ESG e proteção de dados pessoais na estrutura da governança corporativa
A sigla ESG é um termo guarda-chuva para investimentos que buscam retornos positivos de longo prazo, evitando impactos negativos na sociedade, no meio ambiente e para as pessoas afetadas de alguma maneira pelo negócio.
quinta-feira, 10 de março de 2022
Atualizado às 12:03
"Quem se importa, vence". Esse é o nome do relatório resultante da provocação do ex-Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, a representantes de instituições financeiras, para que produzissem diretrizes sobre como integrar preocupações ambientais, sociais e de governança corporativa à gestão de recursos, intermediação financeira e à atividade de pesquisa relacionada. Da sua publicação, consolidou-se o acrônimo ESG, referindo-se às palavras em inglês, Environmental, Social e Governance - em português: Ambiente, Social e Governança.
O ESG, que pretende sintetizar as preocupações com a sustentabilidade das empresas, ainda evolui, já que os negócios e seu ambiente também mudam. Empresas com melhores indicadores tendem a se valorizar e a obter recursos a custos menores, já que há uma percepção de risco mais baixo. Com esse olhar no longo prazo, para "vencer", é recomendável que as empresas também se "importem" com a segurança de dados, inserindo o tema na sua agenda ESG.
De fato, outro acrônimo que também está em alta é a LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - lei 13.709/18), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Mas como LGPD e ESG se relacionam e como isso interfere na sua organização?
ESG e os negócios
A sigla ESG é um termo guarda-chuva para investimentos que buscam retornos positivos de longo prazo, evitando impactos negativos na sociedade, no meio ambiente e para as pessoas afetadas de alguma maneira pelo negócio (consumidores, colaboradores, comunidades vizinhas etc.). Os estudos que compilam análises (meta-análises) sobre a correlação entre performance ESG e desempenho financeiro mostram que a influência predominante tende a ser positiva1.
Dada a premência da crise ambiental e climática, para muitos, a sigla ESG traz, primeiramente, as questões ambientais, como a preocupação com o futuro do planeta, das espécies e dos recursos naturais. De fato, a tendência consolidada de responsabilização por danos ambientais, de identificação pública das empresas poluidoras, de precificação de emissões de gases de efeito estufa, entre muitos outros aspectos, são eloquentes quanto à tradução financeira de uma boa gestão ambiental.
Mas o ESG abrange também questões sociais, isto é: como uma organização defende o bem social no mundo, de forma mais ampla e não somente na sua esfera de negócios. Alguns exemplos de fatores que melhoram o impacto social da organização, não apenas internamente, mas perante a comunidade, são suas práticas trabalhistas; respeito aos direitos humanos, inclusive na cadeia fornecedora; gestão de talentos; segurança de produtos; igualdade LGBTQIA+; diversidade racial e programas de inclusão.
Finalmente, o ESG também trata de assuntos ligados à governança da organização, como, por exemplo: de que forma garantir que haja alinhamento de interesses entre controladores (ou a gestão) de uma companhia e acionistas dispersos no mercado; defesa de interesses de minoritários; alinhamento da forma de remuneração da administração aos interesses da companhia; o próprio reporte das informações ESG; adesão às normas em geral (compliance) entre outros.
Visão ampla de sustentabilidade
Impossível falar de ESG sem tocar na questão da sustentabilidade. A palavra sustentabilidade é bastante potente, pois diz respeito à capacidade de algo existir permanentemente. No século XXI, sustentabilidade passou a referir-se à capacidade de coexistência da civilização humana com a biosfera, tornando-se um princípio, segundo o qual, o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras.
Por ser indiscutivelmente essencial em todas as áreas da sociedade e das atividades humanas, a palavra sustentabilidade deve ser entendida de forma mais ampla, abrangendo não apenas questões ambientais, mas também econômicas, sociais, culturais, políticas, tecnológicas, entre outras.
Podemos falar, portanto, de diferentes dimensões da sustentabilidade, para abranger as diversas áreas das relações humanas.
