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Reflexões acerca da nova modalidade de citação eletrônica introduzida pela lei 14.195/21

A citação por meio eletrônico não deverá ser utilizada enquanto não estiver efetivamente funcionando a plataforma do CNJ a que o artigo 246, caput, do CPC se refere.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Atualizado às 08:09

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde agosto de 2021, encontra-se vigente a lei 14.195/21, conhecida como "Lei do Ambiente de Negócios", que introduziu na legislação brasileira diversos dispositivos para desburocratizar e incentivar atividades empresariais. A legislação também promoveu relevantes alterações no Código de Processo Civil, entre as quais se destaca, para fins deste artigo, aquelas relativas à citação do réu.

O artigo 246, quase inteiramente remodelado, concentra a maioria das alterações promovidas pela nova Legislação. O caput introduziu no ordenamento jurídico uma nova modalidade de citação, que não deverá ser confundida com as já existentes, conforme será explicado adiante. Somente para fins didáticos, chamaremos a nova modalidade de "citação por meio eletrônico", seguindo a redação do artigo 246, caput. 

De acordo com o dispositivo alterado, a citação deverá ser remetida para o endereço eletrônico informado pelo citando em bancos de dados do Poder Judiciário, seguindo regulamentação do CNJ. Como não há nenhum detalhamento nos novos dispositivos, subentende-se que o regulamento a ser editado pelo CNJ vai determinar quem estará sujeito à obrigatoriedade de registro nesse(s) banco(s) de dados. 

Além disso, uma vez recebida a comunicação eletrônica a respeito da citação, o citando deverá confirmá-la expressamente em até três dias úteis. Não o fazendo, a citação será feita por um dos meios tradicionais (artigo 246, §1º-A) e caberá ao citando, na primeira oportunidade que tiver de falar nos autos, demonstrar ao Juízo que deixou de confirmar o recebimento da citação dentro do prazo legal por "justa causa" (artigo 246, §1º-B), sob pena de multa de até 5% sobre o valor da causa (artigo 246, §1º-C). 

Apesar de não haver menção expressa nos dispositivos, não há dúvidas de que se referem ao envio da citação por correio eletrônico - o popular "e-mail". 

A citação por meio eletrônico (ou simplesmente citação por e-mail) difere-se substancialmente de uma outra modalidade de comunicação que já estava prevista na redação original do CPC, a citação ou intimação eletrônica. Essa última continua prevista, mas no §1º do artigo 246 do CPC (cuja redação foi mantida quase integralmente) e mais bem regulamentada na lei  11.419/06. E o que exatamente diferencia essas duas modalidades? 

A citação eletrônica do §1º é aquela que já vinha sendo empregada nos últimos anos. Realizado um cadastro pela empresa ou pelo órgão público perante o site de determinado Tribunal, a citação poderá ocorrer pelo simples envio de uma comunicação pelo portal do próprio Tribunal na internet. Aí reside a primeira distinção relevante, porque, no caso da citação por meio eletrônico, a comunicação é enviada por e-mail, em endereço cadastrado pelo citando conforme um banco de dados a ser criado e regulamentado pelo CNJ. 

A segunda distinção é que, no caso da citação eletrônica, o §1º do artigo 246 já deixa claro a quem ela se sujeita: as empresas estatais e privadas, bem como os Entes e Órgãos da Administração Pública (artigo 246, §2º). Por sua vez, na nova modalidade de citação por meio eletrônico, não se sabe quem terá ou não a obrigação de realizar o cadastro no banco de dados a ser criado pelo CNJ. 

Outra distinção relevante é que, na citação eletrônica, considera-se efetuada a comunicação no momento de sua leitura - que é registrada no sistema do Tribunal - ou após o decurso de dez dias corridos (artigo 5º, §3, da lei 11.419/06). Portanto, a ausência de confirmação expressa do recebimento em nada obsta o aperfeiçoamento da citação, podendo o destinatário, inclusive, ser considerado revel caso não se manifeste dentro do prazo previsto em lei. 

Enquanto isso, na citação por e-mail, não há possibilidade de recebimento tácito, pois a ausência de confirmação expressa do recebimento levará à realização da citação por outra modalidade. Na falta de confirmação expressa, a consequência mais gravosa para o citando será a possível aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, mas não revelia. 

Os termos iniciais dos prazos para manifestação também diferem entre si. Na citação eletrônica, o prazo tem início no primeiro dia útil após a consulta no site do Tribunal ou após o término do prazo de dez dias corridos para que essa consulta se dê (artigo 231, V, do CPC). Na citação por meio eletrônico, o prazo terá início no quinto dia útil após a confirmação de recebimento (artigo 231, IX, do CPC). 

Por fim, há que se ressaltar que a nova modalidade poderá ser empregada somente para citações, não havendo previsão legal para sua utilização também para intimações. Por seu turno, a modalidade antiga, da Lei nº 11.419/2006, também é empregada para intimações no curso de um processo já existente. 

