzido pela drástica alteração na forma de cálculo do benefício.
Importante destacar que esta norma possui caráter transitório como forma de resguardar o direito dos segurados que já estavam inscritos na previdência social até 29/11/1999. Além disso o texto legal possui o caráter de norma transitória, e fica evidente quando se considerar que a limitação temporal prevista no art. 3º da lei 9.876/99 deixará de ser aplicada a partir do momento em que deixarem de existir segurados filiados ao RGPS antes da edição da referida lei.
E como norma de transição que é, não deveria o art. 3º da lei 9.876/99 prejudicar o segurado que já possuía uma trajetória contributiva regular antes da edição da mencionada norma.
Ocorre que existem vários casos em que o segurado possui regularidade nas contribuições antes de 1994 e muitas vezes com valores superiores aos dos salários-de-contribuição vertidos após julho de 1994. Nesses casos, a aplicação da regra permanente é mais vantajosa ao segurado.
Destaca-se que a regra de transição não pode impor ao segurado que possui contribuições superiores, por vezes em valor mais elevado que as vertidas após julho de 1994, uma situação pior do que a regra nova.
E é justamente nesse sentido que a busca pelo melhor benefício deve ser evidenciada, dando-se liberdade ao segurado para escolher a regra que melhor se amolda à sua vida contributiva, ou seja, ao tempo que verteu valores ao INSS.
Importante destacar que, de forma bem simples, os benefícios do INSS assemelham-se a um seguro de vida, ou seja, quanto mais você contribui, mais vantagens e maiores os valores a receber ao final do período mínimo contributivo.
Do Julgamento do RE 1.276.977
Nesse cenário, o processo que já havia sido pacificado pelo STJ, seguiu para pronunciamento do STF. Iniciado o julgamento pelo ministro Relator Marco Aurélio, fundamental se observar que o posicionamento adotado pelo STJ foi seguido no STF.
Em parte do seu voto, o ministro Marco Aurélio destaca justamente a situação da regra transitória em confronto com a regra definitiva e destaca o seguinte:
"Indaga-se: Sob o ângulo da razoabilidade, seria legítima a imposição da regra de transição, mais gravosa que a definitiva? A resposta é desenganadamente negativa.
Cumpre reconhecer ao contribuinte a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico das contribuições.
Se os recolhimentos mais vultosos foram realizados em período anterior a 1994, pertinente é aplicar a regra definitiva de apuração do salário de benefício, por ser vantajosa considerado aquele que se filiou antes da publicação da lei 9.876/99."
Como se observa, não é razoável que se considere os períodos de contribuição anteriores a julho de 1994, mas se despreze todos os valores vertidos para o seguro social, prejudicando de forma inquestionável os segurados.
Por esses motivos, os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski também votaram de acordo com o Min. Marco Aurélio, entendendo pela possibilidade de se revisar os benefício previdenciários concedidos caso os segurados tenham vantagem na utilização da regra definitiva, utilizando-se os valores contribuídos antes de julho de 1994.
Entretanto, o ministro Nunes Marques apresentou uma divergência, entendendo que a matéria não poderia ser julgada pelo STJ, pois se trataria de matéria de ordem constitucional, inviabilizando à Corte da cidadania apreciar a matéria. Esse voto foi seguido pelos ministros Dias Tóffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux, faltando apenas o voto do ministro Alexandre de Moraes.
Pois bem, suspenso o julgamento desde junho de 2021, o ministro Alexandre de Moraes, na madrugada do dia 25/02/22, apresentou seu voto no sentido de determinar a possibilidade da revisão da vida toda, sendo importante destacar a seguinte tese apresentada pelo último julgador em seu voto de minerva (desempate):
"O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei 9.876, de 26/11/99, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/19, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável."
Assim, encerrou-se o julgamento da matéria, entretanto, o INSS ainda tem possibilidades de recorrer da decisão, entretanto, como indicado, a tese já está consolidada, restando apenas tramitações processuais e que podem impactar apenas indiretamente o direito dos segurados.
E como fazer a Revisão da Vida Toda?
Infelizmente, muitos segurados vão acabar sendo prejudicados pelo desconhecimento legal. Isso se deve ao fato da aplicação da decadência para as revisões de benefícios previdenciários.
Conforme art. 103 da lei 8.213/91, o prazo para se fazer qualquer tipo de revisão nos benefícios previdenciários expira em até 10 anos contados da data do primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira parcela do benefício concedido.
Por tal aspecto, além da necessidade de realização dos cálculos necessários para verificar se a regra de transição é melhor ou pior, é fundamental que os segurados mostra-se fundamental procurar um advogado previdenciário especializado para obter maiores informações sobre os seus direitos, inclusive para saber se a Revisão da Vida Toda será benéfica ou não para cada caso.
Elimar Mello
Especialista em Direito Previdenciário, sócio no escritório Badaró Almeida & Advogados Associados.