Oportunidade para que STF pacifique o debate em torno da regulação de aditivos em produtos de tabaco
Atualmente, tramitam quase 50 ações judiciais propostas por fabricantes de produtos de tabaco e entidades sindicais do setor com a pretensão de invalidar a norma, todas repetindo os argumentos já afastados pelo STF de que haveria falta de legitimidade da ANVISA e inconstitucionalidade.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
Atualizado às 07:57
Há exatos 10 anos, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou a resolução da Diretoria Colegiada - RDC 14/12, que bem regula o uso de aditivos em produtos de tabaco e constitui importante medida de saúde pública para prevenir a iniciação de crianças e adolescentes no tabagismo, pelos conhecidos riscos de doenças e morte de um produto que causa forte dependência.
Apesar de a resolução ser baseada em evidências científicas e estar prevista no artigo 9º, da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (decreto 5.658/06), ter o apoio de toda a comunidade nacional e internacional de saúde pública e da população, liminares isoladas têm garantido que a norma não seja cumprida pelas maiores fabricantes de cigarros deste país.
A indústria do tabaco judicializou a medida assim que foi aprovada, no STF e na Justiça Federal da 1ª região, e logo uma liminar da Suprema Corte suspendeu a sua vigência até fevereiro de 2018, quando a ADIn 4874 foi julgada improcedente.
Por maioria de votos, foi reconhecida a autoridade da Anvisa para a edição da resolução, e houve empate no tocante à sua constitucionalidade, por impedimento do ministro Barroso. Com isso, somente neste ponto, a decisão restou destituída de eficácia vinculante erga omnes, o que levou ao ajuizamento de ações na Justiça Federal da 1ª região com o mesmo objeto.
Atualmente, tramitam quase 50 ações judiciais propostas por fabricantes de produtos de tabaco e entidades sindicais do setor com a pretensão de invalidar a norma, todas repetindo os argumentos já afastados pelo STF de que haveria falta de legitimidade da Anvisa e inconstitucionalidade.
Além do risco com a pulverização de ações, que pode levar a decisões conflitantes, a indústria do tabaco segue colocando no mercado um número crescente de produtos com aditivos vedados pela Anvisa, por conta de liminares em instância ordinária.
A ACT Promoção da Saúde levantou junto à Anvisa que, só nos últimos anos, jovens e crianças estão mais expostos à produtos de tabaco com sabor e aromas. O número de marcas de cigarro com sabores característicos (descritor) saltou de 41 (quarenta e um) em 2012, para 66 (sessenta e seis) em 2022. O número de marcas de outros produtos [derivados do tabaco] com sabores característicos (descritor) aumentou de 39 (trinta e nove) em 2012 a incríveis 199 (cento e noventa e nove) em 2021!
A boa notícia é que a ADIn 4874 ainda não transitou em julgado. A partir do dia 25 de fevereiro, será dado início ao julgamento virtual, no STF, dos embargos de declaração opostos nesta ADIn e, com isso, há oportunidade de pacificação do tema sobre a constitucionalidade da RDC 14/12.
Para a cidadania brasileira ficar guarnecida, objetivamente, é preciso que o STF garanta efeitos vinculantes à constitucionalidade da resolução da Anvisa.
Ainda, consoante o artigo 97, da Constituição Federal, a maioria absoluta do Tribunal é compulsória para a declaração de inconstitucionalidade de lei, e não para a declaração de constitucionalidade das normas, que, inclusive, se presume. Assim, nos termos do §2º, do artigo 102, da Carta Magna, as decisões de mérito proferidas em ADIns têm eficácia contra todos e efeito vinculante geral. O quorum de maioria absoluta, repita-se, apenas seria necessário para a pronúncia de inconstitucionalidade, e, não, de constitucionalidade.
Nesse vácuo decisório, repita-se, quantas crianças já não sofrem as consequências de um mercado desregulado e entupido de produtos nocivos à saúde de quem não tem o correto discernimento e se atrai por estratagemas sórdidos de mercado (cigarro com cheiro e gosto de doces).
Aditivos, como os de sabor e aromas, são usados pela indústria do tabaco para atrair novos consumidores. Consiste em uma estratégia de negócio para tornar os seus produtos, como cigarros e fumo para narguilé, mais palatáveis e atraentes, e facilitar a primeira tragada.
À nicotina cumpre o papel de manter o consumidor dependente por muitos anos, e, portanto, garantir os lucros das empresas às custas da saúde da população. E há aditivos usados também para potencializar os efeitos da nicotina, o que, somado a todo o histórico da indústria do tabaco reconhecido pela Justiça norte-americana, evidencia a deslealdade, falta de ética e boa-fé na relação com seus consumidores.
Tão somente a indústria do tabaco se opõe à medida, o que não é pouca coisa. Ao contrário. É uma indústria multinacional bilionária, com ilimitado poder econômico para a contratação de grandes bancas de advocacia e renomados pareceristas para enfraquecer a Anvisa e invalidar a medida, pois a busca de novos consumidores é vital para a continuidade dos seus negócios.
O uso de aditivos interessa muito à essa indústria, ainda mais com os novos produtos, como cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, a despeito dos enormes danos à população, ao sistema de saúde com os custos no tratamento de doenças causadas pelo fumo (mais R$ 50 bilhões - IECS/2021) e à economia (mais de R$ 42 bilhões pela perda de produtividade no trabalho - IECS/2021).
A Cidadania espera do Poder Judiciário providência a favor da saúde pública, especialmente pelo fato de que a decisão pró saúde é a melhor saída coletiva para a sociedade. Decisões pautadas pela promoção da saúde são as que garantem a melhor forma de divisão de recursos escassos de uma nação. Assim, espera-se que a Suprema Corte confira efeito vinculante e erga omnes no tocante à constitucionalidade da RDC 14/12, indicando o compromisso do Estado Brasileiro com a saúde e com as normas internacionais de controle do tabaco.
Adriana Carvalho
Advogada e diretora Jurídica da ACT Promoção da Saúde.
Walter Moura
Advogado.