Essas diferenciações legislativas não nos permitem confundir as citações eletrônicas e por meio eletrônico. São duas modalidades distintas e assim devem ser tratadas, evitando-se aplicar a uma as regras da outra. No entanto, a própria manutenção do regramento de ambas em um mesmo dispositivo do CPC (o artigo 246) acaba sendo um convite a confusões entre as duas, o que poderá criar situações problemáticas. 

A interpretação e a aplicação da nova modalidade de citação exigirão estudo e parcimônia por parte dos Magistrados e dos servidores públicos, para não causar insegurança nos jurisdicionados. Mas fato é que, ainda que não sofram distorções, os dispositivos que tratam da citação por meio eletrônico, por si sós, já são capazes de gerar dúvidas.

A primeira delas, que já foi brevemente abordada, é sobre a quem se aplica a citação por meio eletrônico. A redação do artigo 246, §1º, do CPC, prevê que a citação das empresas privadas e das entidades da Administração Pública deverá ser realizada, preferencialmente, de forma eletrônica, isto é, por meio dos portais de processo eletrônico dos Tribunais. Disso se pode interpretar, em uma primeira leitura, que, ao citar uma empresa privada, deve-se primeiro tentar a modalidade eletrônica e, não sendo possível, a modalidade por e-mail. 

Quem, portanto, seria preferencialmente citado por e-mail? As pessoas físicas? É difícil crer que o CNJ criaria uma plataforma para cadastrar e-mails de pessoas físicas, pois fiscalizar e coagir os indivíduos a aderirem a essa plataforma seria uma tarefa ingrata. 

Outra preocupação é sobre o que será considerado justa causa para fins de afastar a multa pela não confirmação do recebimento da citação dentro do prazo previsto em lei. Segundo o artigo 223, §1º, do CPC, justa causa é "o evento alheio à vontade da parte e que a impede de praticar o ato por si ou por mandatário", mas essa conceituação é bastante ampla. Só a prática poderá dizer quais explicações serão aceitas para elidir a multa. 

Também é relevante perguntar quais seriam as consequências para aquele que, tendo a obrigação de fazê-lo, não cadastra seu endereço eletrônico na plataforma a ser desenvolvida pelo CNJ. Será que a citação será encaminhada para o endereço eletrônico indicado pela parte autora na petição inicial? Não parece ser a solução ideal, diante do risco à segurança jurídica e da possibilidade de fraudes serem provocadas para gerar revelia da contraparte. Também não parece ser o caso de aplicar multa por ato atentatório à dignidade de justiça, pois o artigo 246, §3º, só a prevê para o caso de ausência de confirmação da mensagem de citação sem justa causa, de forma que seria impróprio ampliar as hipóteses de incidência dessa penalidade. 

Sem diminuir a importância das demais, talvez a principal dúvida seja sobre a possibilidade de a citação por meio eletrônico começar a ser utilizada imediatamente pelos Tribunais. A lei 14.195/21 já está em pleno vigor há mais de quatro meses e não há, ainda, qualquer plataforma do CNJ reunindo os endereços eletrônicos dos citandos. 

Cumpre observar que, desde 2016, o CNJ trabalha na criação de uma plataforma unificada para o recebimento de citações e intimações eletrônicas, para substituir a atual sistemática na qual cada Tribunal mantém a sua própria ferramenta, nos termos da Resolução CNJ  234/16. Isso, contudo, não se confunde com a plataforma de cadastro de endereços eletrônicos que prevê a lei 14.195/21. Mas, por óbvio, seria desejável que ambas as ferramentas fossem unificadas em um só sistema eletrônico a ser desenvolvido pelo CNJ. 

A conclusão é de que a citação por meio eletrônico não deverá ser utilizada enquanto não estiver efetivamente funcionando a plataforma do CNJ a que o artigo 246, caput, do CPC se refere. Admitir a utilização da modalidade sem essa ferramenta seria um convite à insegurança jurídica e a possíveis fraudes, especialmente se os Tribunais procederem com o envio das citações aos e-mails eventualmente informados pela parte autora na petição inicial. 

Sem a pretensão de esgotarmos todas as nuances do tema, tais reflexões, em um primeiro momento, parecem ser as mais relevantes - e potencialmente mais problemáticas - da citação por meio eletrônico trazida pela lei 14.195/21. Como ocorre em vários institutos do nosso ordenamento jurídico, a boa utilização dessa novidade dependerá da ponderação do Judiciário e de seus auxiliares, a fim de alcançar a eficiência processual, mas sem prejudicar a ampla defesa e o contraditório, que, afinal, são os valores constitucionais primordiais quando se tratam das normas que regulam a citação do réu. 

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Lucas Simão

Lucas Simão

Sócio de Pinheiro Neto Advogados.

Daniel Andrade de Souza

Daniel Andrade de Souza

Associado de Pinheiro Neto Advogados.

Lais de Oliveira e Silva

Lais de Oliveira e Silva

Associada de Pinheiro Neto Advogados.

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