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Criptomoedas e lavagem de dinheiro

O campo aberto das criptomoedas. Anonimato, velocidade de transação e ausência de limite territorial como combustível da lavagem de capitais.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Atualizado às 17:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lavagem de capitais, junto com a corrupção e os chamados "crimes do colarinho branco", talvez, seja o delito com maior "pompa", não só no Brasil, mundialmente1. Desde 1980, nesta época mais preocupado com o tráfico internacional de drogas, inúmeros foram os documentos internacionais editados para o combate à lavagem de dinheiro2.

Ocorre que ao contrário de outros delitos, a lavagem de capitais, com o avanço tecnológico e o avanço do sistema financeiro internacional, vem ganhando uma gama de ferramentas que seriam impensáveis em 1980.

Como bem lembra Pierpaolo Bottini3, a sofisticação e a complexidade de alguns processos de lavagem de dinheiro tornam difícil o rastreamento de bens ilícitos, seja por falta de estrutura para monitoramento das movimentações financeiras, pela ausência de capacitação e conhecimento de parte das autoridades envolvidas, ou pela existência de regras de sigilo que em geral protegem os usuários dos serviços oferecidos nos setores nos quais os movimentos são realizados - como é o caso do bancário.

Avante a isso, pense agora em um mundo totalmente globalizado, onde é cada vez mais comum a criação legal empresas offshore, holdings, fintechs e tantas outras novidades que nos é apresentada diariamente. Atenção: novidades legais e lícitas!

Mas porque com a criptomoeda seria diferente? Não é mais uma peça natural no quebra cabeça?

A resposta, definitivamente, é não.

Até aqui, todas as novidades envolvendo o mercado financeiro tinham um denominador comum quando a análise era a lavagem de capitais, a moeda, que tradicionalmente podem ser definidas como um instrumento de troca que detém padrão e reserva de valor. Essas moedas são controladas por instituições financeiras, como o Banco Central.

Já as criptomoedas são moedas digitais, não necessitando do aval de entidades controladoras ou de leis específicas para serem emitidas. São geradas através de um algoritmo que são hospedados em máquinas de mineração.

E qual o efeito prático? Simples, a possibilidade de rastreio. As moedas, salvo aquelas já impressas, serão diariamente fiscalizadas pela entidade financeira responsável, através de órgãos estatais, como o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, no caso brasileiro.

Já as criptomoedas vivem em um espaço digital, não possuindo nenhum tipo de regulamentação ou "rastro" de propriedade. O anonimato, a velocidade das transações e a total falta de limite territorial, fazem com que seja quase impossível o rastreio dos valores movimentados por criptomoedas.

Para se ter uma noção da diferença, basta imaginar a abertura de uma conta bancária. Todos que foram ao banco com esse objetivo tiveram que levar documentos pessoais, comprovantes de residência e de renda (documentos mínimos exigidos). Já para as transações de criptomoedas, basta apenas um endereço de IP, que é a chave de identificação de rede.

A total desregulamentação somada a facilidade de entrar no mercado, ao anonimato quase que absoluto e a velocidade e amplitude das operações, colocam um grande sinal de alerta nas criptomoedas, pois vale lembrar que a lavagem de capitais pressupõe o mascaramento de recursos de origem ilícita através de bens, direitos e valores.

Mesmo que a Convenção de Palermo caracterize bens de forma ampla, como ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos (art. 2, d)4, as criptomoedas têm no anonimato sua principal vantagem, sendo quase impossível identificar o seu verdadeiro titular.

Além disso, a alta volatilidade do mercado de criptomoedas e sua rápida circulação tornam difícil avaliar qual o verdadeiro valor foi mascarado através das transações.

Desta forma, a verdade é que esse novo mundo precisa, urgentemente, de uma regulamentação mínima, pois, ao mesmo tempo que as criptomoedas foram um grande avanço para as pessoas que pretendem se lançar no mundo digital, também é uma porta aberta para pessoas que buscam ocultar valores provenientes de atividades criminosas.

______

1 Para combate a lavagem de capitais foram criados grupos de especialistas e autoridades públicas com atribuição de monitorar possíveis atividades de lavagem de capitais. Dentre esses grupos o GAFI (Grupo de Ação Financeira) merece destaque.

2 Algumas convenções merecem destaque: Convenção de Viena, Convenção de Palermo e Convenção de Mérida.

3 Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais; Gustavo Henrique Badaró, Pierpaolo Cruz Bottini.

4 No mesmo sentido, a Convenção de Viena, art. 1°, c, e a Convenção de Mérida, art. 2°, d.

Theunis Filho

Theunis Filho

Advogado.

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