Diagnóstico do contencioso judicial tributário confirma que a modulação de efeitos em matéria tributária aumenta o número de ações
O risco da modulação dos efeitos da decisão em matéria tributária faz com que o contribuinte se sinta obrigado a se posicionar judicialmente.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022
Atualizado em 24 de fevereiro de 2022 09:58
O Conselho Nacional de Justiça contratou o INSPER para fazer uma pesquisa sobre o contencioso judicial tributário, tendo o relatório final recebido o nome de Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro1.
O material final é muito rico e merece atenção de todos que atuam direta ou indiretamente com o direito tributário, pois apresenta conclusões baseadas em dados, que eram percebidas apenas pelos que atuam diariamente no contencioso judicial tributário e mesmo assim se baseavam apenas na experiência. Ou seja, não havia um estudo em larga escala comprovando determinada hipótese.
Uma dessas sensações, que o autor do artigo compartilha faz algum tempo, é de que a modulação de efeitos incentiva o litígio em matéria tributária.
Explico.
O art. 27 da lei 9868/99 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a figura da modulação de efeitos, permitindo que o Supremo Tribunal Federal, mediante o cumprimento de alguns requisitos, restrinja os efeitos de determinada decisão ou altere a sua vigência.
O CPC/15 foi além e permitiu, por meio do art. 927, §3º, que seja realizada a modulação de efeitos sempre que houver alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores, observados o interesse social e a segurança jurídica.
Os julgamentos tributários, por sua vez, sempre envolvem elevada carga de interesse social e segurança jurídica, afinal estamos falando, de maneira geral, da principal fonte de receita de um ente federativo e de inúmeros contribuintes afetados, o que leva a um prato cheio para que sejam feitos pedidos de modulação dos efeitos das decisões.
E é o que tem ocorrido.
Somado a isso, o tempo de duração do processo, que também foi pauta de análise pelo relatório, engorda a conta das matérias em discussão e que são decididas, em especial, pelo Supremo Tribunal Federal.
A pesquisa do INSPER apresentou a seguinte questão:
"Há relação entre o número de ações ajuizadas por contribuintes e a iminência de julgamento do tema por algum Tribunal Superior? Há relação de causalidade entre o risco de modulação de uma decisão de inconstitucionalidade e o aumento do número de ações ajuizadas?"
Embora a pesquisa por dados quantitativos não tenha retornado resultado satisfatório, alguns pontos são interessantes e levaram o INSPER a concluir que há o aumento de ações quando existe o risco de modulação de efeitos:
i) A PGE/AL afirmou que inúmeras ações foram ajuizadas minutos antes da decisão do STF quanto ao DIFAL do ICMS.
ii) A PGFN afirmou que "Com base na sua experiência cotidiana, as unidades da PGFN já reportaram, em algumas oportunidades, um incremento no número de ajuizamentos" quando do (i) reconhecimento da repercussão geral, (ii) da inclusão do tema na pauta de julgamentos, (iii) na semana que antecede o julgamento, bem como (iv) "entre o julgamento de mérito desfavorável à Fazenda Nacional e o julgamento de eventuais embargos declaratórios"
iii) A PGFN encaminhou um ofício ao Presidente do STF informando que 78% dos mais de 56.000 processos sobre o ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS foram ajuizados após a decisão de mérito, em 2017.
Apesar da pesquisa não ter utilizado como base de dados entrevistas com advogados que atuam com o contencioso judicial tributário, do lado de cá também é perceptível esse aumento, ainda mais na medida em que o STF aumenta a agressividade e o número das modulações. Cite-se, por exemplo, o caso da seletividade do ICMS sobre a energia elétrica e telecomunicações, cuja decisão foi modulada para 2024, e do próprio DIFAL do ICMS, com decisão modulada para 2022.
A mensagem passada ao contribuinte é de que deve se posicionar judicialmente em todas as matérias que possam lhe beneficiar, pois, de modo contrário, poderá não conseguir se aproveitar da decisão e ficará em desvantagem concorrencial com empresas do mesmo ramo que entraram com a ação.
As procuradorias, por sua vez, também tornaram o pedido de modulação algo padrão, haja vista a normalidade e frequência que tais solicitações vêm sendo atendidas.
Pensando em medidas combativas a essas tendências, o relatório do INSPER trouxe duas recomendações, são elas:
1ª "Criação de normas regimentais para priorização de julgamento de embargos de declaração opostos contra decisões de mérito proferidas nos julgamentos repetitivos, evitando-se a proliferação de processos e de discussões entre a data do julgamento do mérito e dos embargos. Recomenda-se a observância dos prazos previstos no CPC".
2ª "Alteração das regras processuais para exigir que o pedido de modulação dos efeitos das decisões seja formulado quando da interposição do recurso e julgado concomitantemente ao mérito".
Considerando a relevância da pesquisa e dos agentes envolvidos, não será surpresa se em breve as recomendações forem atendidas, sendo certo que, se nada for feito, continuará o aumento de demandas e a sensação de que toda decisão em matéria tributária será modulada.
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1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf