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A prisão civil do devedor de alimentos: a volta dos que não foram

Conrado Paulino da Rosa e Cristiano Chaves de Farias

Quais os caminhos a serem seguidos com a retomada da da prisão civil do devedor de alimentos?

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Atualizado às 11:14

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Uma conhecida música entoada pelo Fabio Júnior afirma que o amor não tem de ser uma história com "princípio, meio e fim".

Todavia, por mais que os apaixonados fãs do pai da Cléo Pires tentem imortalizar o nobre sentimento, a verdade é que, ordinariamente, as coisas possuem um ciclo existencial que há de ser respeitado.

Em meio às (justas, necessárias e responsáveis) preocupações com a saúde da população prisional brasileira, desde os primeiros momentos da pandemia, chegou-se ao consenso de que se deveria obstar o cumprimento da prisão civil do devedor alimentício em estabelecimentos prisionais - onde a insalubridade multiplicaria a chance de contágio pelo COVID-19.

Chegou-se a editor uma norma temporária afirmando categoricamente a impossibilidade de encaminhamento deste devedor ao sistema carcerário (o art. 15 da lei 14.010/20), em seguida, secundada pela jurisprudência superior (STJ, Ac. 3a T., HC 682185/SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 28.9.21, DJe 4.10.21) - mantendo a proibição mesmo após a perda de vigência da lei, por conta das estatísticas ainda preocupantes.

Há, no entanto, um novo cenário social no país. As pessoas já não mais mantêm o isolamento social. O avançar da vacinação gerou confiança e uma positiva expectativa de superação do momento mais difícil. As pessoas frequentam, com certo nível de tranquilidade, shoppings, praias, cinemas... e, até mesmo, festas e comemorações. Por isso, é chegada a hora de rever o entendimento proibitivo do cumprimento da prisão civil do devedor de alimentos em regime fechado, separado dos presos comuns, como reza o Código de Processo Civil (art. 528).

Com efeito, não mais subsiste qualquer razão justificadora da proibição, uma vez que esse devedor de alimentos retomou, como regra, o seu cotidiano, vivendo e convivendo socialmente.

Nesse contexto, não se pode ignorar que a prisão civil tem natureza coercitiva (não punitiva) e, por conta disso, mantê-la em regime domiciliar é, sem medo de errar, violar a sua essência e finalidade. Exatamente por isso, ainda no início da pandemia, propusemos que se evitasse o uso da prisão domiciliar pela sua absoluta inefetividade como meio executivo, uma vez que não há meio para o controle de que o devedor permaneceria nos confins divisórios de seu lar, além da inexistência de sanção para eventual descumprimento.

Respirando esses ares, inclusive, a orientação jurisprudencial se firmou no sentido de admitir a adoção de outras providências constritivas, distintas da medida segregatória, mesmo que a execução de alimentos estivesse fundada na prisão (STJ, Ac. 3a T., REsp 1914052 / DF, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.6.21, DJe 28.6.21).

O momento, agora, exige que não mais se olhe pelo retrovisor, mas, sim, pelo para-brisas: com o avanço da vacinação e do controle da pandemia há de se autorizar o uso da medida prisional, na execução de alimentos, com cumprimento em regime fechado, em estabelecimento prisional, e não mais em domicílio. Pensar em contrário importará, efetivamente, em duplo gravame jurídico: i) beneficiar indevidamente um devedor recalcitrante de alimentos quando não mais existe um elevado risco de contaminação: ii) prejudicar, gravemente, o credor (no mais das vezes, uma criança ou adolescente) que, para além de estar privado do recebimento da sua pensão alimentícia, não consegue coagir o devedor ao cumprimento obrigacional.

Com a sensibilidade interpretativa que o momento exige, o Conselho Nacional de Justiça- CNJ chegou mesmo, através do Ato Normativo 0007574-69.2021.2.00.0000, de 28 de 22.10.2021, a recomendar a retomada da prisão coercitiva civil em estabelecimentos segregatorios.

É chegado o momento, então, de se reconhecer a superação do estado de excepcionalidade que justificou o não cumprimento da prisão do alimentando devedor em regime fechado. E, com esteio na própria legalidade que norteia o processo civil brasileiro (CPC, art. 8o), retomar a possibilidade de sua regular utilização. À luz dessas constatações, com absoluto senso de equilíbrio e responsabilidade jurídica e social, propomos:

i) para os procedimentos em andamento nos quais já houve decreto prisional (em estabelecimento prisional ou em domicílio), que sejam utilizadas  outras medidas executivas típicas (como penhora e desconto) ou atípicas (conforme o permissivo do inciso IV do art. 139 do Código Instrumental), ressalvada a possibilidade de decreto prisional por outros períodos de dívida, distintos daqueles que justificaram a anterior ordem prisional, sem perder de vista a efetiva possibilidade de variabilidade no uso das distintas técnicas executivas, consoante deliberação do STJ (STJ, Ac. 3a T., REsp 1.733.697/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi).

ii) para os procedimentos em andamento nos quais não se usou a prisão como técnica executiva, e cujo crédito ainda não foi adimplido em sua inteireza, que se faculte ao alimentando a opção de requerê-la, agora, como técnica executiva possível para as 3 parcelas que se venceram antes da propositura da execução (seja lá qual tenha sido a sua data) e as que se venceram até a data da decisão do juiz, atento à limitação imposta pelo Par. 7º do art. 528 do Código de Ritos.

Com isso, por conseguinte, uma execução que se iniciou em junho de 2020 para a cobrança de 3 parcelas vencidas e inadimplidas (e que, por força do período de pandemia, não usou a prisão como técnica executiva) pode, agora, caso a dívida se mantenha inadimplida, requerer a prisão para o pagamento das 3 parcelas vencidas antes da propositura (março, abril e maio de 2020) e de todas as que se venceram no seu transcurso. Trata-se de cuidadosa hermenêutica da posição que já havia sido cimentada pela Sumula 309 do STJ, com o propósito de servir como combate ao inadimplemento.

iii) para os novos procedimentos iniciados, faculte-se ao credor a escolha da técnica executiva que se lhe mostre mais efetiva, dentre as quais a possibilidade de prisão civil do alimentando.

Registre-se que o uso da técnica interpretativa de distinção (método distinguishing) indica a inexistência de qualquer violação ao entendimento antes afirmado pela Corte Superior de Justiça, na medida em que a proibição de prisão civil em estabelecimento prisional se baseou em fatos já não mais existentes, o que confere segurança jurídica à retomada das medidas segregatórias de forma convencional.

Deixar de ajustar o entendimento à nova realidade social significa prejudicar duramente o credor de alimentos e, uma vez mais lembrando a canção do Fábio Júnior, transformar a decisão de alimentos em um jogo de caça e caçador.

Conrado Paulino da Rosa

Conrado Paulino da Rosa

Advogado. Parecerista. Pós-Doutor em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Serviço Social - PUCRS. Mestre em Direito pela UNISC, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Professor da Graduação e do Mestrado em Direito da Faculdade do Ministério Público - FMP, em Porto Alegre, onde coordena o Pós-Graduação presencial e EAD em Direito de Família e Sucessões. Presidente da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB/RS. Membro da Diretoria Executiva do IBDFAM-RS. Professor do "Meu Curso", em São Paulo. Coordenador da Mentoria Direito em Prática. Autor de dez obras sobre direito de família e sucessões.

Cristiano Chaves de Farias

Cristiano Chaves de Farias

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Mestre em Ciências da Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Direito e do Complexo de Ensino Renato Saraiva. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Autor de diversos livros de direito civil.

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