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Solução de consulta COSIT 183/21 e o momento de tributação do indébito tributário reconhecido judicialmente

Não estando ainda quantificado o crédito e operacionalizada a sua utilização pelo contribuinte inexiste o acréscimo patrimonial e a exteriorização de capacidade contributiva que valide a tributação.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Atualizado às 08:33

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A finalização do julgamento do tema 69 pelo STF, com o reconhecimento da inconstitucionalidade da inclusão do valor do ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins, trouxe à lume as controvérsias sobre o momento da tributação, pelo IRPJ e pela CSLL, do indébito tributário reconhecido por decisão transitada em julgado.

O art. 531, da lei 9.430/96 determina que as pessoas jurídicas tributadas pelo IRPJ e CSLL, na sistemática do lucro real e regime de competência, devem adicionar o valor recuperado de indébito, na hipótese em que o tributo indevidamente recolhido ter sido deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL como despesas operacionais, em período anterior.

A literalidade da norma, contudo, não define em qual momento os valores recuperados devem ser tributados pelo IRJP e CSLL.

A Receita Federal formalizou o seu entendimento sobre essa questão através do ato declaratório interpretativo SRF 25/03, no qual consignou:

"Art. 5º Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.
§ 1º No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL:
I - na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou
II - na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução."

Haveriam, assim, duas situações distintas para a definição do momento da tributação do indébito: (i) a decisão judicial é líquida e determina o valor a ser restituído, o que traria a necessidade de tributação já no trânsito em julgado; e, (ii) a decisão judicial é ilíquida e não há faz juízo de valor quanto ao montante a ser recebido pelo contribuinte, o que determinaria a tributação para o momento do julgamento de eventuais embargos à sua execução ou da expedição do precatório.

No caso de execução judicial do indébito tributário, não haveria maiores dúvidas ou problemas, vez que a Receita Federal vinculou a tributação à momentos em que o valor do crédito se torna indiscutível, seja pela trânsito em julgado da decisão de eventuais embargos à execução ou pela expedição do precatório, quando inexistente os embargos.

Entretanto, grande parte dos indébitos reconhecidos por decisão judicial não possuem os valores previamente liquidados e são recuperados recuperação pelos contribuintes operacionalizada pelo procedimento de compensação, via DCOMP - Declaração de Compensação.

Exatamente nesses casos que a controvérsia se tornou mais relevante, por força do entendimento da Receita Federal de que o simples trânsito em julgado da decisão que reconhece o indébito tributário já o tornaria líquido e certo, no caso de sua compensação administrativa. A partir da visão de que, com a decisão judicial, a utilização do crédito para compensação se tornou um direito potestativo do contribuinte, independente do juízo e da própria administração.

Nesse sentido:

"39. Inicialmente, ressalte-se que o direito à compensação é um direito potestativo, ou seja, um direito que é exercido pelo seu titular sem a necessidade de colaboração pelo devedor, já que a principal característica desse direito é o estado de sujeição que o seu exercício cria para a outra parte. Assim, um vez transitada em julgado a sentença, a contribuinte poderá exercer o direito à compensação declarado judicialmente sem a necessidade de anuência ou de qualquer ato prévio da administração tributária, sendo que qualquer apreciação que a administração faça da declaração de compensação prestada pela contribuinte, deverá ser procedida à luz do que fora decidido judicialmente."2

"9.4. Note-se que é exatamente o fato de já estar incorporado ao patrimônio do sujeito passivo, como direito exigível, o crédito passível de compensação, isto é, de já estar configurada a disponibilidade de rendas ou proventos - portanto, ocorrido o fato gerador do IRPJ e da CSLL -, que possibilita ao sujeito passivo exigir do fisco a prática do ato vinculado de habilitação de seu crédito para efeito de compensação. E, conforme já exposto, é na data do trânsito em julgado da sentença judicial que reconheça o direito à compensação que ocorre a incorporação desse direito ao patrimônio do sujeito passivo, isto é, que se configura a disponibilidade de rendas ou proventos."3

Entretanto, apesar do trânsito em julgado da decisão judicial efetivamente configurar como potestativo (incontroverso) o direito ao indébito tributário, tal fato, por si só, não torna o direito líquido e muito menos configura a existência de sua disponibilidade jurídica ou econômica.

Na maioria das ações nos quais o contribuinte pleiteia o reconhecimento do indébito tributário não há a análise e deliberação a respeito do quantum do crédito a ser recuperado. Inclusive porque é comum que essa discussão ocorra no âmbito do mandado de segurança. Não por outro motivo é antiga a pacificação do entendimento do STJ de que é possível o reconhecimento do indébito e a declaração do direito do contribuinte à sua compensação, sem que haja a quantificação do crédito. Nesse caso, essa análise será efetuada pela administração tributária no processamento da compensação4.

