Topografia de Circuito Integrado - O reconhecimento de um novo Direito de Propriedade Intelectual no Brasil
Na semana passada, o Governo Federal anunciou um novo pacote de medidas para estimular o crescimento mais acelerado da economia brasileira. Esse pacote foi intitulado de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prevendo a realização de investimentos públicos e privados da ordem de R$ 503,9 bilhões até 2010, de forma a atingir a meta de 5% (cinco por cento) ao ano de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007
Atualizado em 15 de fevereiro de 2007 14:27
Topografia de Circuito Integrado - O reconhecimento de um novo Direito de Propriedade Intelectual no Brasil
1. Na semana passada, o Governo Federal anunciou um novo pacote de medidas para estimular o crescimento mais acelerado da economia brasileira. Esse pacote foi intitulado de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prevendo a realização de investimentos públicos e privados da ordem de R$ 503,9 bilhões até 2010, de forma a atingir a meta de 5% (cinco por cento) ao ano de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
2. PAC traz uma série de medidas de estímulo ao crédito e ao financiamento, de redução da arrecadação de impostos, bem como de melhora ao ambiente para investimentos em setores econômicos considerados estratégicos. Entre os setores econômicos contemplados, estão as indústrias de semicondutores e de equipamentos para TV Digital, com a criação de programas especiais de apoio ao seu desenvolvimento no Brasil1.
3. A Medida Provisória 352/07 (clique aqui) institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para TV Digital (PATVD). Em ambos, busca-se fomentar a instalação, no País, de sociedades que desenvolvam e fabriquem dispositivos eletrônicos semicondutores, displays, equipamentos transmissores e sinais de radiofreqüência para TV Digital. Neste sentido, instituíram-se diversas medidas de desoneração fiscal, as quais elencamos, de forma resumida, a seguir:
PADIS
(I) As pessoas jurídicas beneficiárias do PADIS poderão importar, ou adquirir no mercado interno, bens de capital e insumos com redução a zero das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação, da COFINS-Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Além disso, as remessas para o exterior, a título de pagamento por uso de tecnologia, serão efetuadas com a redução a zero da alíquota da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE) destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação2;
(II) a pessoa jurídica beneficiária do PADIS fará jus à redução a zero das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, incidentes sobre suas receitas, e das alíquotas do IPI, incidentes sobre a saída de sua produção industrial, podendo, ainda, reduzir em 100% (cem por cento) a alíquota do Imposto de Renda e adicional incidentes sobre o lucro de exploração; e
(III) As desonerações fiscais no PADIS têm o prazo previsto de 15 (quinze) anos. Em relação à duração da redução da alíquota do Imposto de Renda, o prazo será de 12 (doze) ou 16 (dezesseis) anos, dependendo do nível de agregação de valor da empresa.
PATVD
(I) As pessoas jurídicas beneficiárias do PATVD poderão importar, ou adquirir no mercado interno, bens de capital e insumos com redução a zero das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação, da COFINS-Importação e do IPI. Além disso, as remessas para o exterior, a título de pagamento por uso de tecnologia, serão efetuadas com a redução a zero da alíquota da CIDE destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação;
(II) a pessoa jurídica beneficiária do PATVD fará jus à redução a zero das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, incidentes sobre suas receitas, e das alíquotas do IPI, incidentes sobre a saída de sua produção industrial; e
(III) O prazo previsto de duração das reduções de alíquota previstos nos itens acima será de 10 (dez) anos.
5. O PADIS e o PATV, no entanto, condicionam o acesso a esses benefícios fiscais às sociedades que efetuem investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil. No PADIS, exige-se o investimento de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, enquanto no PATVD este percentual é de 1% (um por cento). Assim sendo, o País pretende não apenas ser um importador da tecnologia relativa aos setores de semicondutores e TV digital, mas fomentar internamente o desenvolvimento de novos conhecimentos tecnológicos para essas áreas, como já corre em países em processo de industrialização - China e Índia, por exemplo.
6. Para que haja estímulo ao desenvolvimento tecnológico, no entanto, a iniciativa privada não necessita apenas de medidas de desoneração fiscal, mas também de um marco legal que proteja os seus investimentos. Dessa forma, a Medida Provisória 352/07 estabeleceu as condições para a proteção de um novo direito de propriedade intelectual no Brasil: a topografia de circuitos integrados3.
A TOPOGRAFIA DE CIRCUITO INTEGRADOS
7. Os circuitos integrados são um conjunto organizado de interconexões, transitores e resistências, dispostos em camadas sobre uma peça de material semicondutor, que visam realizar funções eletrônicas
8. Segundo a Medida Provisória 352/07, o titular da topografia de circuito integrado deverá solicitar junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o registro de sua obra intelectual, para que possa obter a proteção legal. Com a aprovação desse registro, após o transcorrer de processo administrativo no INPI, o titular terá a proteção da respectiva topografia pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar do depósito de pedido do registro ou da primeira exploração, o que ocorrer primeiro.
