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A responsabilidade civil do síndico na administração e fiscalização do condomínio

O crescimento exponencial dos condomínios edilícios ressalta a importância do direito condominial, em especial no que tange à responsabilidade civil do síndico.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Atualizado às 08:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O crescimento do segmento da construção civil, em especial dos condomínios edilícios, decorrente principalmente do déficit habitacional e da baixa taxa de juros - que, por sua vez, contribui para facilidade na obtenção de crédito imobiliário, bem como para a busca por investimentos alternativos aos exclusivamente bancários  -, traz consigo, de modo intrínseco, uma maior atenção ao direito condominial.

Nesse contexto, nasce a preocupação com a administração dos condomínios cujos objetivos precípuos são, além da promoção do bem-estar dos condôminos, a conservação e valorização dos imóveis tendo em vista tratar-se de gestão de patrimônio alheio. Adicionalmente, ascende-se a necessidade de uma administração provida de lisura e eficiência em prol dos interesses e dos direitos dos titulares das unidades autônomas que lhe compõem. Essa administração é reunida, mutatis mutandis, nas mãos do síndico condominial, ao qual compete, primordialmente, as atribuições de gerir e fiscalizar as atividades e condutas condominiais, de modo que a Lei e a Convenção do Condomínio sejam fielmente cumpridas.

Fato é que muitos síndicos têm falhado na missão de administrar essa massa patrimonial da forma devida, seja por condutas dolosas ou culposas, diante de suas limitações técnicas na arte de administrar o patrimônio alheio, situação que pode acarretar prejuízos incomensuráveis aos proprietários das unidades. Nesse caso, o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio pode ser destituído em assembleia, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, conforme dispõe o art. 1.349, do Código Civil.

A ineficiência na gestão condominial, potencialmente causadora do arrefecimento patrimonial, financeiro e do bem-estar dos proprietários das unidades autônomas, enseja o surgimento da discussão em torno da responsabilidade civil daquele que aceitou, voluntariamente, assumir a responsabilidade de administrar o patrimônio alheio e no qual foi depositada, pelos condôminos e/ou proprietários, um voto de confiança ao elegê-lo para ocupar a função de síndico. O âmago da discussão recai, portanto, na análise e na extensão da responsabilidade civil do síndico, seja ela decorrente de atitude culposa ou dolosa.

A rigor, a Convenção do Condomínio é o documento no qual os condôminos estipulam os direitos e as obrigações que cada um irá suportar, regulando a utilização do edifício e de suas dependências, sendo, nesse sentido, uma verdadeira norma institucional ou estatutária, vocacionada a regrar o funcionamento do condomínio e das condutas praticadas em seu interior (GONCALVES, 2017, p. 401). O condomínio edilício abarca, essencialmente, dois atos normativos, quais sejam: a Convenção Condominial e o Regimento Interno. O primeiro é o objeto de análise a seguir.

Destaca-se, neste azo, que a Convenção Condominial possui a natureza de um negócio jurídico que exterioriza a autonomia da vontade dos condôminos (TARTUCE, 2020, p.1.523), de modo semelhante a um contrato, mas que com ele não se confunde, porquanto sua vinculação atinge aqueles que não eram proprietários à época de sua confecção, ultrapassando, assim, sua força vinculante a esfera jurídica das pessoas que, efetivamente, assinaram a convenção e atingindo, outrossim, locatários e futuros proprietários.

De outra banda, o Regimento Interno, em uma definição singela, é o "manual de etiqueta" dos condôminos. Trata-se de um ato normativo condominial que complementa a Convenção do Condomínio, devendo constar da própria convenção e ser aprovado por dois terços dos votos. Assim, valendo-se de uma analogia, pode-se afirmar que, da mesma forma que a convenção seria lei para os condôminos, o regimento interno seria um decreto regulamentar, cuja competência seria dar execução às regras básicas do cotidiano dos condôminos.

Entretanto, mister observar que a convenção não é engessada, porquanto pode ser alterada por deliberação dos dois terços dos votos dos condôminos (das frações ideais do condomínio), desde que todos sejam previamente convocados e cientificados das alterações que serão debatidas na ocasião, consoante ao art. 1.354, do Código Civil, sob pena de invalidação pelo Poder Judiciário. É de clareza cerebrina que os quóruns legalmente fixados demonstram a importância da matéria, não podendo, por conseguinte, a convenção reduzi-los, sob pena de desvirtuamento da proteção que a lei busca alcançar, tampouco fixar, de modo mais austero, um quórum maior, enrijecendo a autonomia da vontade e reduzindo o grau de mutabilidade da convenção.

Por outro lado, apesar de o Código Civil ser, indubitavelmente, uma fonte do direito condominial, é notório que nem tudo é por ele regulado. Em caráter de exemplo, o quórum exigível para alteração de fachada é trazido pela lei 4.591/64 a qual, por sua vez, exige a concordância unânime dos condôminos para que a fachada possa ser devidamente modificada (GONÇALVES, 2017, p. 408).

Da responsabilidade do Síndico

O síndico possui deveres e poderes de fiscalização e administração, devendo cumprir e fazer cumprir as normas. Por conseguinte, o cargo de síndico representa o órgão executivo do condomínio ao qual incumbe a administração-geral da edificação, a polícia interna do condomínio, o cumprimento das disposições legais, convencionais e regulamentares, bem como a administração orçamentária e financeira da coletividade condominial (PEREIRA, 2019, p. 166-167).