A certeza e liquidez do indébito, no caso de decisões judiciais meramente declaratórias, fica a depender da sua apuração, o que demanda o levantamento de documentos e informações fiscais por parte do contribuinte, que possuí cinco anos do trânsito em julgado para operacionalizar o aproveitamento do indébito.

Inclusive, o direito declarado pode se tornar inexequível, por exemplo, em situações que o contribuinte, por algum motivo, não localiza os documentos contábeis e fiscais necessários à sua apuração e comprovação. Ou ainda, quando, por inércia, deixa prescrever o direito ao aproveitamento administrativo do crédito.

Apesar desse contexto, o entendimento de que, no caso de indébito a ser compensado, o seu oferecimento à tributação pelo IRPJ e CSLL deve se dar a partir do trânsito em julgado da decisão judicial, vinha sendo aplicada de forma padronizada pela Receita Federal.

Esse estado de coisas gerou conflitos entre o Fisco e os contribuintes, que foram sendo julgados pelo CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, cujo jurisprudência tem evoluído no sentido de que o regime de competência deve ser compatibilizado com os princípios da capacidade contributiva e da razoabilidade, tendo em vista as características dos casos concretos.

A questão que tem sido mais analisada no CARF se refere ao oferecimento à tributação de valor de indébito corporificado em precatório.

Cite-se, por exemplo, o acórdão 1402-001.705, no qual a turma julgadora do CARF diferenciou a disponibilidade da renda com o regime de reconhecimento de receitas, tendo sido consignado que: "somente resta caracterizada a receita do beneficiário do precatório na medida em que as despesas foram efetivamente empenhadas e pagas pela União. Trata-se, na realidade de adaptação da aplicação do regime de competência ao caso concreto: as receitas devem ser reconhecidas à medida em que se tornam despesas incorridas para o Poder Público"5.

No âmbito do Judiciário, identificam-se precedentes que avaliaram a questão do crédito vinculado a decisão judicial ilíquida, com o reconhecimento que nesse caso não há disponibilidade da renda no momento do trânsito em julgado.

Localizam-se precedentes que afastam a exigência do oferecimento à tributação quando do trânsito em julgado da decisão que reconheceu o indébito. Excluída essa hipótese, as decisões transitam em duas linhas, uma que vincula a tributação à habilitação do crédito junto à Receita Federal e, outra, à posterior homologação, expressa ou tácita, da compensação administrativa.

O TRF da 3ª região tem precedentes no sentido de que o crédito reconhecido por sentença ilíquida "somente estará disponível para utilização em favor do contribuinte após a homologação do seu pedido de habilitação de crédito. (...). Assim, (...), os valores reconhecidos pela decisão judicial não são certos, líquidos e exigíveis, de forma que a disponibilidade jurídica ou econômica da renda, como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorrerá somente no momento da homologação da compensação pelo Fisco e que, portanto, somente nesse momento será devido o IRPJ e a CSLL"6.

Ainda nessa linha, já decidiu-se que "à míngua da liquidez do crédito tributário reconhecido no mandado de segurança, a caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorrerá somente no momento da homologação da compensação pelo fisco"7.

O TRF da 5ª região também já manifestou o entendimento de que "não há como serem exigidos tributos no momento do trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito à compensação", quando a sentença for ilíquida, visto que as bases de cálculo são "incertas e ilíquidas"8.

Em sentido oposto, identifica-se no TRF da 2ª região posicionamento na linha de que "uma vez transitada em julgado a sentença de mandado de segurança que reconhece crédito compensável, já nesse momento ocorre aquisição de disponibilidade jurídica e/ou econômica da renda ou da receita, embora a disponibilidade financeira vá ocorrer em momento posterior, com a efetivação da compensação"9.

A análise da jurisprudência administrativa e judicial permite se identificar a prevalência de decisões afastando a aplicação do ato declaratório interpretativo SRF 25/03, na situação em que o crédito não se apresenta líquido no momento do trânsito em julgado da decisão que reconheceu o indébito.

O fato novo e relevante, nessa questão, foi a edição da solução de consulta COSIT 183/2110, de 7/12/21, na qual a Receita Federal trouxe novo posicionamento, que pode ser resumido pelas passagens abaixo:

"46. O indébito tributário da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins deve ser oferecido à tributação do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.
47. Na hipótese de compensação de indébito tributário da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado nas quais em nenhuma fase do processo foram definidos pelo juízo os valores a serem restituídos, é na entrega da primeira Declaração de Compensação, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado, que o indébito deve ser oferecido à tributação do IRPJ e da CSLL.
48. A receita decorrente dos juros de mora devidos sobre o indébito tributário deve compor as bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep no período em que for reconhecido o indébito principal que lhe dá origem. A partir desse momento, os juros incorridos em cada mês devem ser reconhecidos pelo regime de competência como receita tributável do respectivo mês."

