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Os atos de improbidade administrativa não são exemplificativos

As regras da lei 8.429, de 1992, devem ser interpretadas sem margem para ampliações, seja quanto às condutas de improbidade como quanto às punições.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Atualizado às 15:03

(Imagem: Arte Migalhas)

As regras constantes nos diplomas legais são interpretadas por uma série de técnicas que buscam dar sentido às palavras do legislador. No que se refere à probidade, por exemplo, o constituinte originário deu especial valor, entendendo que sua forma corrompida - a improbidade - deve ser punida de forma grave.

Decorre da Constituição, aliás, a previsão para a lei de Improbidade Administrativa, editada finalmente em 1992, e que definiu três conjuntos de atos que representam improbidade administrativa, quais sejam os que importam em enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário, e; os atentam contra os princípios da administração pública.

Como se vê, para fins de aplicação da lei de Improbidade, a intenção é punir a prática de atos que se configurem uma ilegalidade qualificada, isto é, que ofenda o valor de probidade guardado no texto constitucional. Esse valor é encontrado em todo o corpo da Constituição, mas um norte importante são os princípios destacados no art 37 da Carta, "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Assim, a lei de Improbidade, por se tratar de regra com caráter sancionador, a interpretação deve ser limitada pelas expressões utilizadas na própria lei, como, aliás, já definiu o Superior Tribunal de Justiça, que "no âmbito da persecução cível por meio de processo judicial, e por força do princípio da legalidade estrita em matéria de direito sancionador, as sanções aplicáveis limitam-se àquelas previstas pelo legislador ordinário"1.

Nesse sentido, a reforma promovida pela lei 14.230, de 2021, merece especial atenção no que se refere à taxatividade dos atos de improbidade administrativa, pois em que pese a cabeça dos arts 9º e 10 terem indicado um rol de atos ímprobos, fato é que o §1º do art 1º definiu que "consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais."

Ou seja, ressalvados atos de improbidade indicados em leis especiais, aqueles indicados nos arts. 9º, 10 e 11 são taxativos, devendo o intérprete analisar o fato à luz da norma, porém sem ampliar o sentido das palavras ali consolidadas.

Em verdade, a manutenção dos caputs originários dos art. 9º e 10 se fez porque os intérpretes pouco exploraram outros atos que causem enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, pois concentraram-se em ampliar o conjunto de atos ímprobos do art 11, isto é, daqueles que atentam contra princípios da administração pública.

Na prática, os princípios da administração pública já são abstratos o bastante para abarcar inúmeras condutas correlatas, em franca ofensa à técnica de interpretação restritiva própria das normas sancionadoras. Assim, o jurisdicionado se tornava passível de punição em situações que não foram previstas expressamente pelo legislador, o que causa grave insegurança jurídica.

De fato, a ação de improbidade administrativa nada mais é do que a manifestação do Poder Público em busca da punição de pessoas e empresas, em que, caso procedente a pretensão, as sanções são graves a ponto de suspender os direitos políticos e decretar a perda de eventual função pública.

De modo até que inusitado, já estava consolidado na jurisprudência que os atos constantes no art 11 eram meramente exemplificativos, o que impôs que a reforma tratasse expressamente que os atos ali previstos eram de improbidade e, dessa forma, se impunha a interpretação restritiva. Aliás, continuando no §4º do art 1º, explicou o legislador que ao sistema da improbidade aplicam-se os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

Dessa forma, não há dúvidas de que as regras da lei 8.429, de 1992, devem ser interpretadas sem margem para ampliações, seja quanto às condutas de improbidade como quanto às punições. Por se tratar de valor constitucional, cuja violação gera graves sanções, não cabe interpretação extensiva, sob pena de tornar a lei meramente casual, esvaziando o valor que se pretende proteger. Portanto, a reforma na LIA esclareceu o que, na verdade, devia ser a ideia geral da própria lei, de modo a se evitar a banalização do que se considera como ato ímprobo.

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1 STJ, EREsp 1.496.347/ES, Rel. p/ acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 28/04/2021).

Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues

Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues

Advogado, mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Sócio fundador do escritório Pisco & Rodrigues Advogados.

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