Questões relevantes sobre a necessidade da redução da maioridade penal referente ao crimes hediondos
O presente artigo tem como objetivo a análise dos pontos relevantes sobre a maioridade penal perante os crimes hediondos.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022
Atualizado às 09:39
O tema redução da maioridade penal não é novo no direito brasileiro, e tem gerado cada vez mais discussões no meio social, jurídico e político.
Diante da onda de violência atual, a sociedade cada vez mais tem se tornado refém da criminalidade. E tal fato tem gerado gradativa indignação com a "falta de solução", o que faz com que a sociedade parta em busca de soluções mais rígidas da legislação penal e um tratamento consideravelmente mais severo aos criminosos. Atitudes estas que cada dia que passa são mais incentivadas pela mídia.
Quando a Constituição Federal foi redigida no ano de 1988, em seu artigo 228, foi estabelecido que quem tiver menos que 18 (dezoito) anos será considerado penalmente inimputável. Ou seja, perante a lei, estas pessoas não detém uma capacidade de entender o caráter delituoso do fato praticado.
O jovem infrator não está sujeito às normas do Código Penal, mas isso não significa que ele se encontre impune de seus atos praticados. O jovem infrator está sujeito às normas estabelecidas na legislação especial, conforme disposto no artigo 27, do Código Penal. Ou seja, podemos concluir que quem tem menos de 18 (dezoito) anos estará sujeito às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Porém, por ter uma legislação específica que prevê as sanções aos atos delituosos praticados por menores de idade, podemos ver pela mídia - seja ela televisão, jornal impresso ou até mesmo online -, que os jovens estão cada vez mais atuando na prática de atos infracionais, e muitas das vezes em delitos extremamente graves, tais como análogos ao homicídio ou ao tráfico de entorpecentes.
Visando esses casos, vemos crescer o número de debates inerentes à redução da maioridade penal. Debates esses que têm como objetivo encontrar formas mais severas de punir o jovem infrator.
Vale frisar que cada vez mais a sociedade tem como desejo banir de seu convívio aquele indivíduo que acaba gerando uma certa ameaça aos bens jurídicos protegidos pela legislação. Porém, ao banirmos este individuo para o sistema penitenciário, que é considerado para muitos uma "escola do crime"1, estaremos dando a oportunidade a este de indivíduo se tornar cada vez mais perigoso e violento.
Como é de conhecimento geral, o sistema carcerário brasileiro está superlotado, fazendo com que os presos paulatinamente vivenciem situações desumanas. E percebemos também que por mais que os adultos sofram as sanções do Código Penal, que são consideradas mais severas se comparadas às do ECA, não há o desestímulo ao delito.
Por isso podemos chegar à conclusão que reduzir a maioridade penal seria apenas uma solução "mais prática" para atender aos pedidos da sociedade, pois é mais fácil "abandonar" o menor infrator na Fundação Casa do que reeducar, e dar oportunidade para que ele não cometa mais atos infracionais, de forma que se torne um cidadão do bem.
Não devemos utilizar a extrema radicalização e dizer que todos os pontos desfavoráveis à redução da maioridade penal são descartáveis, pois realmente essas opiniões e principalmente os aspectos psicológicos acabam por demonstrar que deve ser tomada toda a cautela com uma possível resolução da problemática apontada.
Podemos entender que a reclusão do indivíduo, pelos princípios constitucionais e legais, tem por objetivo a recolocação dele na sociedade, de uma forma melhorada e bem mais pacífica.
Porém neste aspecto, infelizmente, devido a um sistema prisional falido que não ressocializa, mas sim ajuda a marginalizar ainda mais o indivíduo que se encontra no sistema penitenciário, acaba tornando o sujeito pior do que quando foi inserido na prisão. Como um exemplo disso são as situações em que o cidadão que vai preso por ter cometido um crime de menor potencial ofensivo retorna à sociedade fazendo parte de uma facção criminosa e sendo capaz de cometer crimes ainda mais graves.2
É neste ponto que a resolução da problemática se torna extremamente complicada, pois como foi apontado neste artigo, não estamos discutindo acerca de um indivíduo adulto, com sua formação psíquica e física completa, mas de jovens menores de 18 (dezoito) anos, com desenvolvimento mental incompleto, podendo estes estarem muito mais propícios aos estímulos externos sociais do que um adulto, pois os jovens utilizam outras pessoas como pontos de referência, conforme analisado pelo psicólogo Jean William Fritz Piaget.
E colocar estes menores infratores no sistema penitenciário adulto seria como se estivéssemos inserindo o indivíduo ainda em formação em uma "escola do crime". Infelizmente os presídios brasileiros ensinam os caminhos que não devem mais ser percorridos.
As soluções que o ECA traz, como as medidas socioeducativas, são perfeitas, na teoria. Isso porque todo o processo de fiscalização não ocorre como deveria. Conforme ficou demonstrado na pesquisa feita pelo Instituto Sou da Paz3, 90% dos jovens entrevistados alegam terem sofrido agressões durante a abordagem e/ou apreensão.
Fora que, um dos piores problemas encontrados se revelaria na evolução da mente criminosa, pois se observarmos os casos mais emblemáticos que apareceram na mídia4, tais como o caso Champinha, seja via televisão ou até mesmo nos jornais impressos, podemos reparar que o menor infrator acabou deixando de lado o papel de coadjuvante do ato infracional para se tornar o mandante principal do mesmo, pois ele se apoia na própria legislação especial para garantir impunidade nas medidas penais mais severas que poderiam ser impostas se ele respondesse juridicamente com base no Código Penal.
Isso fica muito claro quando observamos crimes em que o menor se autodeterminou dentro de uma situação em que apesar de saber que aquilo é um ato delituoso e mesmo assim querer consumar, em sua visão, estaria amparado por uma lacuna legislativa, o ECA, que possibilita que o indivíduo menor de idade, mesmo tendo a capacidade de entender que está cometendo um ato delituoso, será punido por uma medida socioeducativa que o deixará recluso por no máximo 3 (três) anos, bem como pelo fato que o ato praticado não será considerado crime, mas sim um ato infracional.
Após analisar os dados apresentados, entendemos pela redução da maioridade penal, porém agora com a ressalva de que para que ocorra tal fato devemos primeiramente modificar o sistema penitenciário brasileiro, para que deixe de ser considerado como "a escola do crime" e passe a ser um local no qual os adultos também consigam se ressocializar.
Em um segundo momento, devemos sim pensar na redução da maioridade penal, mas somente em casos específicos, conforme tratado no presente artigo, mediante laudo pericial médico que comprove que o jovem infrator tem real noção, discernimento do que praticou e, mesmo sabendo que é ato delituoso, teve expressamente a vontade de praticar o ato.
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1 Conforme reportagem feita com o ministro da justiça José Eduardo Cardoso, disponível no site https://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/cardozo-diz-que-presidios-do-pais-sao-escolas-do-crime.html
2 Conforme reportagem feita com o ministro da justiça José Eduardo Cardoso, disponível no site https://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/cardozo-diz-que-presidios-do-pais-sao-escolas-do-crime.html
3 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/08/15/reincidencia-de-adolescentes-infratores-detidos-em-sp-e-de-663-aponta-pesquisa.ghtml
4 https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-matador-adolescente-champinha-e-o-crime-que-chocou-o-brasil/
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulga em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
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Anna Bianca Nascimento
Coordenadora Jurídica do Parada Advogados.