Aplicabilidade do princípio da cidadania no âmbito da gestão pública municipal pelo viés do Estado democrático de Direito
Os anseios da sociedade pela busca da qualidade dos serviços prestados no âmbito da Gestão Pública envolve o exercício da Cidadania como possível modo de atingimento da vontade popular.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
Atualizado às 14:32
O termo democracia é genericamente empregado para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político pelo povo. Kelsen (2010) aduz que para o entendimento da democracia deve-se considerá-la como um poder de reação aplicado contrariamente a uma força de coerção que é resultante do estado de sociedade.
Nesta linha da política representativa, denota-se que a democracia nasce com a perspectiva de dar vida a um governo cujas ações deveriam ser desenvolvidas publicamente. Esta vertente é corroborada por Beetham (1993), que traz no conceito de democracia uma forma de tomada das decisões públicas, tendo a característica de conceder ao povo o controle social, sendo que a consolidação da democracia representativa não impediu o retorno à democracia direta sob formas secundárias (BOBBIO, 2010).
Nestes dizeres, muito embora os diferentes apontamentos, compreende-se que para chegar a um acordo sobre o conceito de democracia, a qual é observada como contraposta a todas as formas de governo autocrático, deve-se considerá-la como caracterizada por um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos, tendendo a refletir diretamente em sua relação com o Estado de Direito.
Por sua vez, o Estado democrático de direito é entendido por Toledo (2003) como uma ideia de justiça social, declarando e assegurando os direitos fundamentais, que se manifestam vinculantes para toda a produção e interpretação do ordenamento jurídico. Silva (2019) igualmente o relacionando às causas sociais, enfatiza que a tarefa fundamental do Estado democrático de direito se reproduz na superação das desigualdades expressas em sociedade, instaurando, então, um regime democrático pautado na realização da justiça social.
Neste viés de entendimento de regime democrático, tem-se que na operacionalização da gestão pública municipal, o Poder Executivo é entendido como a estrutura ou o sistema institucional do qual é capacitado para levar a efeito, tornar concretas e efetivas as leis, normas e regulamentos em um dado âmbito associativo, detendo, em particular, a autoridade e a responsabilidade pela coordenação e pela gestão da burocracia estatal. Entretanto, conforme esclarece Corralo (2011), por mais que o prefeito simbolize o governo em nível municipal, deve-se considerar a participação da Câmara municipal na definição das políticas do governo, assim, tendo o exercício da gestão na sua forma compartilhada.
Na atual fase histórica da gestão pública, verifica-se no instituto da democracia participativa constitucional o seu elemento essencial. Independentemente do modelo democrático adotado pelo administrador, o principal objetivo é a satisfação do interesse coletivo, afastando-se do caminho de ineficácia social. A realização do bem comum, da justiça social e a inclusão cidadã tornam-se metas a serem cumpridas pelo gestor municipal. Por outro lado, como sugere Arruda Neto (2010), o estímulo ao abuso do poder econômico e político, ocasionado pelo vácuo instalado ou pela ineficiência estatal, gera a institucionalização da violência, discriminação, marginalização, alienação e vulneração de parcelas relevantes da população.
São razões que esclarecem estar o Estado democrático de direito relacionado não só ao modo de governança para um povo, como também ao reconhecimento do cidadão como peça importante no contexto democrático. Conforme assinala Andrade (1998), no âmbito de um modelo de democracia ideal, a cidadania é concebida como o direito à participação política de modo que o conteúdo da democracia deve encontrar sua legitimidade, entre outros elementos, no conteúdo da cidadania, aqui observado como princípio a ser notado pelo gestor público, aliado aos demais princípios que integram as premissas da gestão pública municipal.
Neste norte, os princípios constituem o alicerce em que se coadunam os institutos e as normas jurídicas Corroborando, Braz (2010), assevera não serem os princípios válidos nas constituições do saber humano, tampouco serem aplicáveis aos vários campos do conhecimento ligado às ciências naturais, uma vez que só guardam valor quando no âmbito do Direito.
Denota-se que os princípios figuram com grande relevo, auxiliando a compreensão e consolidação nos atos de gestão, haja vista ser um direito de elaboração não codificado, sustentando, algumas vezes, a discricionariedade da administração pública. Na esfera administrativa, normas são editadas em vista de circunstâncias momentâneas, ocasionando a multiplicidade de textos, sem reunião sistemática. Daí decorre a importância dos princípios, sobretudo para viabilizar a solução de casos não previstos, a fim de permitir melhor compreensão dos textos esparsos, como também para atribuir segurança jurídica aos cidadãos em face da extensão de seus direitos e deveres.
Diante da necessidade de observação ao bem estar social, não basta apenas que a gestão seja balizada em normas fundantes positivadas, tem-se igualmente que adentrar nos princípios norteadores da conduta gerencial e, neste diapasão, o Estado brasileiro trouxe na, Constituição Federal, expressa menção a alguns princípios que se submetem a administração pública direta e indireta, contidos em seu art. 37, caput, que assim expressa: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]". É justamente nesta ordem de respeito aos interesses dos administrados que surge o princípio da cidadania, o qual segue caracterizado como uma relação democrática baseada na igualdade entre as pessoas.
Sendo desenvolvido pela doutrina como de notória importância ao exercício da democracia, muito embora descrito como de natureza intrínseca, o princípio da cidadania é designado por Mazzuoli (2001) como sendo um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII - chamado Século das Luzes -, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na sociedade.
Por oportuno, no que tange a concepção moderna de cidadania, esta surge quando ocorre a ruptura do regime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de cidadão, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a igualdade, contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator. Ainda sobre este teor, afirma que o conceito de cidadania, configurado no âmbito do saber jurídico-constitucional dominante no Brasil, frequentemente peca pela limitação, posto estar calcado em concepções nitidamente liberais, embevecidas na ideia de democracia formal representativa, que o vinculam à nacionalidade, restringindo o seu exercício ao direito de votar e ser votado e à faculdade de ocupar cargos públicos. (MELO, 1999)
No entanto, a prática da cidadania não se limita ao instante periódico do voto, ela está profundamente vinculada à concretização dos direitos fundamentais e ao exercício democrático. É urgente resgatar um conceito mais rico e abrangente de cidadania, em que se ressaltem os aspectos fundamentais de solidariedade e participação ou se acentue o ideal do bem comum como objetivo de toda organização social e nesse caminhar, César (2002) expressa que falar em cidadania é falar também em direitos humanos, uma vez que a história dos direitos humanos se confunde com a história das lutas de libertação do homem. A esse respeito, enfatiza que esse caráter pluralista da construção de um novo conceito de cidadania, pautado na efetivação dos direitos humanos, encontra na sociedade contemporânea, materialização através de inúmeras formas de organizações, mobilização e luta política.
A respeito de cidadania, Vieira (2002) sustenta que a república moderna não inventou o seu conceito, que, na verdade, se origina na república antiga. Em Roma, por exemplo, ensejou um estatuto unitário pelo qual todos os cidadãos são iguais em direitos. Direitos de estado civil, de residência, de sufrágio, de matrimônio, de herança, de acesso à justiça, enfim, todos os direitos individuais que permitem acesso ao direito civil. Ser cidadão consiste em ser membro de pleno direito da cidade, em que direitos civis são plenamente direitos individuais. Mas, ser cidadão é, também, ter acesso à decisão política, ser um possível governante, um homem político. Tem-se o direito não apenas de eleger representantes, mas de participar diretamente na condução dos negócios da cidade. Junqueira, Inojosa e Komatsu (1998) dizem que o exercício da cidadania é processo que se atualiza na medida em que as pessoas vão experimentando relações e percebem que seu saber e sua experiência têm importância e são respeitados.
Não obstante, César (2002) expressa que a cidadania está ligada a concepção de direitos humanos, uma vez que a história destes direitos se confunde com a história das lutas de libertação do homem. A esse respeito, enfatiza que o caráter pluralista da construção de um novo conceito de cidadania, pautado na efetivação dos direitos humanos, encontra na sociedade contemporânea, mormente na brasileira, quiçá por seu caráter semiperiférico, materialização através de inúmeras formas de organizações, mobilização e luta política. É com base nesse contexto que a Constituição Federal consagra, em vários de seus dispositivos, a exemplo dos arts. 68, § 1.º, II; 22, XIII, e 5.º, LXXIII, os vocábulos cidadania e cidadão.
Dito isto, adianta-se no estudo para encontrar na Constituição Federal de 1988 a situação do município como uma das esferas político-administrativas da república, ao imprimir em seu art. 1º a seguinte redação: "A República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal". As atribuições e responsabilidades deste ente crescem substancialmente, prevendo-se, inclusive, a transferência dos principais serviços públicos e a criação e um processo de gestão integrada de recursos da União, Estados e municípios, conduzindo de forma descentralizada, numa perspectiva de valorização da autonomia municipal na definição dos rumos e da operacionalização das ações de natureza pública, viabilizadas pelos diversos órgãos vinculados aos três níveis de Governo.
A proposta desta autonomia parte do princípio de que é no âmbito do município onde as pessoas encontram as melhores condições para o efetivo exercício da sua cidadania nas dimensões política, econômica e social, através da sua participação nas tomadas de decisões visando o desenvolvimento social.
O município, considerado como unidade existencial, sendo pessoa de direito público, tende a realizar sua missão, para tanto se investe de todas as prerrogativas constitucionais, e, por conseguinte organiza-se do ponto de vista administrativo. Este ente estatal exsurge como uma síntese de fatores sociais e econômicos dentro de determinado território, como expressão política e reconhecimento no plano jurídico, especialmente constitucional, ao ponto de Nery Costa (2006) descrevê-lo como sendo a base da organização política democrática, porque nele ocorre a verdadeira relação entre a sociedade e o Poder Público. No que tange ao ente municipal, Ackel Filho (1992) sustenta que o município atrelado ao caráter de célula, seu conjunto constitui o corpo da nacionalidade e da pátria equiparação do município, tendo como função o desempenho de atividades localizadas, e por esta proximidade, atende o desenvolvimento e bem estar nacional.
A gestão pública municipal é entendida por Cretella (1981) não só como a complexa máquina administrativa, acionada pelo Poder Executivo local, como também a atividade desenvolvida por esse aparelhamento para a consecução dos fins relativos ao peculiar interesse da comuna. Este mesmo doutrinador ainda subdivide a gestão municipal em direta e indireta, ao dizer que a primeira é compreendida como o conjunto dos serviços integrados na estrutura administrativa do prefeito e de seus auxiliares e que, por sua vez, a segunda pode ser relacionada a uma terminologia federal. Neste norte, são consideradas como entidades dotadas de personalidade jurídica própria, a exemplo das autarquias municipais, empresas públicas municipais e sociedades de economia mista municipais.
Denota-se da linguagem rigorosamente técnica que administrar é gerir serviços públicos e, ainda ao tratar-se do assunto, busca-se na lição de Braz (2010) a compreensão de que atividade administrativa municipal tende a observar todas aquelas que não são características do Poder Legislativo e cujos atos devem obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Assim, tem-se que as relações jurídicas locais já apresentam muito mais que aspectos de legislação municipal, como era no passado. Neste passo, ao analisar-se o entendimento de Castro (2010) acerca do Direito Administrativo municipal, encontra-se o doutrinador destacando-o como sendo um conjunto de preceitos e princípios de direito administrativo geral, aplicáveis na esfera municipal, à vista da importância sempre crescente dos negócios nas divisões administrativas. Devido à ampliação dos interesses nos serviços públicos locais, no dizer do autor, o município decola para voos ambiciosos a fim de constituir sua autonomia.
