O enigma legislativo da designação de administradores em limitadas
A má disposição sobre a designação e destituição de administradores no Código Civil gera confusão na identificação do quorum aplicável.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2021
Atualizado às 12:28
Em sua constituição, a sociedade limitada precisa dispor sobre as pessoas naturais incumbidas na administração, seus poderes e atribuições, nos termos do art. 1.054 e 997, VI, do Código Civil. Assim, para que a sociedade seja registrada na Junta Comercial, é possível depreender que o primeiro quorum de eleição do administrador é de unanimidade.
Contudo, a legislação é absolutamente enigmática no que diz respeito às designações de administradores posteriores. O Código Civil (e suas alterações) apresenta vários quoruns diferentes para regular a designação e a destituição de administradores sócios e não sócios, as quais, por sua vez, podem ocorrer tanto no contrato social como em ato em separado. A confusão existe porque cada uma dessas combinações possui um quorum diferente e porque existe um quorum específico para alteração de contrato social.
Nesse sentido, tentando facilitar a compreensão, serão estabelecidas duas premissas na definição dos quoruns: (i) considera-se que o capital social da sociedade limitada está totalmente integralizado e (ii) embora a lei disponha que a alteração do contrato social demande aprovação de 3/4 do capital, entende-se que normas específicas devem prevalecer.
Pois bem, estamos falando de oito combinações. Primeiro, a designação de administrador pode se referir a sócio ou não sócio e pode se dar no próprio contrato social ou em ato em separado. Segundo, igualmente, a destituição de administrador pode se referir a sócio ou não sócio e pode se dar no próprio contrato social ou em ato em separado.
Dito isso, expõe-se o que a lei traz:
Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização.
Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução.
§ 1º Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.
Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato.
II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
III - a destituição dos administradores
V - a modificação do contrato social;
Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas.
I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;
II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071;
III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.
Sistematizando de forma mais visual, a lei diz o seguinte:
- Artigo 1.061 / Designação / Não Sócio / X / Quorum 2/3
- Artigo 1.063, § 1º / Destituição / Sócio / Contrato / Quorum + 1/2
- Artigo 1.076, II / Designação / X / Separado / Quorum + 1/2
- Artigo 1.076, II / Destituição / X / X / Quorum + 1/2
Desta maneira, por nossas premissas, o quorum de destituição de sócio administrador nomeado no contrato é de mais de 1/2 do capital apesar de a lei exigir a alteração do contrato social. Há, ainda, clareza de que a designação de sócio por ato em separado requer o mesmo quorum. A dúvida apenas persiste nas outras combinações, uma vez que o legislador não especificou se as regras seriam aplicáveis a todos os cenários ou não.
Veja-se, por exemplo, que a aplicação do quorum de 2/3 do capital1 a nomeações feitas no contrato social pode gerar certa resistência daqueles que entendem que a regra é para atos em separado. A destituição de administradores pelo quorum de mais de 1/2 do capital também esbarraria no mesmo problema, ainda que já se consiga concluir pela aplicabilidade do dispositivo à destituição de sócio e de não sócio nomeado em separado.2
De toda sorte, interpreta-se que o legislador optou por não especificar justamente por uma aplicação ampliativa. Logo, a designação de administrador não sócio tanto no contrato como em ato em separado requer 2/3 do capital social e a destituição de administradores sócios e não sócios, seja pelo contrato ou em ato em separado, demanda mais de 1/2 do capital social.3-4
Frise-se, no entanto, que a posição não é única, já que o art. 1.063, § 1º, prevê que o quorum de mais de 1/2 do capital é aplicável à destituição do sócio administrador nomeado no contrato. Vale dizer, não é absurda a defesa de que a destituição de não sócio nomeado no contrato demande quorum diferente, como, por exemplo, de 3/4 do capital.
Observados os quoruns legais, soa incompatível aplicar o quorum de modificação do contrato, qual seja 3/4 do capital, à designação de sócio para a administração da sociedade limitada. Caso contrário, seria como se o legislador civilista permitisse a designação do não sócio com um quorum menor do que aquele exigido para o próprio sócio administrador.
Considerando a leitura conjunta do art. 1.071, II, com o art. 1.076, II, ressalta-se que a designação de administradores, "quando feita em ato separado", depende de deliberação de mais de 1/2 do capital social. Portanto, defende-se a aplicação do quorum da maioria simples em se tratando de designação de sócio administrador pelo contrato social:
De toda forma, relembra-se que se trata apenas de uma posição sobre o tema da designação dos administradores. Ainda é mais presente a corrente que aplica o quorum de modificação do contrato a todas as designações ou destituições que envolvam o contrato social, exceto quando há previsão expressa, como seria o exemplo do art. 1.063, § 1º, do Código Civil.
O que fica é a imensa confusão em um tema que deveria ser simples, especialmente por ser básico para qualquer empresa.
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1 De acordo com Gisela Sampaio da Cruz e Carla Wainer Chalréo Lgow, apesar de o legislador fazer referência a 2/3 "dos sócios", deve-se considerar a participação no capital social em função do princípio majoritário que norteia as deliberações sociais (Notas sobre a administração das sociedades limitadas. In: Temas relevantes de Direito Empresarial. PERES, Tatiana Bonatti (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 168).
2 Sendo o administrador não sócio nomeado no contrato social, Sérgio Campinho entende que o quorum será de 3/4 do capital (O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 236).
3 Para Modesto Carvalhosa, "a destituição do administrador não sócio, seja ele nomeado no contrato social ou em ato separado, esteja o capital totalmente integralizado ou não, far-se-á por deliberação de quotistas representando mais da metade do capital social" (Do Direito de Empresa. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de (coord.). Comentários ao Código Civil. v. 13. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116).
4 Tanto é assim que a lei 13.792/19 modificou o caput do art. 1.076 para ressalvar o quorum disposto no art. 1.061, qual seja 2/3 para a eleição de administradores não sócios. Sendo mais específico do que a previsão do art. 1.071, V, de "modificação do contrato social", depreende-se que o quorum de 2/3 se aplica inclusive quando o administrador não sócio é nomeado por meio do contrato.