9. Há a presunção legal de que o criador da topografia é o requerente do pedido de registro. Da mesma forma, fixou-se que a topografia desenvolvida durante o prazo de vínculo contratual pertencerá exclusivamente ao empregador, contratante de serviços, ou entidade geradora de vínculo estatutário, quando: (I) a atividade criativa decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos; ou (II) quando houver utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais ou de negócios, materiais, instalações ou equipamentos dos contratantes4.
10. A proteção legal é condicionada a originalidade da topografia, ou seja, (I) que resulte de esforço intelectual do seu criador e (II) que não seja comum ou vulgar para técnicos especialistas em circuitos integrados. Neste sentido, é admitida a proteção de topografia resultado da combinação de elementos e interconexões comuns, ou que incorpore, com a devida autorização, a topografia de terceiros, desde que original. Portanto, não será admitido o registro de qualquer topografia, mas apenas as que cumpram os requisitos legais de originalidade.
11. Além disso, exige-se do titular do pedido de registro uma declaração com a indicação da data de início da exploração da topografia do circuito integrado, se houver. Caso a declaração indicar uma data de início de exploração anterior a 2 (dois) anos, a contar da data de depósito do pedido, este será definitivamente arquivado. Dessa maneira, a medida provisória estabelece uma presunção absoluta de que as topografias exploradas há mais de 2 (dois) anos não são mais dotadas de originalidade, e , portanto, não merecem proteção legal.
12. A restrição acima torna necessário que o titular de topografia seja diligente, devendo o mesmo solicitar o registro da topografia antes ou tão logo inicie a sua exploração. Por outro lado, nega de imediato a proteção às topografias exploradas há mais de 2 (dois) anos.
13. O registro de topografia de circuito integrado confere ao seu titular o direito exclusivo de explorá-la economicamente, de forma direta ou indireta. Assim, pode o titular produzir e comercializar os circuitos integrados com a topografia integrada diretamente, bem como, por meio de contratos, licenciar ou ceder a topografia a terceiros.
14. Os contratos de licença e cessão de topografias de circuitos integrados deverão ser averbados no INPI, de acordo com procedimento próprio, para que tenham validade perante terceiros. Entretanto, como ocorre em outros contratos, como de licenciamento de marcas e patentes, é possível que a averbação pelo INPI também seja requisito para: (I) a remessa ao exterior dos royalties pagos pelo uso da topografia; e (II) a dedutibilidade fiscal dos custos oriundos da licença.
15. Em relação ao licenciamento, ainda, a medida provisória apresenta regra específica sobre as "licenças cruzadas". Salvo estipulação em contrário, a remuneração relativa a topografia licenciada não poderá ser cobrada de terceiros que adquirem circuitos integrados com essa topografia. Dessa forma, evita-se que o pagamento duplicado pelo acesso à tecnologia, a não ser que isso seja expressamente informado no ato da compra do circuito integrado.
16. A medida provisória também prevê a possibilidade da concessão de licenças compulsórias, assim como ocorre com as patentes, em preservação ao interesse público. A licença compulsória será concedida para assegurar a livre concorrência ou para prevenir abusos de direito ou de poder econômico cometido pelo titular do direito, o que inclui o não atendimento ao mercado quanto aos critérios de preço, quantidade e qualidade.
17. A licença compulsória poderá ser concedida por meio de processo administrativo ou judicial, incluindo procedimento próprio no INPI, em que se terá de provar as práticas comerciais anticompetitivas e desleais do titular do direito. De qualquer forma, a licença será sempre remunerada e temporária. Neste sentido, a medida provisória determina que: (I) o valor de remuneração arbitrado deve levar em conta o valor econômico do direito no mercado; (II) o prazo da licença é limitado a 1 (um) ano, renovável por igual período, caso seja necessário.
18. Além do direito de explorar com exclusividade a topografia de circuito integrado, a titularidade do registro garante a faculdade de impedir que terceiros, sem o seu conhecimento:
(I) reproduzam a topografia, no todo ou em parte, por qualquer meio, inclusive incorporá-la a um outro circuito integrado;
(II) importem, vendam ou distribuam por outro modo, para fins comerciais, uma topografia protegida ou um circuito integrado no qual esteja incorporada uma topografia protegida; ou
(III) importem, vendam ou distribuam por outro modo, para fins comerciais, um produto que incorpore um circuito integrado no qual esteja incorporada uma topografia protegida, somente na medida em que este continue a conter uma reprodução ilícita de uma topografia.
19. A realização de qualquer dos atos previstos acima, por terceiro não autorizado, autorizará o titular da topografia a obter, após a concessão do registro, a indenização que vier a ser fixada judicialmente. Essa indenização deverá levar em conta, inclusive, o período entre a data do início da exploração ou do depósito do pedido de registro e a data de sua concessão pelo INPI. A lei não estabelece prévia fórmula para a quantificação do dano causado ao titular, devendo o mesmo prová-lo conforme o caso concreto.