Pelo exposto, o Direito Administrativo municipal pode ser conceituado como o conjunto de princípios e normas jurídicas que regulam as atividades do município, que rege as atividades das pessoas jurídicas públicas em seu território, frente ao peculiar interesse social local. É por tudo isso que a gestão pública municipal consiste no desenvolvimento de atos concretos e executórios para o desempenho direto, ininterrupto e imediato voltado ao atendimento do interesse comum na esfera do município, buscando uma unidade e um bem comum que atende ao interesse coletivo, cujos anseios desta coletividade se refletem no exercício pleno da cidadania.
O valor da cidadania é algo que vem antes da ação e determina esse agir, impondo uma renúncia à medida que assegura um direito. Porém, como visualizado no estudo preambular, a sociedade tradicional observava um modelo de relações baseado na hierarquia. Dominação em contraponto à exploração, gerando uma visão de mundo com a qual a grande maioria das pessoas concorda. Isso não significa contentamento, mas o reconhecimento da sua legitimidade, incluindo movimentos contestatórios.
Na atualidade, vivem-se momentos nos quais impera a necessidade de uma rediscussão sobre o alcance do conceito de cidadania. Dentre as razões deste novo interesse, denota-se que nos últimos tempos tem-se observado o fim do modelo do Estado de bem-estar social com o consequente recorte dos benefícios sociais, decisões que são justificadas na necessidade de terminar com a política negativa de dependência das pessoas em relação ao Estado. Encerra-se a necessidade da coletividade desenvolver seu poder crítico para melhor desempenho da cidadania, entendendo-se que a pessoa humana não pode realizar-se plenamente se não assume sua natureza social e não aprende a conviver em sociedade. Acerca disso, Lacerda (2000) aduz que os cidadãos passam a ser efetivamente os participantes da vida urbana no processo de produção das riquezas materiais e da própria função da organização social.
Ao descortinar-se toda a riqueza proveniente do exercício do princípio da cidadania, o cidadão percebe que não se pode restringi-la, mas encará-la nas perspectivas mais amplas da natureza social. Sente a necessidade de compreender a íntima relação existente do cumprimento quanto aos deveres inerentes para com a família, escola, trabalho e associações intermediárias.
Pertinente à condição de indivíduo inserido nas responsabilidades sociais, Lacerda (2000) expõe que, nos dias atuais, verifica-se a concretização de uma cidadania com caracteres coletivos, seguindo em confronto ao Estado Liberal e partindo ao enquadramento de uma política voltada aos grupos sociais.
A inserção destas diretrizes na vida cotidiana do cidadão revelará de forma mais nítida seus direitos e deveres tanto como administrados quanto como senhores no comando da administração pública. Como um ser que conhece seu direito de escolha e que se torna capaz ao ser escolhido, eis que consciente de seu dever como pessoa humana, deixará refletir seus bons exemplos aos interesses da coletividade e exigirá do seu gestor a conduta sempre proba.
De outro lado, uma vez que os direitos e deveres inerentes ao exercício da cidadania toma uma amplitude considerável entre os administrados, os desafios para os gestores estão concretamente postos à realidade e, portanto, o argumento das dificuldades na implementação do controle não pode se sobrepor a questão principal, que consiste em instrumentalizar a administração pública ao desenvolvimento de suas funções típicas, nem que para isso seja necessário a ocorrência da superação de conceitos administrativos até então aplicados pelos gestores públicos.
Desenvolve-se, com isso, uma superação de conceitos estabelecidos há longo tempo na sociedade e Valle (2009), na elaboração do tema sobre as reformas administrativas em âmbito paradigmático, aponta que:
"A insistência nos modelos rígidos, originários dos velhos paradigmas da administração weberiana, implicará o vício de raciocínio apontado por Ost e Kerchove (2002:14-16), da aplicação de novas realidades, dos velhos paradigmas, gerando para o direito um 'déficit' de funcionalidade, uma incapacidade para oferecer resposta, contra a qual nessas considerações se adverte."
