A visão sistêmica e a lei geral de proteção de dados
O caminho saudável é a regulação consciente do dever cumprido em conformidade com os ditames legais e sociais.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
Atualizado às 10:24
Durante o início do século XX, os biólogos iniciaram amplos estudos comparando o funcionamento dos organismos vivos com os sistemas sociais. Foi então, que a palavra "sistema" passou a ser utilizada, como forma de compreensão de um fenômeno capaz de representar um contexto maior.
Compreender as coisas sistematicamente passou a ganhar força no contexto social, de modo que a percepção analítica perdeu espaço.
Através de uma nova perspectiva, observou-se que as células se combinam para formar tecidos, tecidos para formar órgãos e órgãos para formar organismos, tudo interligado ponto a ponto.
A mesma linha de raciocínio foi verificada dentro dos sistemas sociais e do ecossistema, gerando, assim, uma nova maneira de pensar, na qual termos como conexidade, relações, padrões e contexto, tornaram-se realidade.
Surgiu a visão sistêmica onde as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, propriedades que nenhuma das partes possui. O todo não funciona bem se os pontos não estiverem interligados perfeitamente, valendo citar como exemplo o próprio corpo humano, onde o coração não vai bem, caso os rins não estejam em paz.
A teoria quântica reforçou ainda mais a visão sistêmica desenvolvida pelos biólogos, na medida em que mostrou, cientificamente, que o mundo não pode ser analisado com elementos isolados.
No final do século XX, com o avanço tecnológico e surgimento da internet, o sistema social foi transformado de maneira abrupta, onde a circulação das informações passou a ocorrer em fração de segundos. A velocidade foi acompanhada, também, da preocupação com as informações pessoais, que passaram a circular no mercado, transformando-se em ativo financeiro.
A resposta da sociedade veio, para o Brasil, com a recente criação da Lei Geral de Proteção de Dados, que tem a dupla função de não só garantir a privacidade e outros direitos fundamentais, mas também o de fomentar o desenvolvimento econômico.
A Lei Geral de Proteção de Dados, assim como o regulamento europeu, destina-se a proteger de eventuais danos no tratamento dos dados pessoais e dados pessoais sensíveis, sendo que tal proteção não se restringe apenas aos meios digitais, mas também em contratos e outros documentos escritos por meios físicos.
O art. 5º da Lei 13.709/18 destaca que o banco de dados consiste em um conjunto estruturado de dados em suporte eletrônico ou físico.
A Lei Geral de Proteção de Dados cria um marco legal para a proteção de informações pessoais, sendo que o seu principal papel é o de conferir maior controle sobre o uso das informações pessoais.
A legislação brasileira não traz parâmetros mínimos para a obrigatoriedade do registro de atividades de tratamento de dados pessoais, estando todas empresas que tratam dados pessoais ou dados pessoais sensíveis, sujeitas ao registro na legislação brasileira.
Registre-se que tais aspectos ainda necessitam de regulamentação pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, porém o papel fiscalizador vem sendo exercido, atualmente, pelos Procons estaduais e Federais, utilizando-se dos parâmetros previstos na Constituição Federal e Código de Defesa do Consumidor.
Quem estiver lendo esse breve artigo, já deve ter em mente qual seria a razão de falarmos de visão sistêmica e Lei Geral de Proteção de Dados.
Deixamos claro, que a idéia aqui não é a de questionar o aspecto legal da LGPD, mas o de colocar a chama da mudança de consciência daqueles que atuam no mercado e que necessitam cuidar dos dados pessoais.
A visão sistêmica e a LGPD estão intimamente ligadas ao propósito do negócio que é desenvolvido, na medida em que o empreendedor deve estar ciente e consciente de que o mundo de negócios funciona como um organismo vivo, que vai e vem e se desenvolve com o passar do tempo. O que é feito hoje, será reflexo amanhã, retornando ao ponto de origem.
Aquele que se organizar adequadamente, tratar os dados dos usuários e consumidores, trará bases seguras ao seu próprio empreendimento, com a consciência tranquila de que seu negócio não estará inserido no mercado negro do tráfico de dados pessoais.
Implementar um sistema de proteção de dados, apenas com o viés do medo de não ser punido, é pensar pequeno, é ficar preso à bolha que não lhe deixa expandir. Os reflexos positivos daqueles que tratam os usuários consumidores com o devido respeito e transparência são vistos hoje no mercado de capital, onde empresas buscam, a cada dia, melhorar sua imagem junto ao público, valorizando, assim, o próprio negócio.
Por outro lado, aqueles que não se adequarem, correm o risco de serem extremamente prejudicados pelo fluxo inverso de sua inércia ou atitude. É fácil imaginar os terríveis danos ocasionados por uma companhia que se envolve num escândalo concernente à Proteção de Dados, uma vez que estamos diante de um dano que atinge não só a dignidade da pessoa humana, mas também à coletividade.
Portanto, o objetivo aqui é o de convidar os atores e empresas envolvidas na proteção de dados a se conscientizar que o melhor caminho é trata-los, conferindo transparência e respeito não só ao seu negócio ou projeto como um todo, sabendo que o seu pensamento sistêmico será refletido em sua rede de dados pessoais e consequentes clientes.
Parece simples, mas é um passo de coragem, de investimento a longo prazo, de proteção de seu próprio negócio, do sistema vivo que está em suas mãos, valendo observar que aqueles que não deram o tratamento escorreito no campo ambiental, colheram frutos podres e enormes prejuízos na bolsa de valores.
No cenário atual, o próprio mercado financeiro avalia se a empresa vem sendo administrada de acordo com as normas legais, princípios de sustentabilidade e bons costumes, de modo que o modo de operar da companhia passa a ter valor agregado ao próprio negócio.
Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão sistêmica e a Lei Geral de Proteção de Dados, conclui-se que o caminho saudável é a regulação consciente do dever cumprido em conformidade com os ditames legais e sociais.
Márcio Vinícius Costa Pereira
Advogado com 30 anos de experiência. Procurador da ANP durante a gestão de David Zilberstein. Advogado Sênior do Escritório Tozzinifreire durante 7 anos. Sócio do Escritório Villemor Amaral por 11 anos. Durante os últimos 20 anos, foi responsável pela conta de grandes clientes, com destaque no setor aéreo, consumidor e energia. Atualmente, é sócio do escritório PFA - Pereira França Arantes Advogados.