Legitimidade da cobrança do Difal, sem solução de continuidade: correta interpretação da LC 190/22
Pela ausência de sanção e publicação da LC Federal de normas gerais até o final de 2021, alguns tributaristas afirmam que a cobrança do Difal nas operações e prestações interestaduais, com destino a consumidores finais não contribuintes do ICMS, só poderá ocorrer em 2023, ou, ainda, após o transcurso do prazo de 90 dias nela previsto.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
Atualizado às 19:12
Em 24/02/21, o STF decidiu, no julgamento conjunto da ADIn 5.469 e do RE 1.287.019, que a eficácia das leis estaduais que estipulam a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS, conforme introduzido pela EC 87/15, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais. A Corte modulou os efeitos dessa decisão, determinando, como regra, sua aplicação a partir de janeiro de 2022, ressalvadas as ações judiciais em curso na data do julgamento.
Estava para sanção do presidente da República o projeto de LC 32/21, do Senado Federal (substitutivo da Câmara dos Deputados). A proposta, que altera a Lei Kandir (LC 87/96), soluciona a regulamentação a partir de 2022 em razão da referida decisão do STF.
Em decorrência da ausência de sanção e publicação da LC Federal de normas gerais até o final de 2021, alguns tributaristas, de forma apressada, têm dito que a cobrança do Difal nas operações e prestações interestaduais com destino a consumidores finais não contribuintes do ICMS só poderá ocorrer em 2023, ou, ainda, após o transcurso do prazo de 90 dias nela previsto. Fundamentam-se, em geral, em dois argumentos, invocados individual ou conjuntamente: a) a CF/88, nas alíneas b e c do inciso III do caput do art. 150, imporia aguardar o exercício financeiro seguinte; b) o próprio veículo introdutor de normas gerais preveria expressamente, vide art. 3º do projeto de LC 32/21 (substitutivo da Câmara dos Deputados), mantido no art. 3º da LC 190/22, devessem ser atendidos, conjuntamente, o prazo de noventa dias e o exercício financeiro subsequente à edição dele, como condições de eficácia da tributação.
Pelas regras da anterioridade tributária, a União, os Estados, o DF e os municípios estão proibidos de cobrar qualquer tributo no mesmo exercício financeiro ou antes de noventa dias da data de publicação da lei que os institui ou aumenta.
Em relação ao ICMS, o ente competente para instituir o tributo é o Estado ou o DF (art. 155, II, da CF/88). A União, em relação a esse tributo, apenas veicula normas gerais, seja por força do art. 146 do texto constitucional, seja por força de disposições específicas do ICMS, especialmente o art. 155, §2º, XII.
No que diz respeito ao ICMS, a lei apta a instituí-lo ou majorá-lo - e é essa lei de que trata o art. 150, III, b, e c, quando dispõe sobre as anterioridades - é a estadual, não a da União, mera veiculadora de normas gerais.
Portanto, não faz qualquer sentido dizer que a LC Federal deveria obedecer a anterioridades comum e nonagesimal por força do art. 150, III, b e c, da CF/88. Aliás, tributaristas de renome nacional, embora defendam a cobrança do Difal a consumidor final não contribuinte dever se submeter à anterioridade anual (ou comum) e à nonagesimal, aduzem isso decorrer da vontade expressa do próprio legislador complementar federal, não por força de incidência de regras constitucionais.
Com a devida licença a referidos articulistas, mesmo o argumento de que o próprio veículo introdutor de normas gerais imporia expressamente (vide art. 3º do projeto de LC 32/21, no substitutivo da Câmara dos Deputados aprovado pelo Senado, ou art. 3º da LC 190/22), como requisitos para a cobrança do Difal, o prazo de noventa dias a contar da publicação da lei complementar federal e, cumulativamente, o exercício seguinte ao de referida publicação, não pode prosperar. As razões para isso são muitas.
Primeiro: não se pode admitir que lei Federal estipule novas limitações constitucionais ao poder de tributar dos Estados e do DF. As limitações constitucionais ao poder de tributar decorrem exclusivamente da CF/88, e ela o faz, como dito, na seção II do capítulo I do título VI. À lei complementar federal, consoante art. 146, cabe veicular normas gerais, dispor sobre conflitos de competência e, em especial, "regular as limitações constitucionais ao poder de tributar". Ora, a CF/88 já estabelece em que hipóteses se aplicam as anterioridades comum e nonagesimal, bem como estabelece exceções a ela em relação a certos tributos ou em relação a certas situações. Não cabe à lei complementar federal ampliar essas hipóteses.
