Empresas - Nova lei de improbidade administrativa: 3 pontos centrais
As novas disposições legislativas vieram para especificar a aplicação da lei de Improbidade Administrativa aos agentes privados, delimitando as hipóteses e os requisitos de incidência sobre empresas, sócios, cotistas, diretores e colaboradores.
terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Atualizado às 07:38
Em 25 de outubro de 2021 foi aprovada a lei 14.230, que promoveu inúmeras alterações à lei de Improbidade Administrativa. Para entender melhor à mudança, os atos são agrupados em três conjuntos: aqueles orientados para o enriquecimento indevido do agente público (art. 9º); aqueles que resultam em lesão patrimonial ao erário (art. 10); e aqueles que infrinjam princípios fundamentais da atividade administrativa (art. 11).
No momento que se instaura a Ação de Improbidade Administrativa e concluindo que haja ocorrência de atos de improbidade, as sanções aos envolvidos podem ser diversas, como: perda de bens ou valores, proibição de contratar com o poder público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, e os prazos podem variar de 4 a 14 anos (art. 12). As sanções na esfera administrativa não excluem outras consequências jurídicas, como acontece na esfera cível ou na esfera penal. A condenação por improbidade pode resultar em consequências graves, e é preciso ter clareza sobre as hipóteses de aplicação desta lei às empresas privadas e seus sócios.
Empresas privadas
Há duas formas pelas quais isso pode ocorrer: a primeira reúne hipóteses em que o agente privado é formado por, ou se beneficia de, recursos públicos. Ou seja, se recebe subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos (art. 1º, §6º), se o houve dinheiro público na formação do patrimônio ou da receita da empresa (art. 1º, §7º) ou ainda se a pessoa jurídica celebrou convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente (art. 2º, parágrafo único). Todos aqueles que atuam nessas empresas, ainda que transitoriamente e sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função são equiparados a agentes públicos e podem responder por improbidade administrativa (art. 2º).
Neste ponto houve uma alteração legislativa que ampliou a aplicação da lei de Improbidade: a redação anterior restringia sua aplicação às entidades para criação ou custeio do erário caso haja incorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Já na atual, foi suprimida a indicação do percentual de participação do Estado: ainda que seja minoritária, a presença do poder público no quadro societário atrai a aplicação da lei de Improbidade Administrativa.
A segunda forma envolve a conduta do agente privado que dolosamente induz ou concorre para a prática do ato de improbidade (art. 3º), porém nem todas as sanções previstas na lei, no entanto, são aplicáveis a esses agentes. Como é o caso da perda de função pública, na qual as sanções serão implementadas somente no que couber aos agentes privados.
Na redação anterior, também admitia-se a configuração de improbidade culposa nos casos em que se causasse danos ao erário e essa hipótese foi suprimida para deixar somente a conduta dolosa como caracterizadora de improbidade. O dolo em questão significa a consciência da irregularidade da conduta e a vontade de produzir o resultado danoso, enquanto culpa admite responsabilização quando o agente atua de forma imprudente, negligente ou imperita, não necessariamente desejando o resultado lesivo. O agente privado só poderá ser responsabilizado por indução ou concorrência na prática do ato de improbidade se tiver consciência da irregularidade da conduta e vontade de produzir o resultado lesivo, não nos casos de imprudência, negligência ou imperícia. Essa medida torna mais justa a aplicação da lei, que passa a ser condicionada a efetiva demonstração de vontade de violar os princípios fundamentais da administração, não abrangendo lesões causadas sem intenção.
Os sócios, cotistas, diretores e colaboradores também podem responder por improbidade
Estes podem responder caso seja imputado à pessoa jurídica, desde que fique comprovado que houve participação e benefício diretos por parte deles. A responsabilidade, todavia, se restringirá aos limites da participação e dos benefícios comprovados (art. 3º, §1º).
Na versão anterior, não havia individualização da situação dos sócios, cotistas, diretores e colaboradores, com a ausência de distinção da situação desses agentes, era recorrente que as ações de improbidade contra empresas também os incluíssem, argumentando que qualquer benefício à empresa indiretamente também os beneficiava. Essa posição, porém, criava clara confusão entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que compõe seu quadro. Já a nova versão, sedimenta o posicionamento, já adotado em diversos Tribunais de Justiça, de que é condição para responsabilização do sócio, cotista, diretor e colaborador a demonstração não só da participação direta no ato de improbidade, mas também da obtenção direta de benefício dele decorrente e, sendo assim, fica protegido quem não tenha diretamente atuado para a realização do ato de improbidade ou que não tenha se beneficiado diretamente.
M&A: as garantias da nova lei para os casos de fusão e incorporação de empresas
A lei 14.230/21 trouxe uma importante inovação legislativa no que diz respeito aos procedimentos de fusão e incorporação de empresas. Em ambas hipóteses, a responsabilidade da empresa sucessora será restrita à obrigação de reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido e fatos anteriores à fusão ou incorporação não podem ensejar a aplicação das demais sanções previstas na lei, exceto no caso de simulação ou de evidente intuito de fraude, ambos devidamente comprovados (art. 8º-A, parágrafo único).
Ao restringir a responsabilidade da empresa sucessora, a lei oferece maior segurança jurídica às operações de fusão e incorporação societárias, conferindo maior previsibilidade ao passivo herdado em virtude de ato de improbidade ocorrido antes da operação.
Importante ressaltar que a obrigação transmitida será somente a de reparação integral do dano, não se transmitindo a obrigação de pagar integralmente a multa imposta, ou seja, o regime estabelecido pela lei de Improbidade Administrativa é mais benéfico que aquele indicado na lei Anticorrupção, que prevê a transmissão da obrigação de pagamento da multa e a reparação integral do dano causado (art. 4, §1º, lei 12.846/13).
As novas disposições legislativas vieram para especificar a aplicação da lei de Improbidade Administrativa aos agentes privados, delimitando as hipóteses e os requisitos de incidência sobre empresas, sócios, cotistas, diretores e colaboradores. Também promoveram alteração importante no que tange à responsabilidade da empresa sucessora por atos de improbidade das sucedidas no caso de fusão e incorporação.
Agentes privados interagem com agentes públicos de diversas formas e nos mais variados setores, e por isso é preciso analisar as modificações da lei também sob este prisma, já que a norma invariavelmente alcançará as empresas e influenciará os mercados.
Fernando Drummond
Sócio, VP e COO do Escritório Marcelo Tostes.