O SGP norte-americano e obrigações ambientais
Se as normas unilaterais em matéria ambiental não são novidade, o que pode chamar a atenção é seu crescente impacto para o comércio internacional.
terça-feira, 25 de janeiro de 2022
Atualizado às 08:19
Muito se falou, ao final do ano passado, sobre as obrigações decorrentes da CP/26. Mas, além dos acordos multilaterais baseados na vontade soberana dos Estados, há crescente proposição de normas nacionais que afetam o comércio internacional. Evidentemente, o fenômeno não é inédito, uma vez que há convenções multilaterais longevas que se preocuparam com o tema ambiental. No caso de regras unilaterais, um bom exemplo, de 1972, é o MMPA - Marine Mammal Protection Act dos Estados Unidos.
Se as normas unilaterais em matéria ambiental não são novidade, o que pode chamar a atenção é seu crescente impacto para o comércio internacional. Desta forma, pode-se citar o enorme impacto que terão, para as exportações industriais, os mecanismos de ajustes de fronteira baseados na emissão de carbono. Numa versão simplificada, pode-se dizer que estes mecanismos cobrarão, como tarifas adicionais sobre a importação de bens, direitos relativos à emissão de carbono no processo produtivo. Regras neste sentido já foram aprovadas pela União Europeia (o denominado CBAM) e estão em aprovação perante o congresso norte-americano (a denominada FAIR - Transition and Competition Act).
Ao se mencionar como estas iniciativas ambientais estão evoluindo na legislação norte-americana, vale a pena analisar as novas regras propostas para o SGP - Sistema Geral de Preferências naquele país. É mais um exemplo, extremamente atual, de como as regras nacionais induzem obrigações ambientais para Estados estrangeiros terem acesso a um mercado desenvolvido.
No caso do SGP norte-americano, o Brasil é um dos países em desenvolvimento mais beneficiados. Em 2019, 7% das importações brasileiras foram feitas via SGP, totalizando US$ 2,3 bilhões. O benefício também é relevante aos importadores norte-americanos, que deixaram de pagar US$ 84 milhões nas compras provenientes do Brasil.
Historicamente, os Estados Unidos têm exigências - segundo seu interesse nacional - para que um país em desenvolvimento possa se habilitar ao SGP e beneficiar-se da redução tarifária nas exportações ao maior mercado consumidor mundial. Desta forma, nunca puderam se habilitar países comunistas, ou países que expropriaram patrimônio norte-americano, ou que discriminaram exportações originárias dos Estados Unidos.
Os benefícios do SGP devem ser renovados, de tempos em tempos, pelo Congresso norte-americano. A última autorização legislativa expirou no final de 2020, e há um lobby crescente de importadores norte-americanos para aprovar o SGP retroativamente, e para estender o programa até 2027. A norma correspondente já foi inclusive aprovada no Senado norte-americano e está agora para ser aprovado na House of Representatives (S. 1.260 - United States Innovation and Competition Act of 2021).
Chama a atenção, na norma proposta, a alteração das regras do SGP, incluindo exigências ambientais para os países beneficiários. Desta forma, o país exportador não será habilitado ao SGP se "falhar em implementar suas leis ambientais por inação ou ação recorrente" ou não "adotar medidas implementando suas obrigações derivadas de acordos ambientais multilaterais".
A forma de implementação destas regras, se este texto for aprovado pelo Congresso norte-americano, dependerá de interpretação pelo Executivo. Ou seja, o presidente dos Estados Unidos poderá excluir do SGP um país que, segundo sua interpretação, não cumpriu com os requisitos ambientais mencionados. Evidentemente, esta interpretação será afetada por imperativos de interesse nacional norte-americano e pela própria pressão da ativa opinião pública daquele país. A consequência final, e negativa, para um país como o Brasil seria sua exclusão do programa norte-americano, com efeito direto para as empresas exportadoras que se beneficiam hoje da redução tarifária.
O caso do novo SGP obriga a prestar atenção à tendência, apontada no início deste artigo, para a inclusão de obrigações ambientais nas normas do comércio internacional. O que se está demonstrando é que esta é uma tendência irreversível, a ser estudada e compreendida pelos atores do comércio internacional. Tampouco é novidade que o Brasil é um dos países mais visados atualmente, quando se menciona a necessidade de implementar regras mais estritas em temas ambientais. Esta constatação demandará, tanto dos exportadores brasileiros quanto dos formuladores de política, uma atenção constante para evitar, ou pelo menos mitigar, os efeitos negativos das ações unilaterais sobre os interesses comerciais do país.
Welber Barral
Doutor em Direito Internacional (USP), sócio do escritório Barral, Parente e Pinheiro Advogados.