É inequívoco o avanço, em termos de segurança jurídica e de se evitar litígios desnecessários, com o reconhecimento do fisco de que a tributação do indébito decorrente de decisão judicial ilíquida apenas poderá se dar quando houver a certeza e liquidez do crédito a ser restituído. Reconhecendo que se a certeza decorre da existência da sentença transitada em julgado; a liquidez, por sua vez, somente se dá com a apuração do indébito pelo contribuinte e a sua declaração e operacionalização através da primeira declaração de compensação11.

Corretamente, reconheceu-se que a habilitação prévia do crédito não tem o condão de aferir certeza e liquidez ao crédito, por não ter por objetivo analisar o quantum creditório e também não interromper a prescrição. Mesmo após a habilitação, a utilização ou não do crédito e em que montante é decisão exclusiva do contribuinte.

Duas questões, contudo, ainda remanescem e devem ser consideradas.

A primeira, de que o STF no julgamento do RE 1.063.187, tema 962, reconheceu que a SELIC que corrige o valor do indébito tributário não é tributada pelo IRPJ e CSLL, por se não se enquadrar no conceito de renda (acréscimo patrimonial), uma vez que apenas recompõe o valor da moeda em face da inflação.

Esse mesmo raciocínio deve ser aplicado ao PIS e à Cofins, uma vez que a recomposição do valor da moeda não implica em aferimento de receita nova, mas apenas traz o patrimônio existente a valor real. O STF não analisou essa tese, mas existem bons argumentos para os contribuintes pleitearem o direito de não tributar o valor da SELIC também para o PIS e a Cofins.

A segunda, a possibilidade de se defender que somente depois da expressa ou tácita homologação da declaração de compensação haveria a certeza do direito creditório, com a sua confirmação definitiva, o que consideramos ser uma linha de raciocínio defensável.

Contudo, no nosso entendimento, com a apresentação da declaração de compensação o contribuinte confirmou o valor do crédito que entende fazer jus e procedeu à sua utilização, com os efeitos econômicos e jurídicos correspondentes, principalmente a extinção do débito compensado, vinculado a condição resolutória.

O que não se adequa à competência constitucional para a tributação da renda é a anterior pretensão da União de tributar a repetição de indébito no momento do trânsito em julgado da decisão judicial e antes que haja a quantificação do valor do crédito e a sua utilização pelo contribuinte.

Não estando ainda quantificado o crédito e operacionalizada a sua utilização pelo contribuinte inexiste o acréscimo patrimonial e a exteriorização de capacidade contributiva que valide a tributação.

A solução de consulta 183/21 é um importante passo para a redução de litígios tributários, com o estabelecimento de um posicionamento fiscal convergente com a regra matriz de incidência do IRPJ e da CSLL e com o pressuposto da capacidade contribuinte. Também confirma a importância de os contribuintes defenderem os seus direitos, contribuindo com o aprimoramento da própria administração tributária.

_____

1 Art. 53. Os valores recuperados, correspondentes a custos e despesas, inclusive com perdas no recebimento de créditos, deverão ser adicionados ao lucro presumido ou arbitrado para determinação do imposto de renda, salvo se o contribuinte comprovar não os ter deduzido em período anterior no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro real ou que se refiram a período no qual tenha se submetido ao regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado.

2 Solução de divergência COSIT 19/03. Disponível aqui.

3 Solução de consulta DISIT 233/07. Disponível aqui

4 REsp 1.715.256/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/2/19, DJe 11/3/19.

5 Processo administrativo 10480.728395/2012-59, acórdão 1402-001.705, 2ª TO da 4ª Câmara da primeira seção, relator (a): Conselheiro (a) Fernando Brasil de Oliveira Pinto. Data da sessão: 3/6/14. Data da publicação: 16/7/14.

6 TRF 3ª região, 3ª turma, ApCiv - apelação cível - 5004691-74.2019.4.03.6114, rel. desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 24/07/2020, Intimação via sistema DATA: 29/07/20.

7 TRF 3ª região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5033080-78.2019.4.03.0000, rel. desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 1/6/20, Intimação via sistema DATA: 5/6/20.

8 PROCESSO: 08107154820194058400, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 2/7/20.

9 TRF 2ª região, 3ª turma especializada. Apelação - 5003279-88.2020.4.02.5116, rel. Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM, julgado em 17/8/21.

10 Disponível aqui. Acesso em: 8/2/22.

11 Cite-se trecho da Solução de Consulta COSIT 183/21: "(...). Isso porque é nesse momento em que o contribuinte exterioriza o montante de crédito a que tem direito decorrente dessa sentença. Tem-se, então, um direito certo - elemento que decorre do trânsito em julgado da decisão - e quantificável - elemento que decorre do montante integral a que tem direito, declarado na primeira Declaração de Compensação".

Alessandro Mendes Cardoso

Alessandro Mendes Cardoso

Sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

Bernardo Fenelon

Bernardo Fenelon

Advogado do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

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