Intersecção entre o Direito Penal e a nova lei de improbidade administrativa e os reflexos da sentença penal no Direito Administrativo sancionador
As demais regras de comunicação estão previstas nos artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal.
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
Atualizado às 08:17
Após anos de discussão, finalmente foi sancionada a nova lei de improbidade administrativa, a lei 14.230/21. Em que pese o argumento de possível retrocesso no que se refere ao combate à corrupção, a verdade é que a nova lei traduz uma antiga posição doutrinária sobre a melhor adaptação tipológica dos atos ímprobos, que passaram a ser considerados como condutas dolosas, tipificadas nos artigos 9º, 10 e 11, da lei 8.429/92.
As adaptações efetuadas acabam por "emprestar" elementos básicos do direito penal, concernente na necessária atuação jurisdicional dentro dos limites da esfera estabelecida pelo legislador, de modo que a regulamentação de determinada conduta ilícita, que envolva restrição de direitos, deve-se dar, obrigatoriamente, por lei (subsunção do fato à norma).
A exigência do elemento subjetivo doloso para a caracterização da conduta ímproba, amplamente discutido nos debates que precederam a nova lei, deu causa à exclusão dos atos culposos, matéria que igualmente encontra definição nos conceitos clássicos do direito penal.
Além dessas interfaces que aproximam as regulamentações sobre improbidade administrativa às teorias de direito penal, dá-se destaque à inserção do § 4º, no artigo 21, da LIA, que passou a dispor o seguinte: "a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)".
Até então a comunicação entre as esferas de responsabilidades por ato ímprobo e por ilícito penal tinha como norte algumas regras básicas, como aquela inserta no art. 935, do Código Civil: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".
As demais regras de comunicação estão previstas nos artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal. O primeiro dispositivo determina que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito; o segundo dispõe que não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
Vê-se que a nova redação da Lei de Improbidade foi além, ao obstar o trâmite da ação de improbidade quando presentes: (i) absolvição criminal;(ii) em ação que discuta os mesmos fatos; (iii) confirmação por decisão colegiada.
Note-se que a recente disposição legal não exige o trânsito em julgado do feito criminal e prevê, expressamente, a comunicação da esfera da LIA com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386, do Código de Processo Penal.
Mas não é só. No que toca à necessária decisão colegiada, o § 3º do artigo 21 da LIA, ao que parece, excetua uma hipótese em que basta a sentença de primeiro grau, na medida em que dispõe que as sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria.
Por fim, cumpre dizer que as ações de improbidade administrativa pertencem ao campo do direito administrativo sancionador, recaindo nos princípios advindos do Direito Penal e Processual Penal, conforme já ressaltado. Não por outro motivo restou confirmado no texto do art. 17-D que a ação de improbidade administrativa é repressiva, não constituindo ação civil.
Neste contexto, portanto, os princípios e garantias constitucionais que incidem sobre as ações penais induzem ao reconhecimento da transcendência dos princípios do Direito Penal ao campo do Direito Administrativo sancionador, de modo que a aplicação da lei mais benéfica, inclusive no que se refere aos dispositivos que evidenciem os reflexos da sentença penal nas ações de improbidade administrativa, é medida que se impõe de forma imediata para as ações com fundamento na LIA que tramitam no Poder Judiciário.
Notável, assim, o verdadeiro avanço trazido pela nova lei de improbidade administrativa em termos de garantia do tão primoroso direito de defesa dos cidadãos.
Clarissa Höfling
Advogada Criminalista, especialista em Direito Penal Econômico pela FGV, Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra e em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito. É, também, especialista em Compliance e Gestão de Riscos pela Insper e Fia.
Maria Fernanda Pessatti de Toledo
Advogada na área de Direito Público com atuação (consultiva e contenciosa) em ações de improbidade administrativa, ações civis públicas, contratos públicos e em matéria eleitoral. Atualmente é Assessora Jurídica de Controle Externo e Encarregada de Dados no Tribunal de Contas do Município de São Paulo. É professora da Escola de Gestão e Contas Públicas do TCMSP, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, pós-graduada em Gestão Pública Legislativa pela USP e doutoranda em Desenvolvimentos, Sociedades e Territórios pelo UTAD-PT.