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Um amor deturpado e um crime atrativo: o tráfico de animais silvestres

Tratar sobre a tutela penal dos animais não é algo novo, mas urgente e necessário. Representando um dos grandes desafios para o Direito Penal.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Atualizado às 11:59

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A tipificação penal para o crime de tráfico de animais se encontra na lei 9.605/98, nos artigos que que versam dos Crimes contra a Fauna. O legislador atribuiu como crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa e estabeleceu situações para as causas de aumento de pena, conforme preceitua o art. 29, §4º e §5º.

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:

§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.

Na prática deste delito conseguimos vislumbrar dois cenários com a participação de agentes; de um ser humano totalmente antropocêntrico que pensa apenas na sua lucratividade e na satisfação do seu ego e um terceiro cenário como consequência desse egoísmo e desumanidade.

1º Cenário: Alta lucratividade - segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestre (Renctas) é uma prática que movimenta até US$ 20 bilhões em todo o país; é a terceira atividade clandestina mais lucrativa do mundo, ficando atrás do tráfico de drogas e o de armas. Não se trata apenas de um indivíduo, mas de uma organização criminosa muito bem desenvolvida.

2º Cenário: Se existe o tráfico é porquê existe consumidores que estão dispostos a pagar preços exorbitantes para ter o animal em casa, com alegações de possuir um "amor" aos animais. Mas, é o contrário disso, temos um "amor" totalmente deturpado, egoísta e como forma de entretenimento para um ser humano totalmente antropocêntrico.

Em 2016, o Jornal G11 publicou uma notícia que um pinguim foi resgatado por agentes da Delegacia da Proteção do Meio Ambiente. O animal se encontrava em uma cobertura em cativeiro junto com vários outros animais silvestres: papagaios, araras, porco espinho etc. Além dessa desumanidade, há de se ponderar que o pinguim é uma ave aquática em que seu habitat natural é predominantemente hemisfério sul, principalmente no continente antártico e a sua principal característica é viver em coletividade, se destacando por "serem fiéis aos seus parceiros" e foi encontrado no Rio de Janeiro, uma localização com temperaturas altas e em convivência com outros animais que não é da sua espécie.  

3º Cenário: Consequências ao Meio Ambiente e para a saúde humana - O tráfico de animais contribui para um desequilíbrio ecológico, causando mudanças na cadeia alimentar dos habitats em que foram retirados e, principalmente, acelera o processo de extinção destas espécies. Além do mais, não existe qualquer controle sanitário podendo transmitir doenças graves ou até mesmo desconhecidas.

Além desses fatores, é necessário debater sobre a incidência da prática delituosa com finalidade a biopirataria, ou seja, um tráfico internacional de animais para fins científicos. Em 2021, a Policia Federal2 realizou uma operação "Leshy" e prendeu um biólogo russo acusado de tráfico de animais, com ele estava quase 200 animais vivos. Ao todo foram apreendidos 50 aracnídeos de espécies variadas, 80 besouros, 25 sapos e 20 lagartos.  

Segundo o Relatório Nacional sobre a Biodiversidade, o Brasil tem a maior biodiversidade em fauna e flora do Planeta Terra. "entre os vertebrados, abriga cerca de 517 espécies de anfíbios (das quais 294 são endêmicas), 468 de répteis (172 endêmicos), 524 de mamíferos (com 131 endêmicas), 1.622 de aves (191 endêmicas), cerca de 3 mil peixes de água doce e uma fantástica diversidade de artrópodos: só de insetos, são cerca de 15 milhões de espécies". Assim, conseguimos observar que o país por essas especificidades é constantemente atacado por essa prática ilegal que pode movimentar milhões de doláres por ano.

No ordenamento jurídico brasileiro, além da legislação especifica já citada, a Constituição Federal de 1988 consagrou um direito constitucional de um meio ambiente ecologicamente equilibrado em seu art. 225, sendo de reponsabilidade tanto do Poder Público quanto da coletividade. Em um panorama internacional somos consignatários da CITES: Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção e o Brasil em 2019, aderiu à Declaração de Lima que prevê ações contra extração e o comércio ilegais de espécies da vida silvestre, abordando possíveis soluções para combater esse tipo de crime e firmando um compromisso de implementar estas ações.

Mas, apesar de todo aparato normativo brasileiro constitucional e internacional, o tráfico de animais ainda ser crime de menor potencial ofensivo possibilita a aplicação de todos os benefícios despenalizadores e impede que o crime seja enquadrado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, já que um dos requisitos é ser uma infração grave.

Assim, no que concerne sobre a sanção penal e administrativa tem sido tratada com leis brandas agem de forma insuficiente e insatisfatória, desenvolvendo um panorama atraente e vantajoso. A Lei Federal de Crimes Ambientais não traz uma boa definição do crime de tráfico de animais, não se tem a aplicação de agravantes e possui uma medida punitiva totalmente ineficaz para atividade delituosa. De tal modo, exaurindo a função primordial do Direito Penal que é a proteção da tutela do bem jurídico importante para a sociedade e, podemos ir além, uma violação a proteção à dignidade do animal.

Como uma possível solução para esse cenário de impunidade o Ministério Público Federal - MPF em 2009 com a Operação Oxóssi que resultou na prisão pela Polícia Federal de 72 pessoas envolvidas no tráfico internacional de animais silvestres, preceituou um entendimento que caberia o oferecimento de denúncia para o crime de receptação, art. 180 do Código Penal, pois a pena aplicada é reclusão de um a quatro anos e multa, além de possuir qualificadora do §1º.

No entanto, fica evidente que está é apenas uma "solução" para conseguir suprir o problema legislativo e de efetividade da sanção penal da Lei 9506/1998. Sendo que aqui é necessária uma revisão legislativa com penas eficazes para que ocorra a efetivação de um direito constitucional, de uma exequibilidade de todos as Convenções e acordos firmados internacionalmente.

Na Câmara dos Deputados há o projeto de lei 4.520/20 que altera a Lei dos Crimes Ambientais endurecendo a pena para quem matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar sem permissão animais silvestres, passando a prever reclusão de dois a cinco anos e multa. Para quem traficar espécies silvestres, a pena prevista na proposta é reclusão de três a oito anos e multa.

Esse é um dever não só do Estado, mas de todo nós. É necessária uma participação ativa da população em colaborar, apresentando denúncias por meio do chat da Ouvidoria Eletrônica do Ibama, não comprando animais silvestres não autorizados. Dessa forma, conseguiremos chegar perto de ter um Brasil; um Mundo melhor e que exerça efetivamente uma proteção a dignidade desses animais.

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1- Disponível aqui.

2- Disponível aqui.

Gessyane Loes de Sa Nogueira

Gessyane Loes de Sa Nogueira

Graduanda no curso de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP.

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