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Infelizmente, não há segurança jurídica no Brasil

Um Estado Democrático de Direito deve garantir segurança jurídica, com mais transparência e maior previsibilidade. Este é um dos papeis do Supremo Tribunal Federal: zelar pela Constituição Federal e uniformizar entendimentos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:02

(Imagem: Arte Migalhas)

Constitucional ou inconstitucional, certo ou errada, ilegal ou legal, não é isso o que mais chama a atenção na decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux, ao autorizar a prisão imediata dos quatro condenados no caso da boate Kiss: a decisão foi monocrática, em nítido atropelo do Superior Tribunal de Justiça e contra um entendimento recentemente pacificado pelo próprio plenário do Supremo Tribunal Federal!

De se recordar, inclusive, que o próprio Ministro Luiz Fux fez parte do julgamento e foi voto vencido quando o Plenário colocou em pauta as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54. Nesta ocasião, modificou-se o entendimento até então vigente sobre execução provisória de pena. Firmou-se a nova orientação de que a prisão, para fins de cumprimento de pena, somente seria permitida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, salvo se presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, quando, então, poderá ser decretada a prisão preventiva.

Não se negue, claro, que algumas modificações importantes, principalmente em relação ao Tribunal do Júri, foram trazidas pelo chamado Pacote Anticrime, aprovado no final do ano de 2019. No entanto, e notadamente, o caso sob julgamento é bem anterior, de 2013. Portanto, não se aplica. Não só, e o que parece ser mais importante, é de que o entendimento sobre execução provisória de pena foi pacificado pelo plenário do STF e, com o devido e merecido respeito, só deveria ser alterado pelo próprio plenário, a bem da segurança jurídica e do princípio da colegialidade.

Foram tantas reviravoltas em relação ao tema, em tão pouco tempo, que a situação é absurda, para se dizer o mínimo. Vejamos: em 2009 foi pacificado pelo STF o entendimento de que só se poderia ter execução de pena após o trânsito em julgado da ação penal. Em 2016, mudou-se o entendimento para admitir a execução provisória de pena após o trânsito em julgado da decisão em segunda instância. Em 2020, pouquíssimo tempo depois, o assunto voltou à pauta: a prisão, para fins de cumprimento de pena, somente é permitida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Este era, até então, o último entendimento do plenário do STF.

Qual não foi a surpresa logo após dias de transmissão em rede nacional do julgamento do caso Boate Kiss? O Ministro Luiz Fux autorizou a prisão imediata dos quatro condenados no caso da boate Kiss.

Ou seja, quem tem o dever e o papel de uniformizar discussões constitucionais complexas, é quem, ao longo dos anos, transmite maior insegurança jurídica e volatilidade. Significa dizer: com todo respeito, mas o STF não cumpre com a sua função que é a de uniformizar e pacificar entendimentos aos seus jurisdicionados. Não pode, com a devia vênia, um Ministro, monocraticamente, proferir sua decisão, conforme suas convicções pessoais, contra o entendimento do plenário, em flagrante arrepio da segurança jurídica.

É como o vento que muda de direção a depender da estação ou do clamor público.

Não se está aqui a defender um sistema inflexível e engessado. A evolução das decisões e a mudança de opinião fazem parte da sociedade. São importantes e salutares para a construção de uma sociedade. O magistrado deve ter liberdade para julgar. O princípio da independência funcional é fundamental. Contudo, referido princípio não é absoluto, pois a própria Constituição Federal limitou-o em seus artigos 102, §2º e 103-A.1 Não é razoável alterar, de forma sucessivas, um determinado entendimento contra a própria decisão do plenário do STF.

Não por acaso, a segurança jurídica se traduz em meio de controle e de medida de poder. Assegura previsibilidade, estabilidade e a garantia de que não se julga ao gosto do freguês, do clamor público, de acordo com a vontade daquele que julga ou em função daquele que é julgado. A segurança jurídica, portanto, está intimamente ligada ao significado de justiça e avaliza o próprio princípio da isonomia, pelo qual todos são iguais perante a lei.

Nesta linha, o Novo Código de Processo Civil, em seus artigos 489, §1º, IV, 926 e 927, estabeleceu a vinculação dos julgadores aos precedentes judiciais, o que dá previsibilidade, segurança e não por acaso transmite justiça na acepção do termo.

Um Estado Democrático de Direito deve garantir segurança jurídica, com mais transparência e maior previsibilidade. Este é um dos papeis do Supremo Tribunal Federal: zelar pela Constituição Federal e uniformizar entendimentos.

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"As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Art. 10§2º da CF)

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei"

Leandro Falavigna

Leandro Falavigna

Advogado criminalista do escritório Torres | Falavigna | Vainer - Advogados.

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