A lei 14.195/21 e os impactos na prática jurídica aplicáveis às regras de citação
Enquanto não estiver efetivamente funcionando a plataforma do CNJ e não houver regulamentação e clareza nos procedimentos, aptos a garantirem a validade da norma, os efeitos práticos das alterações trazidas pela Lei não deverão ser implantados.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
Atualizado às 08:07
Além das questões de ordem empresarial, a lei 14.195/21 alterou significativamente dispositivos do Código de Processo Civil no que tange as regras de citação, prazo para apresentação de contestação, dever das partes, previstas no artigo 44 e seguintes do Capítulo X, intitulado "Da Racionalização Processual Civil".
Uma das principais mudanças legislativas no âmbito processual foi a nova redação dada ao caput do artigo 246 do CPC, a qual passou a estabelecer que a citação ocorra preferencialmente por meio eletrônico e o endereço eletrônico a ser utilizado pelo Poder Judiciário será aquele fornecido exclusivamente pela parte que deverá receber a intimação em banco de dados a ser criado pelo Conselho Nacional de Justiça ("CNJ").
O mencionado dispositivo prevê o prazo de 2 (dois) dias úteis para a serventia do Poder Judiciário realizar o encaminhamento da citação, a partir da decisão que a determinar. Já a inclusão do parágrafo único no art. 238 teve a intenção de acelerar o andamento do processo, pois prevê que a conclusão da citação ocorra no prazo máximo de 45 dias.
Segundo o §4º do artigo 246, a citação eletrônica será acompanhada das orientações para realização da confirmação de recebimento e do código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão citante.
A lei 14.195/21 também acrescentou o inciso IX ao art. 231 do CPC, a fim de regulamentar que o prazo para contestação, quando a citação for feita por meio eletrônico, começará do quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento pelo réu.
De acordo com o § 1º-A A e incisos do artigo 246, se não houver confirmação da citação em até 3 (três) dias úteis da parte, a medida será realizada por quaisquer dos outros meios previstos no CPC, ou seja, via correio, oficial de justiça, escrivão ou edital.
Assim, caso a citação seja encaminhada por meio eletrônico e a parte não confirme o recebimento, não será dada por citada. Nesta hipótese, deverá a parte autora requerer a citação pelas formas tradicionais elencadas acima.
Ainda no que se refere à ausência de confirmação da citação eletrônica, a nova Lei (§1º-B do artigo 246) determina que o réu deverá apresentar na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos justificativa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica e, no caso de ausência de confirmação sem justa causa, o réu estará sujeito à multa por ato atentatório à dignidade da justiça, conforme estabelece o § 1º-C do mesmo artigo.
A respeito dessa novidade trazida pela Lei, não foram elencadas as possibilidades para ser considerada justa causa, devendo ficar a critério do juiz a interpretação sobre quais explicações serão aceitas para não elidir a multa, conforme o caso concreto.
Com o advento da nova lei, a obrigatoriedade de informar e manter atualizados os dados cadastrais perante o órgão do Poder Judiciário, passou a ser dever das partes, dos procuradores e de todos aqueles que participam do processo, por força da inclusão do inciso VII ao artigo 77 do CPC.
As empresas públicas e privadas também estão obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo eletrônicos, devendo ser utilizado o endereço eletrônico cadastrado junto ao sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), rede de sistemas informatizados necessários para registrar e legalizar empresas, tanto no âmbito da União como dos Estados e Municípios. Dessa forma, os dados de cadastro da Redesim deverão ser compartilhados com os órgãos do Poder Judiciário.
A ressalva trazida pela lei é a de que a obrigação apenas não se estende às empresas de pequeno porte e microempresas quando não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado Redesim.
O artigo 247, incluído pela nova Lei, também trouxe exceção quanto à citação eletrônica nas ações de Estado, quando o citando for incapaz, quando o citando for pessoa de direito público, quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência e quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma.
O compartilhamento de informações permitirá que os sistemas eletrônicos dos Tribunais busquem informações de outros cadastros ou daqueles já existentes na plataforma para a efetivação da citação de pessoas físicas e jurídicas.
Feitas essas considerações, cumpre observar que a citação por meio eletrônico que já estava prevista na redação original do CPC, tornou-se, com o advento da Lei 14.195/21, preferencial por meio eletrônico e o CNJ como responsável por sua regulamentação.
No entanto, embora a nova modalidade de citação trazida pela lei 14.195/21 busque conferir maior agilidade ao processo e tenha como finalidade diminuir os custos processuais, questiona-se a falta de clareza na redação de alguns dispositivos.
Uma das principais dúvidas que se levanta é a possibilidade da aplicação imediata das novas regras de citação pelos Tribunais, considerando que a lei 14.195/21 está vigente desde a sua publicação, em 30/8/21, e ainda não houve criação da plataforma pelo CNJ reunindo os endereços eletrônicos dos citandos.
Diante do que propõe o próprio caput do artigo 246, acredita-se que o CNJ precisaria, por intermédio de ferramentas seguras e eficazes, criar banco de dados que permita o cadastramento de endereço eletrônico em nível nacional e assegurar o seu armazenamento com segurança.
A ausência de regulamentação suficiente do CNJ, seria impeditivo à validade das normas trazidas pela nova Lei, tendo em vista possibilidade de serem proferidas decisões conflituosas, capazes de gerar insegurança jurídica, bem como prejuízos processuais às partes.
Outra dificuldade para que o novo sistema funcione é a forma pela qual o Poder Judiciário obterá os dados cadastrais informados para viabilizar a citação eletrônica do réu, considerando a atual sistemática na qual cada Tribunal mantém a sua própria ferramenta, como, por exemplo, o Projudi, PJe, e-Saj.
Nesse sentido, além da regulamentação, espera-se que o CNJ também desenvolva um sistema eletrônico unificado, e que sejam preservadas as garantias fundamentais e os princípios processuais, como do devido processo legal, com a concessão de prazo para cadastramento do endereço eletrônico com a ciência inequívoca das partes e procuradores de que será utilizado pelo Poder Judiciário para fins de citação.
Cumpre, portanto, concluir, que enquanto não estiver efetivamente funcionando a plataforma do CNJ e não houver regulamentação e clareza nos procedimentos, aptos a garantirem a validade da norma, os efeitos práticos das alterações trazidas pela Lei não deverão ser implantados.
Isabel Soares de Almeida Marin
Advogada na área Contenciosa Cível no Mendonça de Barros Advogados.