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10 anos da lei contra abusadores sexuais: uma interseção a partir de Rubem Alves

Da vulnerabilidade da vítima ao elastecimento do prazo prescricional.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Atualizado às 12:29

(Imagem: Arte Migalhas)

A chamada lei Joanna Maranhão está prestes a completar 10 anos. A data, que é digna de celebração social e jurídica, promoveu significativas mudanças legislativas mormente ao Código Penal, pois houve a partir de então, mais respaldo e segurança às crianças e adolescentes vítimas de crimes contra a dignidade sexual.

Notadamente, com o advento da citada lei (12.650/12), estabeleceu-se um novo prazo prescricional para esses delitos. Passou-se então, a admitir que a vítima noticie o crime em até 20 anos depois de completar dezoito anos de idade (se nesse tempo já não tiver sido iniciada a ação penal).

Ou seja, se a vítima foi estuprada com 12 anos de idade, por exemplo, a nova lei garantiu o direito (e quiçá uma nova oportunidade) de descortinar esses acontecimentos por mais tempo, provendo assim - conforme acréscimo do inciso V ao art. 111 do Código Penal -, maior efetividade à lei penal.

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:  

V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

Destaca-se que Joanna Maranhão é considerada uma das maiores atletas brasileiras de natação e, lamentavelmente, foi abusada sexualmente pelo seu treinador quando tinha nove anos, somente. Na fase adulta, como o crime já era prescrito, a ativista Joanna promoveu uma incessante busca por direitos que ensejou tamanha mudança no ordenamento penal brasileiro.

Assim, crimes como esse sofrido por Joanna perpassam os abalos físicos, psíquicos e mentais. Um tipo de violência gravíssima e ultrajante que, por vezes, é impune justamente por conta da vulnerabilidade da própria vítima! Vitimada, é silenciada numa silenciosa maldição por, simplesmente, "ser criança ou adolescente" e, por isso, tem reduzida sua capacidade de se defender - e também, depois -, de meramente viver! Aliás, a própria nadadora Joanna relatou que tentou suicidar-se duas vezes por conta de forte depressão.

Afinal, o que seria viver, crescer, amadurecer querendo com alguém se envolver, depois de padecer, sofrer e apodrecer nesse verdadeiro recrudescer?! A propositada rima, de cuja pretensão poética beira a literatura de Rubem Alves, visa a interseção com o poema "Crianças" do famoso Mineiro:

"As crianças ignoram os relógios. Os relógios têm a função de submeter o tempo do corpo ao tempo da máquina. Mas as crianças só reconhecem os seus próprios corpos como marcadores do seu tempo. Se as crianças usam relógios, elas os usam como se fossem brinquedos. Que maravilhosa subversão! Usar a gaiola do deus Chronos como brinquedo de Kairós, o deus do tempo da vida." (Livro: "Do universo à jabuticaba", Rubem Alves. Ed. Planeta do Brasil. SP.2010)

Por fim, o tempo. Mais tempo para que - no alto dos seus 10 anos ainda incompletos da lei -, a espada da Justiça possa cumprir seu simbolismo de misericórdia ao Bem e punição ao Mal.

Thiago de Miranda Coutinho

VIP Thiago de Miranda Coutinho

Jornalista - Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em SC, graduando em Direito (Univali) e Coautor de 3 Livros. Instagram: @miranda.coutinho_

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