Lei de Improbidade Administrativa e o dolo específico
A nova lei de improbidade administrativa trouxe diversas mudanças, uma delas foi a exclusão da conduta culposa, no entanto, a conduta dolosa genérica não sana os requisitos para que seja configurada a improbidade.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
Atualizado em 28 de janeiro de 2022 13:45
Em 2021 foi aprovada a nova lei de Improbidade Administrativa, que entre suas disposições, contava com a exclusão da conduta culposa, porém, apesar de não ser mencionado, o dolo genérico também não consegue configurar a conduta da improbidade, sendo necessário o dolo específico.
Dolo genérico e dolo específico:
De primeira forma, devemos diferenciar a conduta dolosa genérica de sua forma específica, sendo o dolo genérico aquele que o agente da ação não possui uma finalidade específica, além da vontade de praticar uma conduta típica, já o dolo específico é aquele que o agente possui a vontade de praticar uma conduta típica, buscando uma finalidade ou um resultado em especial.
Para exemplificar as condutas dolosas, podemos citar Guaracy Moreira Filho, que em sua obra, caracteriza o dolo genérico como:
"dolo genérico: vontade de concretizar o tipo, de realizar a conduta punível, sem uma finalidade especial;"
Também podemos observar a definição do autor sobre o dolo específico:
"dolo específico: vontade do agente dirigida a um fim, como abandonar recém-nascido para ocultar desonra própria; o fim de apropriar-se no esbulho possessório; de satisfazer interesse pessoal na prevaricação etc. (...)"
Com os exemplos acima podemos notar que a conduta do agente vai além da mera vontade, sendo para esta tão importante quanto, se não, mais importante, a obtenção do resultado específico.
E o que a nova lei indica sobre o fato?
A nova lei:
A nova lei de improbidade administrativa, indica em seu art. 1º, § 2º o seguinte:
"Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta lei.
(...)
§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta lei, não bastando a voluntariedade do agente"
Podemos notar na redação a indicação de que não basta voluntariedade na conduta do agente, sendo necessário a consciência de alcançar o resultado ilícito.
Inclusive, sendo este o próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça que a conduta dolosa é indispensável para a caracterização de qualquer proveito pessoal ilícito:
"DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO MPF CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO MINISTRO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO A AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA PARTE DEMANDADA, PARA RESTABELECER PRIMEIRO ACÓRDÃO DO TJ/RJ, QUE ABSOLVEU O RÉU DAS ACUSAÇÕES EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ALEGADA CONDUTA ÍMPROBA. (...)
3. Reafirmação do entendimento do Relator de que toda e qualquer conduta, no afã de ser encapsulada como ímproba, exige, como elementar, o apontamento de prática dolosa, maleficente e especificamente dirigida ao enriquecimento ilícito, ao dano aos cofres públicos e à lesão da principiologia administrativa, não havendo falar-se em improbidade culposa. 4. Inegavelmente, conduta dolosa, proveito pessoal ilícito, lesão aos cofres públicos e ofensa aos princípios nucleares administrativos são as elementares da improbidade administrativa. A manifestação judicial que afaste quaisquer desses elementos resulta em ausência do tipo (AgInt no Resp. 922.526/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 3.4.2019). 5. (...). A decisão agravada, que restabeleceu a absolvição, não merece reproche algum. 8. Agravo Interno do Órgão Acusador desprovido. (...). (STJ - AGINT NO ARESP 225.531/RJ - 1ªT - DJE 28/06/2019) (Original sem grifos e sem omissões)"
Implicações:
Claramente, ao ter sido aprovada, a responsabilização pela improbidade administrativa se tornou menos viável, já que os dispostos dos arts. 9º (enriquecimento ilícito), 10º (prejuízo ao erário) e 11 (atos contra a administração pública), não vão depender apenas da conduta voluntária, ou seja, do desejo de realizar a ação, mas também do resultado ensejado pelo agente.
Conclusão:
A muito o que se falar sobre a nova lei de improbidade administrativa, desde suas exclusões quando as adições, mas é de se notar a amplitude de sua redação, e a ausência de certa clareza em momentos.
Em relação ao dolo específico, enquanto faz sentido, de certa forma, o desejo do agente de obter um resultado próprio, não se pode negar que a exclusão do dolo genérico de seus quadros deixa o agente que ainda assim praticou uma conduta típica não recebendo as sanções necessárias, o que pode danificar a própria Administração.
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https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/crime-dolo-e-crime-culposo/crime-doloso
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/423/edicao-1/dolo
https://www.anpr.org.br/images/2021/08/ARTIGO_SOBRE_PL_1087_-_RITA_E_ADRIANO.pdf
https://tce.pb.gov.br/noticias/stj-improbidade-administrativa-desonestidade-na-gestao-dos-recursos-publicos
https://www.in.gov.br/em/web/dou/-/lei-n-14.230-de-25-de-outubro-de-2021-354623102
FILHO, Guaracy Moreira Código Penal Comentado, 6ª edição. Editora Rideel, 2017