A restrição às rediscussões de compensação tributária nos embargos do devedor
A 1ª seção do STJ ressalvou a possibilidade de que haja o questionamento judicial sobre a não homologação da compensação tributária por meio do ajuizamento de outras ações que visem o reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo que indeferiu o pedido formulado pelo contribuinte.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2021
Atualizado em 27 de dezembro de 2021 17:49
No âmbito administrativo, o contribuinte submete à apreciação da Fazenda Nacional o pedido de compensação via PERDCOMP, que tem o efeito de extinguir o crédito tributário até que o Fisco examine a compensação realizada, que é a chamada extinção sob condição resolutória de sua ulterior homologação. Na hipótese de a compensação pleiteada não ser homologada, o contribuinte pode instaurar o contencioso administrativo com a apresentação de manifestação de inconformidade, que inaugurará uma discussão administrativa sobre o tema, num percurso que irá das Delegacias de Julgamento da Receita Federal até o CARF/CSRF.
Por conta da complexidade dos sistemas de controle e do próprio uso intenso do envio de intimações eletrônicas pela RFB, as quais, por vezes, não são atendidas em tempo pelos contribuintes, pode acontecer de o contencioso administrativo ser encerrado de forma prematura, ou, em outros casos, de a decisão pela não homologação ser mantida nessa esfera administrativa, apesar de todas as provas apresentadas pelos contribuintes, o que costumeiramente remetia as partes para o Poder Judiciário, onde, via de regra, se passaria à discussão sobre o mérito da cobrança em embargos do devedor, defesa que depende da apresentação de garantias.
Entretanto, em recente decisão, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, decidiu, por unanimidade, nos autos do EREsp 1.795.347/RJ, pelo não conhecimento dos embargos de divergência que tinham sido opostos, o que significou a reafirmação do entendimento de que os contribuintes não podem discutir compensação tributária em embargos do devedor, quando se tratar de créditos fazendários não reconhecidos pela Fazenda Nacional em âmbito administrativo.
Nos autos do REsp 1.008.343/SP, também julgado pela 1ª Seção do STJ, esse entendimento já tinha sido abordado, mas com nuances interpretativas que permitia que se concluísse favoravelmente ao contribuinte, eis que lá se pontuou que, com a edição da lei 8.383/91, que autorizou a compensação sem prévia chancela da RFB, a compensação tributária passou a ser um direito subjetivo do contribuinte, possível de ser alegado em embargos do devedor.
Pois bem, ao julgar os EREsp 1.795.347/RJ a 1ª Seção não conheceu do recurso por entender que ambas as Turmas da 1ª Seção tinham alinhado seu entendimento anterior para entenderem que compensação indeferida na esfera administrativa não é matéria passível de discussão em embargos do devedor.
Com isso, de forma definitiva, optou o Superior Tribunal de Justiça por uma interpretação extremamente restritiva do art. 16, §3º da lei 6.830/80, onde está dito que não será admitida em sede de embargos à execução fiscal a alegação de reconvenção, compensação e exceções, exceto as de suspeição, incompetência e impedimentos. Visando a preservação do acesso das partes ao Poder Judiciário e o pleno exercício do direito de defesa, a interpretação corrente desse dispositivo sempre foi no sentido de que não se poderia pleitear em embargos do devedor que o Juízo realizasse a compensação de créditos detidos pelo devedor, contrapondo-os a débitos do próprio devedor.
Contudo, discussões destinadas à validação de compensação passada já realizada sempre se entendeu que eram admitidas, pois, nesse caso, a discussão central é a demonstração da regularidade do procedimento adotado no passado pelo contribuinte, o que é bem diferente de o contribuinte solicitar que nos embargos do devedor o Poder Judiciário instrumentalize essa compensação.
De toda forma, com essa decisão, surgiu um problema a mais para os contribuintes que já tem em curso embargos do devedor veiculando discussão sobre compensações tributárias, pois, a rigor, de acordo com a recente decisão da 1ª Seção do STJ, esses embargos serão rejeitados por força da decisão proferida em sede de recurso repetitivo.
Paradoxalmente, o precedente ressalva que as compensações tributárias passíveis de arguição em embargos do devedor são aquelas reconhecidas por via administrativa ou por via judicial em momento anterior ao ajuizamento do feito executivo, o que se espera sejam casos raros, pois se houve o reconhecimento da compensação na via administrativa, o próprio sistema da RFB faz a automática extinção dos débitos e não acontecerá a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal.
Como sabemos, a compensação tributária é uma forma de extinção do crédito tributário que se dá mediante o confronto entre os créditos detidos pelo contribuinte e os débitos que este possui junto ao Fisco, desde que se tratem de créditos passíveis de compensação, restituição ou ressarcimento. No âmbito federal, a matéria está tratada no art. 74 da lei 9.430/96 e, com a observância de todas as normas lá contidas, as partes da relação jurídico-tributária que possuam, simultaneamente, créditos e débitos entre si, poderão obter a extinção das obrigações sem que haja a saída de recursos do caixa do contribuinte.
Por fim, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ressalvou a possibilidade de que haja o questionamento judicial sobre a não homologação da compensação tributária por meio do ajuizamento de outras ações que visem o reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo que indeferiu o pedido formulado pelo contribuinte, o que teria que ser feito através de ação ordinária.
Com tal decisão, inequivocamente, cria-se forte fator de insegurança jurídica para os contribuintes, com o agravante de que essa insegurança está se manifestando naquilo que deveria ser claro e límpido para todos os operadores do direito, que é o mecanismo processual adequado para se levar uma discussão ao Poder Judiciário. Ou seja, não bastasse a insegurança com a qual se tem que conviver em razão das oscilações da nossa jurisprudência, com essa decisão, essa insegurança passou para o direito processual, criando problemas de natureza prática para inúmeros contribuintes, que já estão há anos discutindo essa matéria em embargos do devedor.
Esperemos que nossa jurisprudência atente-se para isso e busque soluções intermediárias que permitam a todos exercer plenamente seu direito de defesa e não serem frustrados em suas pretensões por essa nova interpretação de cunho estritamente processual e restritiva.
Angélica Cintra Isquierdo
Advogada da área de contencioso tributário do Machado Associados com experiência nas esferas judicial e administrativa, nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Maria Andréia F. dos S. Santos
Sócia na área de contencioso tributário do Machado Associados, com experiência nas esferas administrativa e judicial.