Segundo: o art. 3º do projeto de LC 32/21, submetido à sanção presidencial, ou o art. 3º da LC 190/22, já publicada, não diz que a cobrança do Difal deva ocorrer no exercício seguinte e após noventa dias da publicação da lei complementar. Ele dispõe, na literalidade: "Esta LC entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea c do inciso III do caput do art. 150 da CF/88". A lei complementar federal, em si mesma, entra em vigor na data de sua publicação. Ela, desde a publicação, é apta a produzir os efeitos que lhe são próprios, que são justamente os efeitos de lei veiculadora de normas gerais. Não se ignore a primeira parte da disposição. A lei não contém palavras inúteis.
Terceiro: quando o art. 3º do projeto de LC 32/21, submetido à sanção presidencial, ou o art. 3º da LC 190/22, já publicada, dispõe que, quanto à produção de efeitos, deve ser observado o disposto na alínea c do inciso III do caput do art. 150 da CF/88, ele não está a dizer que o prazo de noventa dias precisa ser contado da publicação da lei complementar. Ele só diz o óbvio: quanto à produção de efeitos, deve ser observado o disposto em referida disposição constitucional. Ou seja, quando, num determinado ente federativo competente (logo, estadual ou distrital), houver instituição ou aumento de tributo (justamente, as hipóteses expressamente contempladas no art. 150, III, da CF/88), deve ser atendida a anterioridade nonagesimal.
Quarto: se o art. 3º do projeto de LC 32/21, submetido à sanção presidencial, ou o art. 3º da LC 190/22, pretendesse, ele mesmo, dizer que a tributação só poderia produzir efeitos após certo lapso temporal a contar da publicação do próprio ato normativo federal (seja o exercício seguinte ao da publicação, seja o prazo de noventa dias a contar dela, sejam ambos), haveria possível inconstitucionalidade na disposição. Como dito, as anterioridades são limitações da Constituição, não da lei complementar, ao poder de tributar. Ademais, como decidiu o próprio STF no julgamento conjunto da ADIn 5.469 e do RE 1.287.019, caberia à lei complementar federal dispor sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto. Não há qualquer margem, na Constituição ou na decisão do STF, a que a lei complementar decida quando os estados podem ou não tributar.
A tributação aos estados foi autorizada pela EC 87/15, e alguns aspectos gerais da tributação, ao ver do STF, deveriam ser tratados por lei complementar. Mas não caberia à União, sob pena de infringir a própria EC 87/15 e o princípio federativo (arts. 1º e 18 da CF/88, entre outros), e sob pena mesma de burlar, por vias transversas, a própria vedação de concessão, pela União, de isenções heterônomas (art. 151, III, da CF/88: É vedado à União: (...) III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do DF ou dos municípios), decidir se e quando as unidades federadas poderiam tributar. Cabe aos estados e o Distrito Federal, enquanto entes competentes para instituir o ICMS e especificamente o Difal (art. 155, II, e §2º, VII e VIII, da CF/88), decidir o momento da tributação, respeitadas as limitações constitucionais ao poder de tributar (sendo cogitada a anterioridade quando houver criação ou aumento de tributo).
Assim, o art. 3º da LC 190/22 não diz, nem poderia dizer, que os entes federativos não poderiam cobrar o diferencial de alíquotas antes de decorridos noventa dias da publicação dela mesma, muito menos que só poderiam cobrar no exercício financeiro seguinte ao da publicação dela, ou seja, em 2023. Referida disposição, como visto, não diz isso. Ela só diz que a produção de efeitos não deve ignorar a anterioridade nonagesimal (quando for o caso de aplicação desta, ou seja, quando, no ente local, houver agravamento da carga tributária, mediante criação ou aumento de tributo que antes não havia). Ainda que o art. 3º do projeto e da lei complementar federal possibilitassem a interpretação sugerida apressadamente por alguns advogados, ele teria de ser lido em conformidade com a Constituição. Não se deve interpretar a anterioridade conforme lei alguma: as leis é que precisam ser interpretadas consoante as normas constitucionais, inclusive com a autonomia federativa e com as hipóteses específicas de aplicação da regra da anterioridade.
