ANPD e TSE firmam acordo de cooperação técnica e lançam guia orientativo
Parceria consiste em aliar a lei geral de proteção de dados ao contexto eleitoral brasileiro.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Atualizado às 08:37
No dia 23 de novembro de 2020, a ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados, por meio de seu Diretor Presidente, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, firmou Acordo de Cooperação Técnica1 com o TSE - Tribunal Superior Eleitoral, com o intuito de alinhar as diretrizes da lei geral de proteção de dados2 ao âmbito eleitoral. Além da LGPD, o Acordo baseia-se no Código Eleitoral e na lei 9.504/97, que estabelece normas para as eleições.
Trata-se do quarto Acordo de Cooperação Técnica firmado pela ANPD, a qual prevê em seu planejamento estratégico para o triênio 2021-2023,3 a necessidade de promoção do diálogo e implementação de ações junto a entidades governamentais e não governamentais, organismos internacionais e demais autoridades na seara da Proteção de Dados Pessoais.
A principal premissa do documento remete à conscientização e orientação de todos os envolvidos nas eleições: candidatos, eleitores, partidos políticos e demais agentes de tratamento, acerca da correta aplicação dos mecanismos instituídos pela LGPD, especificamente sob a ótica do cenário eleitoral. Tal diretriz se desenvolverá através da realização de estudos, pesquisas, reuniões, ações de capacitação e produção de materiais orientativos acerca do tema, visando a integridade ao longo do processo eleitoral no que diz respeito à privacidade e proteção de dados.
Nesse sentido, a ANPD e o TSE publicaram outro importante documento no dia 3 de janeiro, o "Guia Orientativo: Aplicação da lei geral de proteção de dados Pessoais (LGPD) por agentes de tratamento no contexto eleitoral".4
A Cartilha reforça a importância da intersecção entre o panorama eleitoral e as regras de proteção de dados pessoais, em razão do novo cenário decorrente da globalização, e, consequentemente, das transformações da sociedade contemporânea e da cultura digital.
É importante ressaltar que anteriormente as campanhas políticas eram pautadas em veiculações no rádio, na televisão ou na entrega de propagandas impressas. Hoje, no entanto, com a evolução tecnológica, se utilizam de novas abordagens, como as redes sociais e os aplicativos de mensagens instantâneas, por exemplo, culminando no processamento de um grande volume de informações e dados pessoais. Portanto, a forma de envolvimento da sociedade com o processo eleitoral ganhou novos contornos.
O documento faz uma análise ordenada das normas eleitorais e de proteção de dados, apresentando definições basilares constantes na LGPD, bem como esclarecimentos acerca de quais tipos de dados merecem uma maior cautela, quais são os direitos dos cidadãos titulares de dados, os princípios norteadores nesta área e as orientações aos agentes de tratamento no âmbito político-eleitoral: partidos políticos, candidatos, plataformas digitais, coligações e organizações que realizem as campanhas eleitorais, vinculando-os ao dever de accountability, também denominado de Princípio da Responsabilização e Prestação de Contas.
Com efeito, a iniciativa conjunta em análise garante uma maior efetividade e assertividade no tratamento adequado e responsável dos dados pessoais dos eleitores. A título exemplificativo, outras autoridades ao redor do mundo já publicaram materiais e adotaram uma postura preventiva e orientativa nesta seara.
No Reino Unido, a autoridade de proteção de dados ICO (Information Commissioner's Office), publicou o relatório "Audits of data protection compliance by UK political parties,"5 em novembro de 2020, após a realização de auditorias em sete partidos políticos britânicos. No material, a autoridade apontou diversas recomendações visando ao atendimento dos requisitos de transparência e legalidade nas campanhas políticas. Dentre as principais medidas, a autoridade listou a importância de os partidos políticos revisarem suas políticas de privacidade, utilizando linguagem clara e acessível, bem como a necessidade de revisão das bases legais usadas para o processamento dos dados pessoais coletados. Além do documento, a ICO criou um Portal6 de orientações aos controladores que tratam dados pessoais nas eleições britânicas.
A Comissão de Proteção de Dados Irlandesa (Data Protection Commissioner) também criou uma página dedicada à divulgação de materiais orientativos7 acerca da proteção de dados no contexto da respectiva atividade eleitoral. Neste blog, é possível acessar diferentes guias e instruções, destinados separadamente àqueles que atuam nas campanhas políticas e aos indivíduos que têm seus dados coletados para este fim. Ainda, em 20 de dezembro de 2021, a DPC também publicou um relatório intitulado "Data Protection Audit of Political Parties in Ireland",8 após ter auditado 26 partidos políticos registrados no país, resultando em mais de oitenta recomendações, com prazo para que sejam devidamente implementadas.
Na Espanha, a AEPD (Agencia Española de Protección de Datos) publicou a Circular 1/2019,9 destinada a todas as organizações políticas acerca da correta utilização de tecnologias modernas, como o big data e a inteligência artificial, ao longo das eleições espanholas.
De fato, os partidos políticos desempenham um papel singular na democracia e não podem, e nem devem, ser impedidos dessa função. Contudo, é imprescindível que a atuação e comunicação entre os candidatos e seu eleitorado decorram de um modelo jurídico pautado na transparência, confiabilidade e autodeterminação informacional. Daí a importância do trabalho conjunto da ANPD e do TSE, para reforçar a perspectiva da privacidade, da proteção de dados pessoais e da integridade do pleito, especialmente no que tange ao atual alcance das campanhas eleitorais no Brasil.
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1 Acordo de Cooperação Técnica 4/2021. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/TSEANPDacordocooperacaotecnica.pdf
2 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
3 Planejamento Estratégico 2021 - 2023. Disponível em
4 Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/guia_lgpd_final.pdf
5 Disponível em: https://ico.org.uk/media/action-weve-taken/2618567/audits-of-data-protection-compliance-by-uk-political-parties-summary-report.pdf
6 Disponível em: https://ico.org.uk/for-organisations/guide-to-data-protection/key-dp-themes/guidance-for-the-use-of-personal-data-in-political-campaigning-1/#purpose
7 Disponível em: https://www.dataprotection.ie/en/dpc-publishes-guidance-data-protection-and-electoral-and-canvassing-activities
8 Disponível em: https://www.dataprotection.ie/sites/default/files/uploads/2021-12/Data%20Protection%20Audit%20of%20Political%20Parties%20in%20Ireland%20-%20AUDIT%20REPORT%20%28December%202021%29.pdf
9 Disponível em: https://www.aepd.es/es/documento/boe-2019-3423.pdf
Renata de Pauli
Advogada associada ao Pereira Gionédis Advogados, LLM em Direito Comercial Internacional pela University of Westminter, especialista em Direito Público pela Escola de Magistratura Federal do Paraná.
Giovani Gionédis
Sócio diretor do Pereira Gionédis Advogados. Assessor Parlamentar da Assembléia Legislativa - 1987/1988; Procurador Geral do Município de Curitiba - 1989/1994; Secretário de Estado de Governo do Paraná - 1995/1997.