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Montaigne: o jurista, a prudência e o juízo de valor

Michel de Montaigne, filósofo francês do século XVI, escreveu obra que é atual - Os Ensaios -, e cujo eixo principal é justamente a renúncia a julgamentos absolutos, estando em relevo a prudência, tal como assevera Adone Agnolin.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Atualizado em 28 de fevereiro de 2007 14:56


Montaigne: o jurista, a prudência e o juízo de valor

Carlos Roberto Claro*

Michel de Montaigne, filósofo francês do século XVI, escreveu obra que é atual - Os Ensaios -, e cujo eixo principal é justamente a renúncia a julgamentos absolutos, estando em relevo a prudência, tal como assevera Adone Agnolin. O ensaísta não se compraz com o dogmatismo de seu tempo, e se recusa a externar julgamentos. Ao tomar da pena para escrever Os Ensaios, relata experiências, sua visão a respeito do homem, da natureza e do mundo, permanecendo em dúvida, sempre. Assegura que a verdade e a razão são comuns a todos, e não pertencem a quem as disse primeiramente mais do que a quem as diz depois1. Ao contrário de Descartes, cujas idéias são centralizadas na certeza, na racionalidade crítica iluminista, Montaigne se mostra homem prudente, de bom senso, de equilíbrio e ponderação ao analisar suas experiências e o seu próprio tempo. Especialmente a partir de 1572, quando deu início a sua obra, o filósofo expõe com clareza que é necessário ao homem se afastar do júbilo constante e também que não tenha visão turva a respeito das pessoas e dos fatos. Montaigne, ao contrário dos ideários cartesianos, tinha o espírito renovado e ávido, totalmente despido de ortodoxia, a fim de melhor se conhecer, e continuar na busca incansável pelo saber. Homem de sensatez ímpar, e prudência redobrada no trato das coisas [e das opiniões a respeito dos homens], assevera que a sinceridade e a verdade pura, em qualquer época que seja, inda têm aplicação e curso2. O ideário montaigniano é no sentido de que suas idéias, crenças e valores não são absolutos, e o próprio título da obra em comento já sugere que nada é permanente, até mesmo porque nenhum homem soube nem saberá nada de certo3. A obra do ensaísta se torna mais do que moderna, por apresentar diversidade de temas [com inclinação dialética], que inclusive são do interesse do jurista hodierno. Do que interessa ao presente texto, extrai-se o seguinte excerto da obra referenciada: Saber de cor não é saber: é conservar o que foi entregue à guarda da memória. Do que sabemos efetivamente, dispomos sem olhar para o modelo, sem voltar os olhos para o livro. Desagradável competência, a competência puramente livresca! Espero que ela sirva de ornamento, não de fundamento, segundo o parecer de Platão, que afirma que a firmeza, a honradez, a sinceridade são a verdadeira filosofia, enquanto as outras ciências e que visam alhures são apenas ouropéis4. Com efeito, compete ao jurista, de acordo com sua experiência - e aí a questão já envereda pela seara da linguagem e nível de conhecimento de cada jurista - perceber que o Direito é linguagem, está acima do Estado; Cabe ao jurista, mediante ferramental próprio, interpretar a lei posta por esse mesmo Estado. Cabe ao jurista ter a consciência hermenêutica, defendida por Paolo Grossi5. Assevera o jurista italiano que o jovem jurista não pode eximir-se da tarefa de ampliar seu olhar num momento de crise das fontes de produção jurídica como a atual, perturbadora mas, ao mesmo tempo, muito fértil para que não tenha temor do novo6.

Para que o próprio direito não se coagule; para que não se faça do processo palco para discussões outras que não aquelas que realmente interessam ao deslinde da controvérsia; para que se evite, quanto possível, o perecimento do direito material [sendo este sim perseguido pelos litigantes no processo], o jurista deverá nutrir a idéia firme de que, quando em juízo, representa os interesses únicos e exclusivos da parte. Compete-lhe portar-se de forma elegante, combativa, e sempre dentro dos limites éticos, do bom senso e da razoabilidade. O discurso jurídico deve ser pautado dentro da ética, sendo que a argumentação - até mesmo a mais eloqüente em momentos periclitantes e desfavoráveis ao constituinte -, jamais poderá desviar para outra seara. Não cabe ao jurista, no âmbito do processo, externar juízo de valor pessoal em relação a quem quer que seja, por evidente. Cabe-lhe sim, agir dentro da legalidade e em consonância com os princípios que norteiam a postura mínima necessária e aguardada pela constituinte e pela própria sociedade como um todo. Aliás, escreve Montaigne: não faço o erro comum de julgar um outro de acordo com o que sou. Dele aceito facilmente coisas que diferem de mim7. E o mesmo filósofo vai mais além, ao afirmar que aprecio as naturezas equilibradas e moderadas. A falta de moderação, mesmo para com o bem, não se me choca, espanta-me e causa-me dificuldade para batizá-la8. Cabe ao jurista moderno [ou pós-moderno, se assim se entender] observar a hemenêutica jurídica [Gadamer e Heidegger], varrer definitivamente a filosofia da consciência, e afastar-se da síndrome de Abdula, referida por Lenio Streck9. Só assim haverá o resgate do direito na sua amplitude, tal como busca Grossi. A visão turva e empedernida a respeito dos fatos, e do próprio direito só contribuem para o engessamento total deste.

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1Os Ensaios - Livro I. São Paulo:Martins Fontes Editora, 2002, p. 227.

2Os Ensaios - Livro III. São Paulo:Martins Fontes Editora, 2001, p. 7.

3Os Ensaios - Livro I, cit., XCV.

4Os Ensaios - Livro I, cit., p. 228.

5Primeira lição sobre o direito. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2006, p. 99. Tradutor Ricardo Marcelo Fonseca.

6Op. cit., p. 89.

7Os Ensaios - Livro I, cit., p. 342.

8Os Ensaios - Livro I, cit., p. 295.

9Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 3ª edição. 2001.

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*Professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; e membro do "American Bankruptcy Institute" (U.S.).






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