Sustentabilidade e LGPD
É fato que os aspectos ambientais têm preocupado em maior medida os envolvidos com a sustentabilidade corporativa. Essa é a razão pela qual setores como o de tecnologia e financeiro são percebidos, até o momento, como aqueles que apresentam melhor desempenho ESG. Isso explica, também, por que setores como o de energia não renovável, mineração e indústria sofrem mais nas avaliações de investidores de longo prazo, que veem nos ativos "encalhados" (stranded assets), nos riscos de transição e nos riscos regulatórios, questões intrinsecamente ligadas a estes setores.
No entanto, se - como se diz - os dados são o novo "petróleo", a importância da sua gestão e da sua proteção deve tomar uma dimensão equivalente à devotada ao "ouro negro". Aí é que entra a LGPD e a preocupação de que as futuras grandes questões de ESG, envolvendo sustentabilidade e longevidade das empresas, possam estar relacionadas, como tendência, às empresas de tecnologia e de internet.
Casos de vazamento de dados (de terceiros, consumidores, clientes etc.), de invasão de sistemas ou de má gestão de dados podem implicar em corrosão da reputação de empresas - que leva anos para se construir e pode ser destruída em pouquíssimo tempo -, além de multas e responsabilização por danos. E isso pode afetar o valor de uma empresa no curto prazo, além de sua capacidade de se manter competitiva no longo prazo.
É por essa razão que o tema da proteção de dados vem sendo cuidadosamente discutido pelas organizações, tornando-se cada vez mais importante para os investidores atentos à gestão em sustentabilidade.
ESG e conformidade à LGPD
À medida que essas questões ganham atenção como um fator financeiro para investidores, é importante que as organizações realizem o gerenciamento de privacidade e construam um modelo de negócios com riscos baixos em termos de proteção de dados pessoais.
Assim, os gestores de ativos, investidores e acionistas devem engajar as empresas que recebem seus investimentos a adotarem as melhores práticas de proteção de dados pessoais, que podem incluir:
(a) o reconhecimento da importância da privacidade de dados no âmbito da governança corporativa da organização;
(b) a realização de políticas de governança voltadas para a privacidade de dados, incluindo a eleição de um data protection officer (DPO), o que é exigido pelas principais legislações de proteção de dados do mundo, incluindo a LGPD;
(c) a supervisão da privacidade de dados, incluindo qualquer responsabilidade delegada na gerência executiva e em conselho não executivo, bem como a forma como o desempenho é monitorado;
(d) a implantação e alimentação da cultura da empresa sobre privacidade de dados, incluindo treinamento formal da equipe, adoção de código de conduta e outras iniciativas.
A adoção das boas práticas mencionadas acima, além de outras, traz segurança jurídica, vantagem competitiva e é positivo para a reputação da organização, incentivando sua eficiência.
Podemos, portanto, dizer que a governança, enquanto um dos pilares do ESG, deve promover a proteção de dados como algo estratégico para a organização, o que impacta no âmbito da sua reputação perante os stakeholders e na sua esfera social, perante a sociedade em geral.
Considerações finais
A adoção de práticas relacionadas aos critérios do ESG e a adequação da organização à LGPD são aliados positivos para o compliance, principalmente por terem a preocupação com o atendimento de legislações, proteção da reputação da organização e questões de ética nos negócios.
Empresas com valores, estruturas de governança fortalecidas e focadas em questões ESG e em conformidade com a LGPD tendem a permanecer resilientes em meio a um ambiente de crise e a desfrutar de vantagens competitivas no mercado.
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1 "Stakeholder welfare and firm value", Yawen Jiao. Journal of Banking & Finance 34, 2010, Available online 27 April 2010.
Camila M. de M. Vilela
Advogada do escritório CQS/FV - Cesnik, Quintino, Salinas, Fittipaldi e Valerio Advogados.
Pedro Lehmann Baracuí
Advogado no escritório CQS/FV - Cesnik, Quintino, Salinas, Fittipaldi e Valerio Advogados.