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Princípio da anterioridade e Difal/ICMS

Maria Teresa de Siqueira Lima e Jorge Rubem Folena de Oliveira

Embora a EC 87/15 tenha observado tanto o princípio da anterioridade quanto o de noventa dias para a sua vigência, a LC 190/22 não observou o princípio da anterioridade, fazendo menção apenas ao decurso dos noventa dias.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Atualizado às 18:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O tema objeto deste artigo é extremamente polêmico, diante da necessidade arrecadatória dos Estados e do Distrito Federal e tendo em vista uma lei complementar que somente veio a ser sancionada e publicada no início do ano de 2022. Ou seja, é preciso verificar se a referida lei trata de matéria nova relacionada à instituição ou aumento de tributo, casos em que deve respeitar o princípio fundamental da anterioridade tributária, previsto no art. 150, III, alínea "b", da CF/88).

É importante esclarecer que a LC 190/22 regulamentou as normas introduzidas pela EC 87/15, que alterou e inseriu disposições no § 2º, incisos VII e VIII do art. 155 da CF/88, no tocante à cobrança do "Diferencial de Alíquota" do ICMS quando da remessa, para outro Estado, de bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte deste imposto. Diante desta nova hipótese, objeto da alteração, a EC 87/15 revogou a redação original da CF.

A LC 190/22 dispõe em seu art. 3º que a efetivação de seus efeitos se dará após 90 dias da data de sua publicação, na forma definida na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da CF/88. Assim, ainda se aguarda o prazo legal para a efetivação de seus efeitos.

Conforme se verifica, a LC 190/22, publicada em 4/1/22, no tocante à sua eficácia plena, em seu art. 3º reporta-se apenas à observação do referido princípio da noventena, sendo ignorado o princípio da anterioridade, disposto na alínea "b" do inciso III do art. 150 da CF/88.

Em razão desta omissão, o tema tem sido objeto de inúmeras discussões e, inclusive, de ingresso de ações judiciais com o objetivo de assegurar aos contribuintes a preservação, em seu favor, do princípio da anterioridade. Claro que, para os Estados e o DF, o que interessa é a cobrança imediata do Difal, iniciando tal cobrança em 2022, depois de vencido o prazo da noventena.

Ocorre que as normas previstas no art. 150 da CF/88, ao disporem acerca "Das Limitações do Poder de Tributar", deixam clara e evidente a proteção e a defesa dos contribuintes em todo o seu regramento e, ainda, impõem obediência e respeito ao princípio fundamental que determina que somente é possível a cobrança ou o aumento de um tributo no exercício financeiro posterior à publicação da lei que o instituiu ou aumentou, como passaremos a demonstrar.

A regulamentação da norma Constitucional inserida pela EC 87/15, para ser realizada a cobrança do Difal/ICMS pelos Estados e DF, se deu, inicialmente, por meio do convênio ICMS 93/15, aprovado pelos Estados no âmbito do Confaz, e teve várias de suas cláusulas (1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª) consideradas inconstitucionais por decisão do STF, no julgamento da ADIn 5.469.

Com aquela decisão, o convênio ICMS 93/15 não mais se aplicou à regulamentação do regramento introduzido na CF/88 pela EC 87/15, devendo ser aplicadas, para tal fim, as normas advindas da LC 190/22, publicada em 4/1/22.

É importante registrar que a CF/88, em seu art. 155, § 2º, dispõe sobre o regramento a ser seguido pelas Unidades Federadas para a cobrança do ICMS, que deverá ser realizado por meio de LC, como previsto no inciso XII do mencionado artigo, a saber:

"XII- cabe à lei complementar:
a)   definir seus contribuintes;
b)    dispor sobre substituição tributária;
c)   disciplinar o regime de compensação do imposto;
d)    fixar, para efeito de sua cobrança e definição de estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e)   excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a";
f)     prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g)   regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;
h)    definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X "b";
i)    fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre também na importação do exterior, de bem, mercadoria ou serviço." 

Conforme se constata, o art.155 da CF/88 e seus parágrafos, em especial o § 2º, quanto ao ICMS, abordou e normatizou todos os aspectos necessários à instituição e efetivação da cobrança do ICMS pelas unidades Federadas.

