Afinal regras para o saneamento
Depois de um longo debate e muitas tentativas de se construir um marco regulatório para o saneamento no Brasil, acaba de ser promulgada a Lei nº 11.445/2007, cujo principal objetivo é propiciar segurança àqueles que pretendam investir em saneamento básico no país. A inexistência de regras claras tem sido um dos principais entraves na busca de soluções para esse grave problema, que foi um dos principais responsáveis pelo rebaixamento do Brasil, da 68ª para 69ª posição no ranking de desenvolvimento humano, divulgado no último Relatório do PNUD, elaborado pela ONU.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
Atualizado em 13 de fevereiro de 2007 14:02
Afinal regras para o saneamento
Márcio Monteiro Reis*
Depois de um longo debate e muitas tentativas de se construir um marco regulatório para o saneamento no Brasil, acaba de ser promulgada a Lei nº 11.445/2007 (clique aqui), cujo principal objetivo é propiciar segurança àqueles que pretendam investir em saneamento básico no país. A inexistência de regras claras tem sido um dos principais entraves na busca de soluções para esse grave problema, que foi um dos principais responsáveis pelo rebaixamento do Brasil, da 68ª para 69ª posição no ranking de desenvolvimento humano, divulgado no último Relatório do PNUD, elaborado pela ONU.
É verdade, no entanto, que um dos pontos mais sensíveis não foi enfrentado pela nova lei, já que se optou por fazer referências genéricas ao "titular do serviço", sem identificá-lo. Desta forma, a disputa travada nos últimos anos entre estados e municípios, continua sem solução.
Os Estados tradicionalmente se incumbiam das atividades de saneamento. No entanto, depois da Constituição de 1988 (clique aqui) houve uma verdadeira revolução no papel dos municípios, dispondo-se ser de sua atribuição os serviços de interesse local. Ocorre que são facilmente assim consideradas as atividades de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais urbanas e coleta de lixo, esta última também inserida pela nova lei no rol dos serviços de saneamento.
Fortaleceu-se, então, a tese de que a titularidade do serviço de saneamento é municipal. Os Estados, no entanto, por vezes têm se demonstrado resistentes a esse entendimento, editando leis complementares que, a pretexto de criar regiões metropolitanas, procedem a verdadeira usurpação destas competências municipais, pretendendo absorver inteiramente o poder de decisão quanto à prestação do serviço.
Esse quadro de indefinição jurídica acabou provocando o aparecimento de diversas ações judiciais sobre o tema, incluindo algumas ações declaratórias de inconstitucionalidade no Supremo, cujos julgamentos ainda estão
O Ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, já proferiu voto em que deixou claro que a instituição de regiões metropolitanas não pode atingir a autonomia dos municípios nem usurpar competências tipicamente municipais. Da mesma forma, o Ministro Eros Grau também já afirmou que , ainda que a prestação do serviço de saneamento básico afete a área de diversos municípios, isso não o transfigura em serviço de interesse estadual. Trata-se de serviço de interesse comum a vários municípios, que devem exercer em conjunto a sua titularidade. A competência a ser exercida pelos Estados deverá ser meramente normativa, no sentido de estabelecer os parâmetros pelo quais deverá se dar a integração dos Municípios. A prestação dos serviços e sua regulação, todavia, cabem à Administração intermunicipal e deverão ser executadas em conjunto e solidariamente pelos próprios Municípios envolvidos.
Assim, atento ao fato de que a discussão é de ordem constitucional e depende do pronunciamento do Supremo, o legislador preferiu enfrentar, desde já, outros aspectos igualmente importantes, deixando em aberto a titularidade do serviço. Previu se, no entanto, a possibilidade de que Estado e Municípios envolvidos constituam consórcio público para a organização, regulação, fiscalização e até mesmo prestação do serviço.
Preocupou-se o legislador também em deixar claro que a delegação dos serviços a empresas privadas dependerá da assinatura de um contrato, como sempre ocorre com as concessões de serviço público, vedando-se expressamente à celebração de convênios e outros termos de parceria.
Também está expressa a autorização para a instituição de subsídios pagos diretamente com recursos orçamentários, permitindo o acesso da população de baixa renda ao serviço. A vantagem deste mecanismo é evitar os chamados subsídios cruzados, em que se aproveitam os lucros obtidos onde o serviço é rentável para viabilizar a sua prestação em outras localidades mais pobres, o que pode acabar tornando excessivamente onerosa a sua prestação.
Pode-se mencionar, ainda, como pontos importantes a instituição de regras para os casos de prestação regionalizada, quando um único prestador atende a vários municípios; assim como a previsão de regras de integração para os casos em que mais de um prestador execute atividades interdependentes em uma mesma região. Igualmente importante é a previsão de mecanismos simplificados de licenciamento ambiental, ao que já se havia adiantado o CONAMA ao editar a Resolução nº 377/2006.
Foram vetados pelo Presidente da República os dispositivos que permitiam compensar valores investidos pelos prestadores de serviço em ativos permanentes com valores devidos a título de PIS/COFINS, assim como o que autorizava investir recursos do FGTS em fundos criados para financiar investimentos em infra-estrutura de saneamento ou na compra de ações e debêntures das empresas do setor.
De qualquer forma, apesar de ser inegável a relevância da inovação legislativa, não resta dúvida de que a questão só estará definitivamente resolvida depois do pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal quanto à titularidade desse serviço público. Esse certamente será um dos grandes casos a serem enfrentados pelo Poder Judiciário em 2007.
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