Quinto: em acréscimo ao argumento anterior, não se ignore, inclusive, os termos do art. 3º da EC 87/15, que prevê a entrada em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 dias. Ou seja, a Constituição Federal mesma, por sua EC 87/15, já previu um prazo de não surpresa, de forma que a nova sistemática estabelecida por ela só poderia produzir efeitos a partir de 2016. As legislações estaduais que foram editadas com base na EC 87/15 e disciplinaram a cobrança do Difal igualmente obedeceram a anterioridades. Se a lei complementar federal estivesse a exigir, sem agravamento de carga tributária alguma, novas anterioridades, só por capricho do legislador, haveria afronta não só à autonomia federativa (arts. 1º e 18), à competência dos estados - e do DF - de instituir e disciplinar o ICMS (art. 155, II), às hipóteses constitucionais de anterioridade (art. 150, III, b e c), e descumprimento transverso da vedação de isenções heterônomas (art. 151, III), mas mesmo ofensa ao art. 3º da própria EC 87/15. Afinal, esse já havia estabelecido uma anualidade e uma noventena, não sendo razoável que a lei complementar federal estipulasse, por ela mesma, outra anualidade e outra noventena. A anterioridade da anterioridade ou anterioridade de segundo grau não encontra lastro no texto constitucional e viola a regra da própria emenda constitucional, de entrada em vigor na data da publicação, com eficácia a partir do início de 2016.
Sexto: o art. 3º do projeto de LC 32/21, submetido à sanção presidencial, assim como, por decorrência, o art. 3º da LC 190/22, apenas menciona expressamente a alínea c do inciso III do caput do art. 150 da CF/88. Esta apenas prevê a anterioridade nonagesimal. Não há nenhuma menção, em referido projeto de lei complementar, assim como na lei complementar publicada, à alínea b do inciso III do caput do art. 150 da CF/88, a qual trata da anterioridade comum ou anual. Ainda que fosse correta - e não é, consoante visto acima - a assertiva de alguns doutrinadores, de haver opção política do próprio legislador de se exigir anterioridade em relação à própria lei complementar federal, essa opção seria apenas de obediência ao prazo de noventa dias. O legislador complementar federal expressamente menciona a alínea c e não faz nenhuma menção expressa à alínea b do art. 150, III, da CF. Assim, não é verdadeiro que o artigo 3º do projeto aprovado prevê a observância da dupla anterioridade, a anual e a nonagesimal. Não é possível invocar a remissão da remissão para concluir no sentido de observância obrigatória da anualidade.
Sétimo: constou expressamente no julgamento conjunto do STF da ADIn 5.469 e do RE 1.287.019 que a "edição" da LC Federal autorizaria, por si, a eficácia das leis estaduais1.
Significa dizer que, editada a LC, restaura-se a eficácia das legislações estaduais. E, quando da decisão de modulação, o STF, pelo voto do ministro Dias Toffoli, também indicou ser necessária apenas a edição da lei complementar federal, não o aguardo de qualquer prazo2.
Assim, condicionar a eficácia de leis estaduais ao exercício seguinte ao da publicação da lei complementar federal e/ou ao prazo de noventa dias a contar da publicação desta parece afrontar a própria deliberação do STF. Ressalte-se que este, em nenhum momento, falou sobre anterioridades para a eficácia de leis estaduais, pelo contrário, somente falou em edição de lei complementar pelo Congresso Nacional.
Por essas razões todas, não faz sentido aduzir que a cobrança do Difal é vedada antes de decorridos noventa dias da data na qual haja sido publicada a lei complementar federal, e vedada no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei complementar federal. Não há, nem nunca houve, de se falar em anterioridades, comum ou nonagesimal, em relação a uma lei veiculadora de normas gerais. Essas regras só dizem respeito à lei (no caso do ICMS, estadual ou distrital) que cria ou majora o tributo.
Há mais a ser dito. Excetuando-se a específica situação das empresas optantes do Simples Nacional (convênio ICMS 93/15), o STF entendeu, no julgamento conjunto da ADIn 5.469 e do RE 1.287.019, na esteira da orientação já prevalente na Corte quando do julgamento do RE 917.950/SP-AgR e do RE 1.221.330/SP tema 1.094, "que as leis estaduais ou do Distrito Federal editadas após a EC 87/15 que preveem o ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto são válidas, mas não produzem efeitos enquanto não for editada lei complementar dispondo sobre o assunto". As leis estaduais foram declaradas ineficazes, e não inconstitucionais. Mesmo porque foram editadas com base em dispositivo da Constituição.
Assim, as legislações estaduais e distrital anteriores à lei complementar federal não são inconstitucionais. Não houve reconhecimento de inconstitucionalidade, formal ou material, delas. O STF apenas disse que, antes da lei complementar federal, elas eram ineficazes, e ainda assim modulou essa decisão de ineficácia para 2022.
As leis estaduais anteriores à lei complementar federal, mas posteriores à EC 87/15, eram e continuam sendo constitucionais: apenas necessitavam de lei complementar como (mais uma) condição de eficácia. Essas leis foram reconhecidas como plenamente constitucionais pelo Supremo. Alguns advogados não têm se atentado a isso, e dizem expressamente elas serem inconstitucionais, ou constroem raciocínios como se elas o fossem. Ocorre que o STF afastou a inconstitucionalidade delas.
