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A correta interpretação do § 1º do art. 537 do CPC/15

Questiona-se, ainda, se a redação § 1º do art. 537 do CPC/15 apenas admite a revisão/exclusão da multa vincenda, e não da multa vencida.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Atualizado em 26 de abril de 2022 17:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 7/4/2021, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos Embargos de Divergência n. 650.536/RJ, fixou o entendimento de que o "valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada".

Eis a ementa do referido julgado:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. MÉRITO ANALISADO. VALOR ACUMULADO DAS ASTREINTES. REVISÃO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU FORMAÇÃO DE COISA JULGADA. EXORBITÂNCIA CONFIGURADA. REVISÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS.

1. É dispensável a exata similitude fática entre os acórdãos paragonados, em se tratando de embargos de divergência que tragam debate acerca de interpretação de regra de direito processual, bastando o indispensável dissenso a respeito da solução da mesma questão de mérito de natureza processual controvertida.

2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada.

3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo singular."

(EAREsp 650.536/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/04/2021, DJe 03/08/2021).

Contudo, da leitura do inteiro teor do voto condutor do referido julgado, não se verifica qualquer referência a uma questão que nos parece crucial sobre o tema, qual seja, o fato de a redação do § 1º do art. 537 do CPC/2015 estabelecer que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la".

Ou seja, em nenhuma linha do voto condutor se debateu a questão de que a redação § 1º do art. 537 do CPC/2015 apenas admite a revisão/exclusão da multa vincenda, e não da multa vencida.

A respeito do aludido dispositivo legal, lecionam Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira:

"Observe que o art. 537, § 1º, permite a modificação do valor ou da periodicidade da multa vincenda - não porém, da multa vencida. A modificação não afeta a multa que já incidiu; a alteração tem eficácia para o futuro e incide a partir de quando o devedor dela é intimado (art. 513, §§ 2º e 4º, CPC)1." (In: Curso de direito processual civil: execução - 9ª ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, p. 626).

De fato, é princípio basilar de hermenêutica jurídica aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda. Conforme a consagrada doutrina de Carlos Maximiliano, "não se presumem, na lei, palavras inúteis." Literalmente: 'Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.' As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis2".

Com efeito, entendemos que se faz possível afirmar que o julgado proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência 650.536/RJ, violou a Súmula Vinculante 10, que prevê que "viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Isso porque, conforme acima mencionado, em nenhuma linha dos votos proferidos nos Embargos de Divergência 650.536/RJ se declarou a inconstitucionalidade da expressão multa vincenda contida no § 1º do art. 537 do CPC/2015.

Trata-se de questão relevante, porquanto entendemos que, por força da § 1º do art. 537 do CPC/2015, houve uma superação (legislativa) do fundamento determinante (ratio decidendi) do REsp 1.333.988 (julgado sob o rito dos recursos repetitivos e que levou à edição do Tema 706 do STJ), baseado no art. 461, § 6º, do CPC/1973 ("O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva").

Esse, inclusive, foi o entendimento externado pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, quando do julgamento do REsp 1.763.452. Eis, por pertinente, trecho da referida decisão, na qual essa questão foi devidamente abordada:

"(...)

Nas razões do presente recurso especial, a parte ora recorrente sustentou que o Tribunal de origem teria violado a norma do art. 537, § 1º, do CPC/2015, abaixo transcrita:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Como se verifica no trecho acima destacado, o CPC/2015 disciplinou o regime jurídico das astreintes de forma diversa do CPC/1973, limitando a possibilidade de revisão apenas às astreintes vincendas, não às vencidas."

Cumpre ressaltar, por relevante, que, posteriormente ao julgado dos Embargos de Divergência nº 650.536/RJ, a Segunda Turma do STJ interpretou o § 1º do art. 537 do CPC/2015 no sentido de ele admite apenas a revisão/exclusão da multa vincenda, e não da multa vencida, senão vejamos:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.

1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência.

(...)

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido."

(REsp 1778885/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021).

Diante desse cenário, a Corte Especial do STJ voltou a debater o tema nos Embargos de Divergência 689.202, cujo julgamento ainda não se concluiu.

Nesse julgamento, também está em discussão a possibilidade de a cobrança das astreintes ser transmitida aos herdeiros do autor da ação, na hipótese de haver extinção do processo sem resolução do mérito pela morte deste. Esse caso está parado com pedido de vista do o ministro Raul Araújo.

Contudo, entendemos que o STJ deveria ter afetado o tema pelo rito dos repetitivos, de forma a pacificar o tema de uma vez, entregando para a sociedade jurídica um precedente vinculante sobre o tema.

___________

1 Didier Junior, Fredie | Cunha, Leonardo Carneiro da | Braga, Paula Sarno | Oliveira, Rafael Alexandria, Curso de direito processual civil: execução - 9ª ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, p. 626.

2 Maximiliano, Carlos Hermenêutica e aplicação do direito / Carlos Maximiliano. - 21. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 235.

Carlos Eduardo Jar e Silva

Carlos Eduardo Jar e Silva

Bacharel em Direito pela UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco. Assessor Técnico Judiciário do TJ/PE. Membro do CIJUSPE - Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco.

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