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Inovação, Propriedade Intelectual e Mudanças Climáticas

O Brasil pautou sua agenda em busca por financiamento climático, mercado de crédito de carbono transparente e transferência de tecnologias de baixa emissão.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Atualizado às 12:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em um momento em que a agenda ESG tem tomado uma proporção bastante estratégica, todas as atenções estiveram voltadas para a COP-26 (Conferência da Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que ocorreu no período compreendido entre 31 de outubro de 2021 até 12 de novembro de 201, em Glasgow (Escócia).

Representantes de 196 (cento e noventa e seis) países se reuniram para discutir a situação climática global, que tem experimentado índices alarmantes, inclusive reforçando os esforços pelo Acordo do Clima (que ocorreu em Paris em 2015) para uma busca de economia com neutralidade em emissões de carbono. O Brasil pautou sua agenda em busca por financiamento climático, mercado de crédito de carbono transparente e transferência de tecnologias de baixa emissão.

Em 02 de novembro de 2021 (já no início da COP), os países reunidos anunciaram a primeira boa notícia: foi assinado um acordo para proteção de florestas que tem como meta zerar o desmatamento global até o ano de 2030 (contando, inclusive com a participação do Brasil como um dos signatários - e também como receptor de recursos).

Chamado de "Forest Deal", este acordo prevê o montante de US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para medidas relacionadas a 04 (quatro) eixos principais: reconhecimento de comunidades tradicionais e indígenas como "guardiões das florestas"; recursos para formação de uma economia verde; estímulo a elaboração legislativa que impeça o financiamento de produtos ligados ao desmatamento e reorganização das cadeias de commodities.

Um dos pilares do acordo é a possibilidade de países desenvolvidos contribuírem, com os países em desenvolvimento, através da transferência de tecnologia que já possuem, no sentido de capacitar os países em desenvolvimento para P&D em tecnologias limpas, implantação de ferramentas e sistemas para fortalecer o acesso a dados estratégicos, desenvolvimento de sistemas de monitoramento e verificação de gases de efeito estufa, além de outras maneiras de empoderar os governos locais, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Por outro lado, e não menos importante, um dos resultados da COP-26 foi o avanço na discussão entre os países em relação ao artigo 6° do Acordo de Paris, aumentando a segurança jurídica para a concretização de um mercado de carbono1 global. Para que haja credibilidade (e por consequência, investimento) é necessário que a compra e venda de ativos (intangíveis) no âmbito deste novo mercado, seja precedida de regras bastante claras e factíveis.

Grosso modo, o mercado de carbono estipula os limites de emissão de cada um dos países, sendo certo que alguns atingirão a sua meta (e se houver sobra, isso se torna um crédito) e outros necessitarão adquirir créditos, para compensar o seu impacto. Além disso, abre-se uma possibilidade de interessados investirem em projetos ambientais (por exemplo, indústria de usinas eólicas) com a possibilidade de geração de créditos de carbono e negociação futura.

O Brasil possuirá uma posição vantajosa neste mercado, justamente porque é detentor de diversos biomas (e que naturalmente capturam gás carbônico) gerando para o país uma ampla possibilidade de geração de créditos.

Diversos setores buscam inovações que resultem em diminuição de impacto ambiental e baixo carbono. Em excelente artigo2 assinado por Clive Cookson, denominado "Soil microbiome offers key to sustainable harvests"3, o autor afirma: "So a better understanding of these processes could enable farmers to reduce their usage of synthetic fertilisers, which produce significant amounts of greenhouse gas and can cause water pollution"4.

A inovação pode resultar de diversas fontes, seja pelo p&d interno ou por transferência de tecnologia de indústrias ou países mais desenvolvidos em setores relacionados. E se a inovação resultante é passível ou não de proteção e direitos de exclusiva, é a propriedade intelectual que definirá.

Um olhar para os tratados internacionais (que funcionam como a gênese das legislações internas) explica, com clareza, a conexão em direitos relacionados a mudanças climáticas, inovação e propriedade intelectual.

Nos anos de 1950/1960, algumas catástrofes ambientais, como derramamento de petróleo nos oceanos, por exemplo, fizeram com que alguns países europeus começassem a discutir o desenvolvimento sustentável. Em 1972, a ONU (Organização das Nações Unidas), por consequência deste movimento crescente, resolveu elaborar a Conferência Mundial sobre o Homem e Meio Ambiente, que ficou conhecida como a Conferência de Estocolmo.

O resultado da Conferência foi um documento escrito chamado Declaração de Estocolmo (Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente) que foi considerado um "turning point" sobre a conservação do meio ambiente de forma global, contendo mais de 100 (cem) recomendações aos países, inclusive o reconhecimento do impacto ambiental, necessária consciência para agir, soberania dos países para disciplinar sobre os seus recursos naturais e divisão de responsabilidade para os países desenvolvidos.