Assim, se já havia legislação estadual ou distrital possibilitando a cobrança do Difal, não há de se falar em criação ou aumento de tributo. O tributo já existia e não houve aumento da carga tributária. Não há por que se cogitar de anterioridades. Não há surpresa ou necessidade de planejamento de nova tributação.
Outra questão deve ser, nesse momento, mais bem enfrentada: como dito brevemente acima, nos termos expressos da decisão do STF, se o Congresso Nacional não tivesse editado o projeto de lei complementar federal até 31/12/21, as leis estaduais já existentes, então válidas e, ante a modulação, eficazes, perderiam sua condição de eficácia em referida data, ante a inexistência de LC Federal. Assim que o projeto de LC federal fosse sancionado e a lei fosse publicada, considerando que ela entra "em vigor na data de sua publicação", vide seu art. 3º, as leis estaduais existentes e válidas retomariam suas eficácias, sem que houvesse de se falar em anterioridades, nesses casos.
O STF fixou o prazo de até 31/12/21 como limite para "o Congresso Nacional" editar a lei complementar federal então inexistente porque entendeu ser esse um lapso temporal suficiente para o ente federal cumprir a tarefa que lhe incumbia. O Congresso Nacional, pelas suas duas Casas, exerceu o mister que lhe cabia, e, no dia 20/12/21, o Senado aprovou o substitutivo da Câmara e remeteu, na mesma data, para sanção do presidente da República, o projeto de LC 32/21, do Senado Federal (substitutivo da Câmara dos Deputados).
É verdade que, até o fim de 2021, não veio a esperada sanção, mas, certamente, não era o objetivo do STF, quando fixou a data limite em 31/12/21, obstar os estados e o DF de cobrarem o diferencial de alíquotas, ao longo de 2022 e nos exercícios seguintes. O Supremo, quando entendeu necessária a edição de uma lei complementar, modulou os efeitos da decisão, estabelecendo uma data futura para o Congresso Nacional deliberar, justamente para proteger os combalidos cofres dos entes locais.
Ora, não parece que o simples fato de não ter sido sancionado até 31/12/21 - e sim, em 4/1/22 - o projeto de lei complementar que lhe foi enviado em 20 de dezembro do mesmo ano implique devam ser superadas as razões de interesse público e de segurança jurídica que levaram o STF a modular a decisão. É verdade que o STF estabeleceu a data de 31/12/21 como limite para o "Congresso Nacional" editar a lei de normas gerais. Ocorre que essa data não foi estabelecida porque tinha de ser assim. Apenas era necessário estabelecer um lapso temporal, e, no momento do julgamento, em 24/2/21, parecia razoável acreditar que o tempo concedido era suficiente.
Se, pelas imprevisibilidades, dificuldades e idiossincrasias da vida, a data de 31/12/21, estipulada pelo STF, não foi, por pouquíssimos dias, suficiente para a sanção e publicação da lei, embora quase tenha sido (deu tempo de as Casas do Legislativo entregarem ao presidente da República o projeto de LC, e este o sancionou em 4/1/22, tendo a lei sido publicada no dia seguinte, 5/1/22), parece óbvio que, teleologicamente, o prazo dado pela Suprema Corte foi cumprido.
Aliás, o prazo estabelecido pelo STF foi, na verdade, cumprido, inclusive na literalidade, seja porque o Congresso Nacional - destinatário expressamente previsto na decisão -, antes mesmo do dia 31/12/21, encaminhou em 20/12/21 o projeto de lei para sanção, seja porque não faria sentido que a cobrança de Difal fosse tida por indevida, ainda que por breve tempo, só porque a sanção pelo presidente da República ocorreu em 4/1/22, portanto apenas quatro dias corridos - dois dias úteis - após o final do ano anterior. O prazo judicial de 31/12/21 foi, expressamente, destinado ao Congresso Nacional, e não ao presidente da República. Sendo assim, a sanção poderia se dar no prazo constitucional de 15 dias previsto para a sanção tácita (art. 66, §3° da CF/88).
Como o prazo expressamente dado pela Suprema Corte foi cumprido, no texto e no espírito, não há de se falar em qualquer vácuo normativo de cobrança. O STF, ao modular, decidiu expressamente estarem válidas e eficazes as leis estaduais continuamente, desde que o Congresso Nacional deliberasse até o dia 31/12/21, e esse cumpriu com perfeição e tempestividade o encargo que lhe foi cometido. O STF não determinou o tempo de sanção presidencial ao projeto, razão pela qual, quanto a este, deveria ser aplicado o prazo constitucional.
