Mesmo com regulamentação temporária, Fiagro é janela de oportunidade inédita no setor agropecuário
Não há dúvidas que os Fiagros permitem maior diversificação nos tipos de ativos para o setor agro, e criam uma janela de oportunidade ímpar, mais acessível e eficiente - tanto para aqueles que desejam ingressar como investidores, como aqueles que têm como objetivo criar um fundo de investimento e atrair cotistas.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022
Atualizado em 18 de fevereiro de 2022 09:01
Os Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) são, seguramente, uma das alternativas de investimento mais interessantes a surgir no Brasil nos últimos tempos.
Recentes (foram instituídos em 2021), ainda não possuem propriamente um arcabouço regulatório definitivo, e tomam por base algumas das regras já estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para veículos de investimento com estruturas similares. Contudo, antes de entrarmos nessa particularidade, convém analisarmos de forma geral no que consiste essa nova opção para investimentos junto ao setor agroindustrial.
A B3, Bolsa de Valores oficial do Brasil, explica de maneira bastante clara os elementos que compõem esse tipo de fundo. Trata-se da junção de recursos de vários investidores para aplicação em ativos de investimentos do agronegócio. As movimentações podem ser voltadas tanto ao aporte para imóveis rurais, relacionados à produção do setor ou ao financiamento direto do setor. Aos moldes de outros fundos, os administradores/coordenadores realizam a captação de recursos por meio da oferta de suas cotas no mercado.
O Fiagro foi criado a partir da lei 14.130/21, que alterou a lei 8.668/93, justamente a lei que regra os Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Já em decorrência da Resolução CVM 39, que tratou do registro do Fiagro de forma temporária e em caráter experimental, a partir de 1º de agosto do ano passado a CVM passou a admitir o registro dos Fiagros.
Percebemos inclusive um crescente interesse na estruturação de Fiagro. Só na B3 já existem quase 20 registrados.
Considerando que os Fiagros compartilham da mesma lei que criou os FII, é de se esperar que os dois instrumentos sejam bem parecidos. Ocorre que, se comparado com o possível portifólio de investimentos dos FII, os Fiagros possuem atuação mais ampla, pois poderão investir em ativos que antes eram exclusivos de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e Fundos de Investimento em Participações (FIP), além dos investimentos em imóveis rurais.
Vale ressaltar que a política de investimento disposta no regulamento do Fiagro deve ser plenamente aderente às regras de composição e diversificação de carteira de ativos aplicáveis à categoria na qual o fundo for registrado. Dessa forma, os Fiagro-Direitos Creditórios deverão investir em direitos creditórios do agronegócio, os Fiagro-Imobiliários em ativos imobiliários, incluindo CRA (certificados de recebíveis do agronegócio) e LCA (letras de crédito do agronegócio), enquanto que os Fiagro-Participações em participações societárias em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial.
Muito embora a lei 14.130/21 preveja a possibilidade de constituição de um Fiagro híbrido, ou seja, que tenha como política de investimento a possibilidade de investimento em mais de um ativo tratado acima, até que haja a regulamentação definitiva dos Fiagros pela CVM essa faculdade não poderá ser aplicada.
O potencial de atingir um público investidor maior está também no fato de que os Fiagros são isentos de imposto de renda para os rendimentos distribuídos para pessoa física, desde que atendam requisitos como a necessidade de suas cotas serem negociados em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado, e que o fundo possua no mínimo 50 cotistas. Não se aplica referido benefício para o cotista titular de mais de 10% das cotas emitidas, ou cotas que lhe garantam direito de recebimento de rendimentos do fundo em percentual superior a 10%.
Também é propício comentar que além dos investimentos em ativos imobiliários, é possível que o Fiagro invista nas atividades econômicas propriamente ditas, como as plantações e pecuária, ou nas atividades correlacionadas, tais como armazenamento/silagem.
Mas, se esse tipo de investimento - longe do ambiente agro - não era exatamente uma novidade, qual o real potencial de mudar a maneira como o setor recebe aportes, e como investidores entram nesse mercado?
Em primeiro lugar, abre-se uma janela de oportunidade para um setor que, de acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), em parceria com a CNA, foi responsável por praticamente um quarto - ou mais precisamente, 26,6% do PIB brasileiro em 2020, crescimento de 6,1% daquilo que registrou em 2019.
É esse o setor que, precisamente, recebe agora mais gestão e modernização para atender a demandas como as ESG (na sigla em inglês, tendências de meio ambiente, sociais e de governança), e transformações tecnológicas como a chegada do 5G. Se isso já estava acontecendo por conta das mudanças geracionais na administração e as ferramentas digitais, essa revolução deve ser acelerada por esse novo modo de investir, uma vez que haverá maior disponibilidade de recursos .
Mas existem outros fatores que apontam 2022 como "o ano do Fiagro".
Um deles é a alta taxa de juros atrelada aos CDI (certificados de depósito interbancários). Esses mesmos juros afetam CRI (certificados de recebíveis imobiliários) e CRA, que por sua vez são objeto de investimento pelos Fiagros. Além disso, o setor do agronegócio também sofre efeito da flutuação do dólar. Como o setor depende fortemente da exportação de produtos, o câmbio mais alto da moeda norte-americana também é um atrativo, o que favorece os Fiagros.
Há também um crescente interesse da população em geral em começar a investir. Em janeiro deste ano, o número de pessoas físicas com contas abertas em corretoras brasileiras para investir em renda variável atingiu a marca de 5 milhões. Entre 2020 e 2021, o investimento em ações teve aumento de 30%, chegando a 3,1 milhões de CPFs, segundo a B3. Além disso, o investimento em renda variável está cada vez mais popularizado: em dezembro de 2021, a mediana do primeiro investimento na B3 atingiu o menor valor desde 2014 (R$ 44).
Ou seja, a expectativa é que mais players além de bancos e o setor público possam investir e receber remuneração com base em um setor que representa basicamente um quarto do PIB brasileiro. É, portanto, uma ferramenta que beneficia toda a indústria do agronegócio, que podem dispor de mais linhas de financiamento para além dos bancos e setor público.
O cenário agora é de espera em relação à regulamentação definitiva do Fiagro. Fato é que não há dúvidas que os Fiagros permitem maior diversificação nos tipos de ativos para o setor agro, e criam uma janela de oportunidade ímpar, mais acessível e eficiente - tanto para aqueles que desejam ingressar como investidores, como aqueles que têm como objetivo criar um fundo de investimento e atrair cotistas.
José Roberto Meirelles
Advogado em Mercado de Capitais, Fundos de Investimento e Securitização. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (2009). LL.M. Master of Laws - Mestrado em Direito - pela University College London - UCL em Londres - UK (2018-2019).
Nicolas Aires de Paiva
Advogado especializado em Direito Imobiliário. Reconhecido pela Chambers and Partners (2021) como um dos advogados mais admirados na área. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.