Em 1992, em terras brasileiras (Rio de Janeiro), houve um outro encontro de países, chamado ECO-92, que também se tornou histórico, pela ampla participação e pelos resultados alcançados. Da ECO-92 resultaram 03 (três) tratados: Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)5, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima6 e Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação7.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) foi o primeiro grande tratado internacional a disciplinar as grandes premissas relacionadas ao acesso à recursos genéticos e repartição de benefícios. Entrou em vigor em dezembro de 1993 e conta hoje com mais de 160 (cento e sessenta) países signatários e continua sendo o principal fórum mundial de discussões sobre biodiversidade, com reuniões dos países membros a cada dois anos (através das "COPs", ou seja, conferência das partes).

Entre os seus principais objetivos, a CDB definiu que os países devem buscar: a) conservação da diversidade biológica; b) utilização sustentável de seus componentes; c) repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes.

Os direitos de propriedade intelectual resultantes dos temas relacionados a CDB são diversos (sejam de forma direta ou reflexa), por exemplo: discussões sobre detentores dos conhecimentos tradicionais associados; consentimento prévio envolvendo patentes resultantes de tecnologias, utilizando biodiversidade local; indicações geográficas e transferência de tecnologia;

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change ou UNFCCC) possui por objetivo estabelecer critérios claros para estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, em prazo razoável.

Durante a ECO-92, representantes de 179 (cento e setenta e nove) países consolidaram uma agenda global para minimizar os problemas ambientais mundiais, ou seja, foram definidos diversos compromissos e obrigações para todos os países, visando a proteção do sistema climático para gerações presentes e futuras.

Desde 1994 (ano em que a UNFCC entrou em vigor, após a sua 50ª ratificação) foram realizadas 26 (vinte e seis) conferências entre os países (daí a razão da COP-26 que acabou de ocorrer), com diversos resultados e protocolos fundamentais resultantes voltados para controle do clima, como o Protocolo de Kyoto8 (assinado em 1997 e em vigor a partir de 2005) que foi substituído pelo Acordo de Paris, que foi discutido entre 195 (cento e noventa e cinco) países durante a COP-21 e entrou em vigor oficialmente no dia 4 de novembro de 2016, contendo metas e orientações, tais como: esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais; recomendações quanto à adaptação dos países signatários às mudanças climáticas, em especial para os países menos desenvolvidos; estimular o suporte financeiro e tecnológico por parte dos países desenvolvidos; promoção de desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologia e capacitação para adaptação às mudanças climáticas; cooperação entre a sociedade civil, os governos, comunidades e povos indígenas, entre outros entes, para ampliar e fortalecer ações de mitigação do aquecimento global.

Sempre importante lembrar que os acordos internacionais mencionados, a despeito de atingirem objetivos específicos, visam diminuir a pobreza, desigualdade global e evitar mudanças climáticas, ou seja, representam ambientes de troca, onde países desenvolvidos transferem tecnologia e países em desenvolvimento fornecem (de forma sustentável) recursos naturais (seja através de ativos da sua biodiversidade ou sumidouros que capturam carbono).

Conclusões

Dois objetivos são comuns entre os tratados acima mencionados: busca por financiamento adequado e transferência de tecnologia, ou seja, parece ser esta troca de tecnologia entre países que conecta os diversos tratados relacionados a biodiversidade e mudanças climáticas.

Em razão de seus abençoados recursos naturais, o Brasil pode não apenas contribuir, mas liderar questões relacionadas ao uso da biodiversidade na indústria global (notadamente através do desenvolvimento de novas moléculas farmacêuticas) ou comercializando créditos de carbono.

Para tanto, é necessário um olhar harmônico na necessidade global de compensação do carbono, da inovação que resulta em transferência de tecnologia, daqueles que as dominam e proteção destes resultados, através dos direitos de propriedade intelectual.

Esta equação não é nada simples, razão pela qual é necessário que os países em desenvolvimento sejam estratégicos para buscar seus interesses, diminuindo seus índices de desigualdade e ao mesmo tempo contribuindo para que o planeta continue respirando.

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1- Carbono é uma maneira genérica de identificar a emissão de gases que resultam no aquecimento global (sendo que o mais comum é o CO2).

2- Cookson, Clive. Soil microbiome offers key to sustainable harvests in https://www.ft.com/content/873737ec-3221-4470-9299-0de09963f38c.

3- Tradução livre: "Microbioma do solo oferece a chave para colheitas sustentáveis".

4- Tradução livre: "Portanto, uma melhor compreensão desses processos pode permitir que os agricultores reduzam o uso de fertilizantes sintéticos, que produzem quantidades significativas de gases de efeito estufa e podem causar poluição da água".

5- Lei interna através do Decreto 2.519/98.

6- Lei interna através do Decreto 2.652/98.

7- Lei interna através do Decreto 2.741/98.

8- Lei interna através do Decreto Legislativo 144/02.

Luiz Ricardo Marinello

VIP Luiz Ricardo Marinello

Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor na INSPER em Contratos de PI; Professor em Especialização de PI na ESA/SP; Coordenador de Comitê na ABPI; Diretor da ASPI; sócio de Marinello Advogados;

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