Até o dia 4/1/22, a cobrança do Difal era legítima, por força da modulação concedida ao STF, já que o Congresso Nacional fez o que lhe cabia no tempo que lhe foi dado pela Suprema Corte. A partir do dia 5 de janeiro de 2022, a cobrança do Difal continua legítima, desta feita por ter sido publicada a LC 190/22.
E, ainda que se entendesse que, a partir de 1º de janeiro de 2022, as leis estaduais teriam perdido suas eficácias, até o advento da lei complementar federal, o que se considera para argumentar, os entes federativos poderiam, qualquer deles, peticionar ao próprio Supremo, nos autos da ADIn 5.469 e/ou do RE 1.287.019, para solicitarem extensão da modulação. Esse pedido - e a concessão - de maior prazo nada têm de absurdos. Sendo trazidas as "razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social" (art. 27 da lei 9.868/99) que autorizam a modulação, e estando demonstrado que o prazo originariamente concedido pela Corte foi insuficiente, embora quase suficiente, nada impediria que o STF elastecesse o prazo originariamente dado. O direito brasileiro tutela a regra de que ninguém é obrigado ao impossível (arts. 104 e 248 do CC/02, ilustrativamente), assim como protege a regra de o fato superveniente dever ser considerado pelo aplicador da norma (vide, exemplificadamente, art. 493 do CPC).
O pedido e a concessão de prorrogação ou alongamento ou extensão da modulação nada têm de inéditos. Na ADIn 4.876, em março de 2014, o Pleno do STF conheceu da ação direta, julgando-a parcialmente procedente e aplicando regra de modulação, modulando os efeitos dessa decisão. Em maio de 2015, com acórdão publicado no DJE de 18/8/15, o STF, por unanimidade e nos termos do voto do ministro Dias Toffoli (relator), acolheu parcialmente os embargos de declaração opostos pelo Estado de Minas Gerais, para modificar a regra de modulação anteriormente estipulada. O mesmo se deu em relação ao RE 600.885.
Há, portanto, precedentes nos quais o STF estende o prazo da modulação originariamente concedida, e nada impediria que, em relação ao caso tratado, em especial como medida de justiça fiscal (grave lesão aos cofres públicos) e judiciária a evitar a precipitação de milhares de processos sem perspectivas de êxito (efeito multiplicador), acerca de tema que já foi objeto de EC e de extenso debate judicial e, por fim, de deliberação do Congresso Nacional.
É, portanto, urgente que a Suprema Corte esclareça o alcance da decisão dada no âmbito da ADIn 5.469 e do RE 1.287.019, reafirmando a eficácia imediata das leis sobre o Difal, ou estabelecendo nova modulação de efeitos, de modo a evitar a erosão das finanças estaduais e o surgimento de nova demanda de massa no judiciário.
1 (...) "Em suma, reitero que não podem os estados nem o DF, invocando a competência plena à qual alude o art. 24, §3º, da CF/88, exigir o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas em tela antes do advento da lei complementar pertinente. E, aplicando à presente discussão a orientação da Corte prevalecente no RE 917.950/SP-AgR e no RE 1.221.330/SP, Tema 1.094, julgo que as leis estaduais ou do DF editadas após a EC 87/15 que preveem o ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto são válidas, mas não produzem efeitos enquanto não for editada lei complementar dispondo sobre o assunto". (destaques acrescidos)
2 PROPOSTA (MODULAÇÃO): "Já em meu voto anterior eu havia feito uma proposição de modulação. Diante das ponderações do Ministro Luís Roberto Barroso, ao longo da sessão, fui trocando mensagens com Sua Excelência, de sorte a retificar a proposta anteriormente formulada, sugerindo a Vossas Excelências a modulação que passo a expor. Julgo ser necessário modularem-se os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, para que a decisão produza feitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5.464/DF. E, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento. As cláusulas ficariam vigentes até 31/12/21, tempo no qual o Congresso Nacional poderá ratificá-las por meio de lei complementar. Ratificar é modo de dizer; enfim, o Congresso poderá ponderar sobre elas, editando uma LC. A mesma solução julgo ser necessária em relação à lei do DF e, a fortiori, às leis dos demais estados. Em relação a elas, proponho que a decisão produza efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento, exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS 93/15, cujos efeitos devem retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5.464/DF. Por fim, Senhor Presidente, ficam ressalvadas da proposta de modulação as ações judiciais em curso submetidas ao Judiciário". (destaques acrescidos)