Contudo, há de se considerar a resistência dos administradores para com a maior participação dos concidadãos na promoção dos atos administrativos, porém, aquele que não superar o referido temor por certo que estará na contramão da evolução gerencial. A respeito do assunto, Valle (2009) ainda destaca que é preciso efetivamente incorporar a ideia de que o controle da ação estatal, em pleno século XXI, estará relacionado menos a fórmulas tradicionais conhecidas e mais à instalação de uma cultura de controle, graças a qual a energia fiscalizadora da cidadania passa a engrossar os ativos da sociedade política.
Nesses termos, a flexibilização em si da forma de execução da atividade não se apresenta como um óbice ao controle, mas sim como provocação à construção de mecanismos que possam enriquecer essa atividade de fiscalização para além das fronteiras da forma, alcançado os resultados e o seu impacto sobre a cidadania. Assim, a cidadania deve ser concebida como um direito, sendo que, simultânea e paralelamente, a noção de dever deve ser inserida no seu conteúdo, já que não existem direitos sem seus correlatos deveres, pois o grande erro seria conceituar a cidadania como um estado que, uma vez concedido a indivíduo, não exige nada dele para conservá-lo.
A visão estática e individualista da cidadania deve ser superada, na medida em que a experiência histórica social de violência, injustiça e desigualdade tem levado à necessidade de uma participação mais ativa dos cidadãos na construção de uma sociedade justa, com base no valor da solidariedade, essencial à sobrevivência de qualquer comunidade.
Em meio à construção deste cidadão proativo na ânsia de seus direitos, Bobbio (2004) os define como aqueles que não estão apenas preocupados com seus interesses particulares ou com as vantagens pessoais que do sistema político podem extrair, mas sim aqueles potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das decisões.
Alia-se à presença deste cidadão em um Estado que não envolve somente à ideia de dominação, mas que busca empreender as interações entre agentes múltiplos e plurais. São relações de interdependência, não apenas entre vários Estados nacionais, mas também entre Estado e sociedade, cujo esforço é capaz de reconciliar a cidadania com suas instituições de gerenciamento, muito mais quando se trata da gestão pública municipal, face sua condição de maior proximidade à descoberta dos anseios da sociedade.
Nesta proximidade com o cidadão, o gestor municipal pode investir em canais efetivos de audição às rogativas dos tutelados, para com isso ter-se um incremento da participação da cidadania nos processos de escolhas públicas. Porém, precisa enfatizar-se que os canais são concebidos a partir de uma perspectiva dialógica, e não unilateral. Valle (2009), ao abordar este tema, discorre que a incorporação da cidadania nos processos de escolha pública abarca não apenas a divulgação de dados, mas a oferta de um campo real de troca de informação e contribuições, que pode e deve se estender não somente à gênese da escolha, mas a todo o processo de sua implementação e, principalmente, de avaliação.
Portanto, nem se diga que a proposta é paralisante, na medida em que subordina a ação estatal à participação. Quando cada cidadão for portador do conhecimento de sua importância no contexto social, sendo o indivíduo capaz de compreender suas responsabilidades no convívio social, apresentar-se-á um desafio de construção do mecanismo que viabilize o melhor exercício da cidadania. Isto pode acontecer, talvez, por meio da retroalimentação de informações, de modo que as ações diárias do gestor público possam ser decididas e acompanhadas normalmente, ou em outros momentos de planejamento do agir da administração pública municipal. Esse é o desafio que se propõe inserir na agenda da reflexão.
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Rodrigo Luiz Alves
Advogado. Especialista em Gestão Pública - Faculdade Municipal de Palhoça/SC - FMP. Especialista em Direito Público - Faculdade Damásio.