A utilização da inteligência artificial perante o STJ: avanço ou retrocesso?
A depender dos termos empregados na petição, pode-se desde logo indicar sua inadmissibilidade, mesmo sem a leitura pelo Magistrado competente.
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
Atualizado às 09:31
Em recente evento (1º Encontro Nacional de Laboratórios de Inovação do Poder Judiciário), o ministro HUMBERTO MARTINS - Presidente do STJ - defendeu a utilização da inteligência artificial como instrumento para inadmitir recursos manifestamente incabíveis naquela Corte, a fim de evitar o que chamou de excesso de judicialização.
Com efeito, desde 2019 o STJ possui sistemas e soluções tecnológicas para o processamento dos feitos distribuídos, destacando-se os programas Athos, e-Juris e Sócrates. Este último analisa a petição de recurso interposto, o submetendo a uma "nuvem de palavras": as trinta palavras mais utilizadas mapeiam o conteúdo do recurso, antes mesmo da leitura de seu inteiro teor. Com tais dados, formula-se um "espelho" do conteúdo recursal e se orienta, eletronicamente, a solução a ser dada pelo prolator da decisão. Assim, a depender dos termos empregados na petição, pode-se desde logo indicar sua inadmissibilidade, mesmo sem a leitura pelo Magistrado competente.
É de todo elogiável a interação da tecnologia e do direito e a busca pela modernização dos procedimentos judiciais. O sucesso das audiências por videoconferência - sobretudo nos tempos de pandemia - e o êxito dos processos eletrônicos são a prova disso. De fato, não pode o mundo jurídico passar ao largo da realidade cada vez mais virtual da nossa sociedade. O sistema de Justiça depende da interlocução com a tecnologia para ser cada vez mais efetivo.
Contudo, é preocupante a substituição do ser humano por máquinas. Por melhor programadas que sejam, não podem substituir plenamente a capacidade psíquica inerente ao ser humano ou sua sensibilidade. A observação decorre de um dado concreto: em recente negativa de admissibilidade de recurso interposto, os motivos da decisão eram completamente alheios aos pedidos formulados. Em verdadeiro caso de esquizofrenia forense, a decisão - produzida pela dita inteligência artificial - era completamente dissonante da realidade do caso. Parecia ter-se decidido sobre situação distinta daquela levada à Corte.
Assim, todo cuidado é pouco para a aplicação da revolução tecnológica no julgamento dos casos. Deve-se lembrar que, conforme advertia Calamandrei, o Juiz é "o direito tornado homem", não máquina.
Alexandre Knopfholz
Professor de Processo Penal do UNICURITIBA. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Especialista em advocacia criminal pela Faculdade Cândido Mendes. Sócio da Dotti e Advogados.