Retornando à EC 87/15, verifica-se que a mesma alterou o texto Constitucional, dando nova redação aos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 e estabelecendo uma nova hipótese de incidência do imposto, conforme se verifica na nova redação dada ao inciso VII, a saber:

Redação anterior:

"Art.155.....
..........
§ 2º .........
"VII- em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a)    a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b)    a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII- na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual."

Nova redação dada pela EC 87/15 aos incisos VII e VIII, § 2º art. 155 da CF/88:

"Ar.155......
...............
§ 2º ........
"  VII- nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
a
)   revogada;
b)   revogada;
VIII- a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII, será atribuída:
a)   ao destinatário quando este for contribuinte do imposto;
b
)   ao remetente quando o destinatário não for contribuinte do imposto.....(NR)."

A nova redação dada pela EC 87/15 estabeleceu situação tributária igual quando bens e serviços forem destinados a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, localizado em outro Estado, no que tange à alíquota aplicável, sendo, nesse caso, a alíquota interestadual aplicável, cabendo a diferença ao Estado do destinatário, ou seja, a diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Ao mesmo tempo, definiu em suas alíneas "a" e "b", os responsáveis pelo recolhimento do imposto. Na redação anterior, o Difal somente caberia quando o consumidor final (destinatário da mercadoria ou serviço) fosse contribuinte do imposto.

Com efeito, este foi o aspecto inovador trazido pela EC 87/15, ao estabelecer também a exigência do recolhimento do diferencial de alíquota pelo destinatário de bens ou serviços, consumidor final localizado em outro Estado não contribuinte do imposto, e determinando o remetente como responsável pelo recolhimento da diferença entre a alíquota interestadual do Estado de origem e a alíquota interna do Estado do destinatário.

Constata-se, assim, a instituição de uma nova hipótese, ao trazer a cobrança de imposto por meio do Difal que não lhe era aplicado anteriormente.  Esta operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviços apenas se submetia à alíquota interna quando o destinatário, consumidor final, não fosse contribuinte do imposto.

As inovações trazidas pela EC 87/15 somente poderiam ser regulamentadas por lei complementar, estando confirmada esta obrigatoriedade na decisão do STF.

Em consequência disso, a introdução da lei complementar para regulamentar a cobrança do Difal/ICMS deve observar o princípio fundamental da anterioridade, para que não haja surpresa ao novo contribuinte pela nova situação tributária, no tocante à hipótese de incidência instituída.

Embora a EC 87/15 tenha observado tanto o princípio da anterioridade quanto o de noventa dias para a sua vigência, a LC 190/22 não observou o princípio da anterioridade, fazendo menção apenas ao decurso dos noventa dias.

Abaixo, transcreve-se a redação trazida pela EC 87/15, em estrita observação aos princípios citados e obrigatórios, em defesa e proteção ao contribuinte, assim descrita no seu art. 3º:

"Art. 3º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subseqüente e após 90 dias desta." 

Cabe ressaltar que a LC 190/22 veio alterar dispositivos da LC 87/96 (Lei Kandir), introduzindo e regulamentando as alterações de normas trazidas pela EC 87/15 que, embora não tenha instituído um novo tributo, introduziu uma nova hipótese de incidência, materializada pela obrigatoriedade de recolhimento do Difal.

Diante do exposto, não há como se manter a cobrança da situação nova inserta em normas da LC 190/22, que regulamenta dispositivos da EC 87/15, no exercício de 2022, uma vez que, se assim mantida tal cobrança, estariam as unidades Federadas incorrendo em violação ao princípio fundamental da anterioridade, previsto no art. 150, III, "b", da CF/88.

Maria Teresa de Siqueira Lima

Maria Teresa de Siqueira Lima

Especialista em Direito Tributário.

Jorge Rubem Folena de Oliveira

Jorge Rubem Folena de Oliveira

Advogado, graduado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Mestre em direito pela UFRJ. Doutor em ciência política pelo IUPERJ, com Pós-doutorado pelo CPDA/UFRRJ. Diretor do IAB Nacional.

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