Contrato de arrendamento rural e a validade jurídica da notificação extrajudicial por meios eletrônicos
Há situações em que as notificações extrajudiciais realizadas via correio eletrônico tiveram sua validade reconhecida pelo STJ, exemplo disto tem-se a constituição do devedor em mora nas ações de busca e apreensão.
segunda-feira, 7 de março de 2022
Atualizado às 12:50
Com o início da pandemia da Covid-19, diferentemente de alguns setores da economia global, as atividades agrícolas não pararam durante o estado de calamidade pública, o que garantiu à população brasileira o abastecimento de alimentos, continuando os produtores rurais produzindo com eficiência, qualidade e quantidade.
Porém, assim como vários seguimentos econômicos, o agro também teve que acelerar a digitalização de alguns de seus processos administrativos, dentro e fora da porteira (ex. CPR Eletrônica). Devido a isto, nos últimos meses, levantaram-se diversos e pertinentes questionamentos sobre a validade jurídica das notificações extrajudiciais por meios eletrônicos nos contratos de arrendamento rural. Mas antes de entrarmos nesta discussão, vamos lembrar algumas informações.
O contrato de arrendamento rural é um dos instrumentos mais importantes das negociações agrárias. Permite que produtores ampliem sua produção e faturamento sem que haja grandes investimentos em aquisições de imóveis rurais.
Com legislação específica, muitos requisitos devem ser observados no momento da sua utilização, seja no ato da realização do contrato (art.95 e seguintes do Estatuto da Terra), na ocasião da retomada da posse do imóvel por parte do proprietário (procedimentos como a notificação premonitória), ou na declaração do direito de preferência pelo arrendatário.
As indagações sobre a possibilidade de o arrendador e arrendatário efetivarem notificações através de e-mail ou Whatsapp têm se tornado frequentes. Esta preocupação é digna, já que a falta de observação de critérios jurídicos e documentais poderá trazer prejuízos para uma das partes.
Sobre este assunto, a legislação agrarista, especificamente o Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/1966 que regulamenta os contratos agrários, impõe a necessidade da notificação prévia até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato (inciso IV do artigo 95 do Estatuto da Terra) em três situações distintas:
a) Notificação para o arrendador retomar o imóvel arrendado; b) notificação para o arrendatário exercer o direito de preferência para renovação do arrendamento e c) notificação para o arrendatário exercer o direito de preferência no caso de venda do imóvel na constância do arrendamento.
A primeira notificação noticia o arrendatário sobre o interesse do arrendador retomar o imóvel arrendado ao término do contrato de arrendamento com a pretensão exclusiva do proprietário de explorar a terra diretamente ou por seu descendente. Na segunda o objetivo é informar ao arrendador, caso seja de interesse do arrendatário, o interesse de continuar com o arrendamento em face de igual pretensão de terceiros. A terceira notificação tem o condão jurídico de assegurar ao arrendatário o exercício do direito de preferência na compra do imóvel arrendado, devendo este responder a notificação no prazo de 30 (trinta) dias, para exercer o seu direito na aquisição, nos mesmos termos em que foi pactuado com o terceiro.
Uma vez que não tenha sido respeitado o prazo mínimo para o cumprimento da obrigação, perderia o arrendador o direito de reaver a posse do imóvel devido à prorrogação automática do contrato ou, ainda, a possibilidade de ajuizamento da ação de despejo para fins de retomada. Já o arrendatário, o qual pretenda permanecer no imóvel arrendado, seria impossibilitado de exercer seu direito de preferência por não ter notificado o proprietário dentro do prazo previsto.
Através de uma interpretação das normas agrárias, entende-se que a notificação deverá ser realizada por procedimento judicial ou de maneira extrajudicial. Sendo neste caso alternativo, o trâmite será por meio dos cartórios de registro de títulos e documentos ou por intermédio do cartório via correios (aviso de recebimento) em se tratando de imóvel localizado em outra comarca, por permitirem a comprovação da sua efetivação através do requerimento da assinatura do notificado.
No entanto, há situações em que as notificações extrajudiciais realizadas via correio eletrônico tiveram sua validade reconhecida pelo STJ, exemplo disto tem-se a constituição do devedor em mora nas ações de busca e apreensão. Porém, deverá estar previsto no contrato três requisitos indispensáveis, são estes:
(i) o endereço eletrônico das partes deve estar expressamente informado no contrato; (ii) deve haver cláusula que autorize a notificação extrajudicial das partes pelo endereço eletrônico informado no instrumento; e (iii) que haja a comprovação do recebimento da notificação.
Mas Antônio, no meu contrato de arrendamento rural estes itens estão presentes. Posso efetuar a notificação por e-mail ou whatsapp?
Embora existam situações análogas, a legislação específica relacionada ao arrendamento rural, datada de 1964 e 1965, não cita meios eletrônicos como via de notificação e não foram localizadas jurisprudência neste sentido.
Portanto, mesmo que tenha previsão contratual que possibilite a notificação por e-mail, opte pelo Cartório de Títulos e Documentos ou via judicial.
Até a edição desta revista, não foi encontrada nenhuma jurisprudência específica sobre o tema que dê respaldo jurídico para a realização da notificação prévia dos contratos de arrendamento rural por meios eletrônicos.
Antonio de Las Cuevas
Advogado do Aibes Advogados Associados, especialista em Direito do Agronegócio.