Desse modo, ele não pode atuar de maneira subjetiva, agindo com base em achismos ou convicções pessoais, porém deve, de modo diverso, agir em consonância e com respaldo da Lei, da Convenção Condominial e do Regimento Interno. Logo, não pode conceder privilégios aos "amigos", tendo em vista que, em regra, não lhe é permitido tomar decisões sem a anuência dos condôminos, sob pena de responder pessoalmente pelas suas condutas.

A responsabilidade civil do síndico está lastreada na premissa na qual se impõe, àquele que agir, na administração do patrimônio alheio, com dolo ou culpa, a obrigação de indenizar aqueles que foram, de alguma forma, lesados, devendo, por conseguinte, atuar de maneira a não trazer prejuízo para a coletividade a qual representa.

Nesse diapasão, o síndico tem o dever de respeitar as funções que lhe são atribuídas pela lei no art. 1.348, do Código Civil, as quais, vale mencionar, são exemplificativas, podendo a Convenção do Condomínio lhe delegar outras. É vedado ao síndico, portanto, agir com poderes que, legalmente ou convencionalmente, não lhe competem e, ainda, sem o aval da Assembleia de Moradores.

No entanto, como é cediço, muitos, às vezes por arrogância e/ou visando exclusivamente os benefícios financeiros que lhes são concedidos - como isenção da cota condominial e/ou recebimento de remuneração -, estão assumindo o cargo de síndico desconhecendo os limites de seus poderes, bem como os deveres e obrigações intrínsecos ao cargo. Como frequentemente se observa na realidade dos fatos, a título de exemplo, alguns síndicos utilizam o fundo de reserva como fluxo de caixa, comprometendo essa reserva financeira destinada a grandes despesas futuras. Ainda, notam-se contratações de serviços de qualidade duvidosa, ocasionando serviços mal executados e prejuízos financeiros, os quais, por sua vez, muitas das vezes, não são devidamente reparados, pelos seus executores, devido a inércia do síndico.

Contudo, é importante mencionar que se requer a demonstração de dolo, culpa ou excesso de poderes nas tomadas de decisões e nas condutas do síndico. Ainda que apresente a prestação de contas, a qual está obrigado por lei, e a tenha aprovada perante o Conselho Fiscal, a conduta violadora da lei ou da convenção não encontra subterfúgio, pois, existindo prejuízo para os moradores, aqueles que administraram ou aprovaram contas irregulares, seja de forma culposa ou dolosa, devem responder de forma solidária, já que concorreram para o dano.

Ora, a convenção, ao estipular sobre a forma de administração do condomínio, trata, inclusivamente, das próprias tarefas do síndico, porquanto é ele o principal administrador e responsável pela saúde financeira e estrutural do condomínio, segundo o caput do art, 1.347, do Código Civil.

Ainda, não pode o Síndico, em complemento ao mencionado alhures, desrespeitar os quóruns fixados em lei e na Convenção Condominial. É fato que os quóruns especiais fixados legalmente para disciplinas sensíveis são de ordem pública, de modo que a sua inobservância acarreta a nulidade do ato e a responsabilidade dos envolvidos.

A Convenção Condominial pode estabelecer algumas limitações ao direito de propriedade, porquanto é certo que não há direitos absolutos ou incondicionados no sistema jurídico nacional. Como atos normativos, a convenção e o regulamento interno são aptos a regular o uso, modo e destinação da área comum, embora não possam instituir obrigações ou direitos ao arrepio da lei ou, principalmente, da Constituição Federal (GONÇALVES, 2017, p. 402).

Importante mencionar, por fim, que as disposições introduzidas na convenção que atentem contra a lei serão passíveis de anulação. Qualquer condômino que tiver sido preterido da convocação para a assembleia ou que, embora dela tenha participado, entenda que a matéria deliberada e aprovada viola a convenção ou a lei, tem legitimidade para ingressar com uma ação judicial pedindo sua anulação e a responsabilidade, caso haja, do responsável. 

Fica, assim, clarividente, que a assunção do cargo de síndico condominial traz consigo, de modo anexo, a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir a legislação, bem como a jurisprudência, vigentes, a Convenção Condominial e o Regimento Interno, sob pena de responsabilização civil do síndico, podendo, assim, responder com seu patrimônio pessoal pelas condutas em desacordo com tais institutos.

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GONÇALVES, Carolos Roberto. Direito Civil: Direito das Coisas. 12ª Edição. Editora: Saraiva, 2017.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. 10ª Edição. Editora: Método, São Paulo, 2020.

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais. 27ª Edição. Editora: Forense, 2019.

Relivaldo Buarque

Relivaldo Buarque

Advogado. Sócio fundador do escritório Buarque Advocacia. Graduado em Direito pela PUC-Campinas; Especialista em Direito Tributário e Direito Empresarial.

Cristina Munhoz

Cristina Munhoz

Advogada, graduada em Direito pela PUC-Campinas e bacharela em Economia pela UNESP (Universidade Estadual Paulista).

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