20. A Medida Provisória 352/07 excluiu a responsabilidade civil daqueles que, sem saber, ou sem base razoável para saber, praticarem a importação, venda e distribuição de produto ou circuito que incorporam topografia reproduzida ilicitamente. Ressalta-se, neste caso, que não basta o responsável pelos atos não saber da irregularidade. É preciso que tenha agido nas suas relações comerciais com boa-fé objetiva, ou seja, com a diligência, a prudência e o cuidado típicos de empresários do seu setor econômico.
21. Após devidamente notificado, é garantido àquele que atuou de boa-fé a possibilidade de comercializar os produtos ou circuitos integrados em estoque ou previamente encomendados, desde que, com relação a esses produtos ou circuitos, pague, ao titular do direito, a remuneração equivalente à que seria paga no caso de uma licença voluntária.
22. Além disso, como limites à proteção concedida à topografia devidamente registrada no INPI, a Medida Provisória 352/07 estabeleceu que os seguintes atos não são considerados infração:
(I) aos atos praticados por terceiros não-autorizados com finalidade de análise, avaliação, ensino e pesquisa;
(II) aos atos que consistam na criação ou exploração de uma topografia, que resulte da análise, avaliação e pesquisa de topografia protegida, desde que a topografia resultante não seja substancialmente idêntica à protegida; e
(III) aos atos que consistam na importação, venda ou distribuição por outros meios, para fins comerciais ou privados, de circuitos integrados ou de produtos que os incorporem, colocados em circulação pelo titular do registro de topografia de circuito integrado respectivo ou com seu consentimento.
23. Assim sendo, verifica-se que a lei procurou fazer com que a exclusividade sobre as topografias não signifique impedimento para que novas topografias sejam desenvolvidas. A todos é permitido estudar e entender como os circuitos integrados funcionam. O que não se admite é que este trabalho seja revertido para a cópia servil das topografias existentes, e sim para o desenvolvimento de novas. Com isso, os interesses privados em explorar as topografias protegidas podem conviver harmoniosamente com o interesse público de promover o desenvolvimento tecnológico do País.
24. É importante mencionar, também, que a infração à proteção da topografia dos circuitos integrados não é tipificada como crime pela nova legislação. Assim, diverge neste ponto da proteção legal conferida aos demais direitos de propriedade intelectual, tais como marcas, patentes, desenhos industriais e direitos autorais. Consideramos que a medida provisória não foi bem neste ponto, pois a responsabilidade criminal é mais um instrumento para coibir e punir àqueles que desrespeitam os direitos concedidos pelo Estado. A proteção concedida pelo INPI é um interesse não apenas do titular da topografia, mas de toda a sociedade.
25. Ressaltamos, ainda, que restará aos titulares de topografias que não possuem os requisitos legais de originalidade, como aquelas exploradas há mais de 2 (dois) anos, utilizar as alternativas de proteção existentes antes da medida provisória. Como exemplo, poderão optar por preservar essas topografias como conhecimentos técnicos confidenciais (segredos de negócio). Neste caso, aquele que utilizar a topografia de circuito integrado de sua titularidade, sem sua autorização, a que teve acesso mediante qualquer relação contratual ou empregatícia, ou ainda mediante o uso de meios ilícitos, cometerá crime de concorrência desleal.
Conclusão
26. Por meio da Medida Provisória 352/07, o Governo Federal ofereceu programas de benefícios fiscais para incentivar a instalação no Brasil de indústrias ligadas a tecnologia de ponta, como as de semicondutores, displays e equipamentos de TV Digital. Por outro lado, de maneira a proteger os investimentos a serem realizados pela iniciativa privada, passou a reconhecer a topografia de circuitos integrados como um novo direito de propriedade intelectual. Portanto, acreditamos estarem lançadas as bases para que se crie no Brasil um novo parque industrial, que trabalhará em parceira com centros tecnológicos de excelência para superar o atraso do país frente a outros países em desenvolvimento.
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1Em 2005 o Governo Federal apresentou as diretrizes de sua Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que consistia em um plano de ação visando o aumento da eficiência da estrutura produtiva, aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras e expansão das exportações. Nesse plano de ação os setores de semicondutores e TV Digital foram considerados prioritários. Entretanto, apenas com o PAC, 2 (dois) anos mais tarde, medidas efetivas de apoio estão sendo implementadas.
2A regulamentação do financiamento ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação encontram-se na Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000.
3O Brasil, por meio da assinatura do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), durante a Rodada Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, se comprometeu a oferecer uma proteção legal à topografia de circuitos integrados. Essa proteção deveria seguir os parâmetros pré-estabelecidos no Tratado sobre Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados, conhecido como Tratado de Washington, anteriormente celebrado pelo Brasil e por outros países. Portanto, o marco legal ora editado segue compromissos assumidos anteriormente pelo Brasil junto a organismos internacionais multilaterais.
4Ao contrário do que ocorre com as patentes, não há a presunção de que as topografias desenvolvidas até 1 (um) ano após a vigência do contrato sejam de propriedade do contratante.
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